30 novembro, 2006

Estou vivo e escrevo sol


(Para a Paula e porque Ramos Rosa é um grande poeta que hoje viu o seu talento reconhecido)

Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol
A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida
Melhor que beber vinho
é mais claro ser no olhar o próprio olhar
a maraviha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde

(António Ramos Rosa)

Partiu de camionete, sei!


Tal como Agostinho da Silva, não estou certa de que morrerei um dia. Tal como Agostinho da Silva, "sei" que há pessoas que morrem... isso não me dá a certeza de que o mesmo venha a acontecer comigo.
Cedo aprendi que a morte é tão natural como o nascimento. Todavia, ao contrário do nascimento, a morte é quase sempre um momento de tristeza... pelo menos na cultura ocidental. E crescemos aprendendo que a morte é triste, porque é o fim.
É por isso que não entendo porque é que as pessoas que acreditam na vida para além da morte, se sentem igualmente tristes com a morte... Mas penso que é o reflexo de anos de uma cultura que nos ensinou a cultivar a tristeza da morte.
Com 7 anos aprendi que a morte existe. E aprendi da pior maneira (ou de uma das piores), na forma de assassinato. Não tenho deus, nem santos, nem fé. São pessoas que nos dão vida e muitas vezes, são pessoas que nos tiram a vida. Outras vezes não acontece nada para que a morte aconteça: simplesmente estamos gastos! E pronto: é a vida!
A tua mãe partiu hoje, querida Paula. Pouco te disse hoje, porque tínhamos falado do facto há uns dias... era uma questão de tempo, e felizmente (isto não é uma crueldade, a Paula sabe o que penso) o tempo foi breve. Isto não te vai aliviar a dor, eu sei e tu sabes: ambas já passámos por momentos idênticos. Mas talvez te traga o consolo de pensar que o pior não é a morte, mas a dor.
E agora, querida Paula, a dor já não existe, senão para ti e para os teus irmãos e para todos os que conheceram e conviveram com aquela que hoje foi de viagem... creio que ela foi de camionete!
É a minha singela demonstração do afecto e da admiração que tenho por ti, amiga.

29 novembro, 2006

Marionete

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Se por um instante Deus se esquecesse
de que sou uma marionete de trapo,
e me presenteasse um pedaço de vida,
possivelmente não diria tudo o que penso,
mas definitivamente pensaria tudo o que digo.

Daria valor às coisas, não pelo que valem,
senão pelo que significam.
Dormiria pouco e sonharia mais,
entendo que por cada minuto que fechamos os olhos,
perdemos sessenta segundos de luz.

Andaria quando os demais se detêm,
despertaria quando os demais dormem,
escutaria enquanto os demais falam, e como
desfrutaria de um bom sorvete de chocolate...

Se Deus me obsequiasse um pedaço de vida,
me vestiria com simplicidade,
me atiraria de bruços ao sol,
deixando descoberto, não somente meu corpo,
mas também minha alma.

Deus meu, se eu tivesse um coração....
Escreveria meu ódio sobre o gelo,
e esperaria que saísse o sol.
Pintaria com um sonho de Van Gogh
sobre as estrelas um poema de Benedetti,
que ofereceria à lua.

Regaria com minhas lágrimas as rosas,
para sentir a dor de seus espinhos,
e o encarnado beijo de suas pétalas...
Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida...
Não deixaria passar um só dia
sem dizer à gente que quero, que a quero.

Convenceria a cada mulher e homem
de que são meus favoritos e viveria enamorado do amor.
Aos homens provaria quão equivocados estão ao pensar
que deixam de enamorar-se quando envelhecem,
sem saber que envelhecem
quando deixam de se enamorar.

A uma criança daria asas, mas deixaria
que ela aprendesse a voar sozinha.
Aos velhos, a meus velhos, ensinaria que a morte
não chega com a velhice, mas com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi de vocês, homens....

Aprendi que o mundo todo quer viver no alto da montanha,
sem saber que a verdadeira felicidade está
na forma de subir a escarpa.
Aprendi que quando um recém-nascido
aperta com seu pequeno polegar pela primeira
vez o dedo de seu pai,
o tem amarrado para sempre.

Aprendi que um homem unicamente tem direito de olhar
outro homem de cima para baixo,
quando o tiver ajudado a se levantar.

São tantas coisas as que pude aprender de vocês,
mas finalmente de muito não haverão de servir
porque quando me guardem dentro desta maleta,
infelizmente estaria morrendo....

(Gabriel Garcia Marquez)

Apetece-me o António!


Assim, de repente, apetece-me Estremoz. Assim, sem mais nem menos: Alentejo, Vila Viçosa, quem sabe Espanha?
Contigo ou sem ti... um dia destes parto com o António... vou a Estremoz. Passo por Évora, Pavia, revejo os amigos... vou conhecer Vila Viçosa.
Dormir em Estremoz, contigo ou sem ti... Parto com o António, como parti para Granada com Gabo que levou o tempo todo a confessar-me que tinha vivido. E é claro que acredito em Gabo... como acredito em Estremoz e no António... e Évora e a poesia crua, bela, agreste e doce do Alentejo.
Vila Viçosa que me anda a bulir com o sistema nervoso desde o Equador do Miguel. Mas não levo o Miguel comigo: não é por nada; para mau feitio basta o meu!
E passo por Montargil, por Pavia e visito a Anta e a torre do relógio. E troco ideias com a Custódia e com o Victor se eles estiverem por lá... vou!
Apetece-me Estremoz. Apetece-me Pavia, Vila Viçosa, Évora... Apetece-me o António!

POLÍTICA SEM ÉTICA

O Sr Ministro,Mariano Gago,chamou aos seus colaboradores,subordinados embora,mas colaboradores,sub-desenvolvidos!E isto,em público,em frente de todo o país,no programa,de grande audiência,"Prós e Contras".
Trata-se,a meu ver,de um acto de má educação.Ele ainda quis emendar o que disse nas palavras,mas estas... já tinham sido... atiradas.
Um ministro, que assim age, pode ser considerado, nos tempos que correm, muito bom ministro.Podem considerá-lo um ás de eficácia.Podem alguns vir dizer-me que é assim que se processa a mudança...Para mim, não é assim que se cria, se promove, a motivação.Ou então,o que li,durante anos e anos, sobre a teoria da motivação, já está ultrapassado. O que li sobre a indispensabilidade de fazer-se a mudança com as pessoas é uma coisa que foi já considerada uma abordagem anacrónica...
Claro que sei qual é a teoria, que não é nova, diga-se: já outros governos anteriores a puseram em prática, só que não de um modo sistemático, e não servido pela propaganda. Em que consiste a teoria, e, pelos vistos, agora, a prática? O processo de mudança tem de ser muito rápido, para evitar que as forças anti-mudança, inerentes à condição humana, se organizem e oponham resistência. Então, como é que se ultrapassam as críticas de os governos não ouvirem os colaboradores?. Ultrapassam-se, dizendo: não, os objectivos foram indicados, todos tiveram conhecimento deles, souberam dos prazos, das metodologias de aplicação, etc... Uma patranha!. Porque estes processos precisam mesmo mais de tempo para as pessoas se identificarem com eles, os perceberem...Não é suficiente enviarem os objectivos para as chefias intermédias falarem com as pessoas....O processo envolve gente. E por isso tem de ser feito com humanidade, embora com firmeza.
Se os senhores Reitores não prestam... há que falar com eles em privado.Se eles têm de ser demitidos...o Sr Ministro resolva lá esse problema no seu gabinete e não na praça pública... e muito menos como se fosse um espectáculo!!
Finalmente...quanto ao que se passou com o Sr.Professor, Adriano Moreira, um professor brilhante e respeitado por todos, independentemente das ideologias, um mestre em Ciência Política, com um percurso exemplar na sociedade portuguesa, vê-lo a ter necessidade de defender-se, num programa televisivo, como se estivesse em tribunal, indício de que não lhe deram oportunidade de dizer das suas razões, em local próprio, foi triste demais...
A mudança faz parte da vida. Como se ouve nas palestras, nas conferências, nos simpósios, etc, nada no mundo mudou mais do que a mudança...A gente sabe que a mudança do país é indispensável. Mas é absolutamente indispensável lembrar a esta classe política, que nunca se preocupou com a mudança, nos governos anteriores, PS e PSD, ou quando se preocupou, foi tratando mal as pessoas, que faça a mudança, com respeito, com educação, porque só uma política que respeite o ser humano é digna de legitimar a mudança que o país requer...

Eduardo Aleixo

DUNAS


É o mar do deserto, ondulação
Sem fim das dunas,
Onde dormir, onde estender o corpo
Sobre outro corpo, o peito vasto,
As pernas finas, longas,
As nádegas rijas, colinas
Sucessivas onde o vento
Demora os dedos, e as cabras
Passam, e o pastor
Sonha oásis perto,
E o verde das palmeiras se levanta
Até à nossa boca, até à nossa alma
Com sede doutras dunas,
Onde o corpo do amor
Seja por fim um golo de água.

( Poema de Eugénio de Andrade, in " Rente ao Dizer ".)

28 novembro, 2006

... os olhos sem expressão sempre cruéis...


Coisa mais linda, coisa mais querida, coisa mais linda o retrato do meu irmão que uns senhores ricos e elegantes vieram aqui mostrar-me, ao sair para o quintal dei com eles a espreitar da cancela, quer dizer dois em pontinhas de pés e o outro, da minha idade, melhor vestido ainda, com um chapéu da época do meu pai mas de bom feltro, novo, um bocadinho atrás como se tomasse conta, eu com a lata do comer das galinhas e nem sequer arranjada, ponta aqui ponta ali a chamar pelos bichos batendo uma colher na lata, o automóvel dos senhores sobre o caminho de Évora porque sete da manhã e ninguém na rua tirando as árvores, o vento e essas sombras que ainda nã se transformaram em casas e muros e portanto deve ser verdade o que dizem na igreja, que o mundo começou com o escuro e depois veio a luz e trouxe as lagartixas, as pessoas e a terra, eu para ali a assistir juntamente com as galinhas excitadas pela colher na lata, a ferverem à minha volta de olhinhos cruéis
(não cruéis, sem expressão os olhos sem expressão sempre cruéis para mim)

(António Lobo Anunes, in " Ontem não te vi em Babilónia")

DOIS POEMAS SOBRE O TEMA DA LIBERDADE DO HOMEM


1. Hinos vivos na garganta afogueados

Os corpos se gastam
De cérebros murchecidos
Os sonhos rendidos
Como flores nascidas
À beira da velhice

O tempo queima
Os homens assim violados
Ludibriados
Com hinos vivos na garganta
Afogueados...

2. Que nada te detenha

Que nada te detenha.
Tens voz, canta!.

Nada mais pecaminoso
Que o passar silencioso
Com um poema na garganta...

Eduaro Aleixo

27 novembro, 2006

Faz-me o favor...

(Para sempre...)


Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.
É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és nao vem à flor
Das caras e dos dias.

Tu és melhor - muito melhor!-
-Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.

(Mário Cesariny)

Uma dupla de sucesso


Rui Veloso foi entrevistado por Judite de Sousa na passada quinta-feira e deixou-me encantada... só não tive ocasião ainda de fazer aqui referência a este compositor de talento, homem tímido e simples... podia parecer um vulgar empregado de escritório. Tudo nele transpira simplicidade e facilidade em compôr.
Ao contrário da maioria dos compositores tem que ter uma "letra" para depois trabalhar por cima dela.
Tal como referi aqui há uns dias, tal como eu, pensa que o seu parceiro Carlos Tê é muito bom como poeta. Tal como eu, pensa que a maioria das letras de T não precisam de música. Elas são poemas lindíssimos de simplicidade.
Rui Veloso compõe em 10 minutos ou menos uma música. Diz que é preguiçoso e eu acredito. Mas lá que é preciso talento para construir uma música em tão pouco tempo... lá isso é!
Parabéns pois aqui ao Rui/Carlos Tê. Espero poder ouvir coisas novas desta dupla ainda por muito tempo, com a qualidade a que nos acostumaram.

26 novembro, 2006

POEMA DE LI BAI


Uma boa semana de trabalho.
Ofereço-vos este lindo poema de Li Bai, um poeta chinês,dos mais famosos, nascido em 701, na Ásia Central.
Chama-se " O pescador " (1)

Eduardo Aleixo


A terra bebeu a neve
E,de novo,desabrocham
As flores de pessegueiro.
O lago é prata derretida
E são ouro recente
As folhas do salgueiro.
Sobre as flores,
Borboletas empoadas
Descansam suas cabeças de veludo.
Quebra-se a superfície do lago
Quando,do barco parado,
O pescador lança as redes.
Seu pensamento está com a mulher amada.
Ele regressa ao lar,
Tal como a andorinha
Leva comida ao seu par.

LI BAI

(1) LI BAI utiliza frequentemente a imagem do pescador, representante do desapego pelas coisas terrestres, da sabedoria e da presevação da pureza.

Poema

(Lembrando Cesariny, que estará entre nós... para sempre!)

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

(Mário Cesariny)

ELES NÃO SABEM QUE O SONHO

Estas palavras: " Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida..." pertencem por inteiro ao poeta António Gedeão, que faria cem anos no dia 24 deste mês.
Estas palavras foram das mais cantadas em Portugal, muito mais cantadas, por certo, do que os poemas de Camões.
Só que António Gedeão nasceu numa época em que as suas palavras tiveram a sorte de as circunstâncias históricas poderem pegar nelas e usá-las como ementa na bandeja de um sonho colectivo, já maduro, e prontas, por isso, para serem digeridas, saboreadas,percebidas...
Mas o poeta não era só poeta. Foi pedagogo. Cientista. E chamava-se Rómulo de Carvalho.
Rómulo de Carvalho, cientista e poeta: eis um casamento que, na época, era uma árvore madura para ele, mas ainda não para as consciências, que tinham do poeta uma imagem deturpada, muitas vezes depreciativa.
E hoje?.
Sim, em muita gente ainda, infelizmente. Quero crer que por ignorância.
A consciência da Humanidade vai no entanto abrindo...É assim que penso.

Estas palavras vêm, no entanto, a propósito de um artigo publicado em sua homenagem,no Diário de Notícias, do dia 24 deste mês, trabalho inédito e disponibilizado gentilmente pela viúva, D. Natália Nunes.
Versa sobre a sua concepção da História.
Por concordar com esta concepção decidi transcrever um pouco das suas palavras:

« Eu tenho sobe a história uma ideia que está longe de ser a mais frequente.Penso que, quem faz a história,não é o governo de uma nação.Sou eu, a vizinha do andar do lado e o merceeiro que está estabelecido com loja na esquina da rua.É o par de namorados que passa de lambreta ou o operário que vai para a oficina com a malinha do almoço.É o poeta, é o pensador, é o cientista, é tudo, toda a gente,a que sai e a que fica em casa,todos,todas,excepto os que compõem o governo.Esses só têm uma atitude permanente que é a de, atónitos, solucionarem,ou verdadeiramente ou falsamente,os problemas que lhes são impostos.»

A dita História, para ser verdadeira, o mais verdadeira possível, terá de contemplar a acção directa ou indirecta de todos os agentes da mudança social, cultural e civilizacional, e para isso todos contribuem.Por exemplo: como pode ser suficiente a História da Colonização, sem a História dos Colonizados?...Ou a História das relações israelo-árabes, sem a Historia que tenha em conta as Histórias dos dois povos?...

Outro exemplo, sobre o 25 de Abril: como pode haver uma História, sem as estórias que os oficiais milicianos sabem, viveram, pois lá estiveram, pelo menos 3 anos, obrigados a isso, aqui e em África, e muito contribuiram para o golpe de estado de Abril, e sabiam, desde o início que o golpe ia dar-se naquela data, tendo sido eles quem esteve, nos anos que antecederam o acto revolucionário, à frente dos quarteis, onde os oficiais do quadro nem apareciam, já fartos das comissões do Ultramar e daquilo tudo?!

Muitas estórias, sim.

Eu sei muitas.E posso dizer de algumas pessoas que estiveram em governos recentes e estão em lugares importantes em estruturas partidárias, gente que se ler, ou se lesse, este blogue, se lembraria, quer das palavras que escrevo, quer do nome que as subscreve.

Concordariam também, tenho a certeza, com as palavras de Rómulo de Carvalho sobre História.Sim, porque sobre as de António Gedeão, sempre concordaram, acho que ainda concordam...

Um dia eu conto...

Eduardo Aleixo

25 novembro, 2006

25 de NOVEMBRO DE 1975

Não vou deixar passar este dia sem dizer sobre ele algumas breves palavras.

Já lá vão 31 anos sobre a noite em que Duran Clemente, militar de Abril, da ala mais à esquerda do Movimento e do expectro partidário do país, cabelo e barbas compridas, semblante romântico estilo Che Guevara, como estava na moda,foi obrigado a interromper, de súbito, a sua comunicação ideológico-política, nos estúdios de televisão do Lumiar, em que usava um discurso de cariz dogmático, em obediência à Marcha Inexorável da História, e ficou de gestos patéticos, suspensos no ar, com o rosto a indagar para trás e para o lado, tentando perceber, até que a emissão foi cortada e substituída pelo filme, " O bobo da Corte ", com Danny Kaye.

Foi, sem dúvida, um corte técnico da emissão, mas também e principalmente um corte simbólico. Os " comandos ", que comutaram a emissão, em Monsanto, mudaram o rumo da História, inverteram o rumo que ela estava a tomar, em Portugal. Foi um corte que evitou que Portugal caísse nas mãos de um regime igual ou pior que o regime salazarista: o refime comunista.

Foi algo que deixou os comunistas, em particular, surpresos. Lembro-me de ver nas ruas os militantes e simpatizantes ( e há que dizer que eram muitos, muitos ... ) comunistas completamente desorientados.Não sabiam como agir. Não compreendiam o silênciio do Partido!. Como fôra possível que a ala moderada vencesse a tendência poderosa que mandava no país?!. Como era possível que um militar sem nome e sem rosto , chamado Eanes, tivesse comandado, com êxito, as operações?!.

Muita coisa há para escrever sobre o 25 de Novembro...O que se passou que inverteu a tendência dita revolucionária do regime?. Qual foi a intervenção geo-estratégica dos EUA e da ex União Soviética, em termos de negociação, para que se evitasse uma nova Cuba em plena Europa?. Que teve o destino de Angola a ver com tudo isso?...

Não sei.Mas gostava de saber.

Sei apenas que venceu a ala moderada do Movimento dos Capitães.E com a sua vitória criou-se o regime democrático em Portugal.

Quero hoje apenas dizer que fiquei contente, porque sou um amante da liberdade, embora com todos os seus defeitos.

Eduardo Aleixo

24 novembro, 2006

Outra forma de poesia


Isto porque no outono ninguém consegue dormir, vamo-nos tornando amarelos da cor do mundo que principia em setembro debaixo do mundo vermelho, o silêncio deixa de afirmar, escuta, demora-se nos objectos insignificantes, não em arcas e armários, em bibelots, cofrezinhos, não somos a gente a ouvi-lo, é ele a ouvir-nos a nós, esconde-se na nossa mão que se fecha, numa dobra de tecido, nas gavetas onde nada cabe salvo alfinetes, botões, pensamos
- Vou tirar o silêncio dali
e ao abrir as gavetas o outono no lugar do silêncio e o amarelo a tingir-nos, as janelas soltas da fachada vão tombar e não tombam, deslizam um centímetro ou dois e permanecem, na rua os gestos distraídos da noite transformam-se num fragmento de muralha ou na doente que faleceu hoje no hospital abraçada à irmã de chapelinho de pena quebrada na cabeça, estremeceram em uníssono, a cama ou uma garganta um som qualquer
(como descrevê-lo?)
e a que se achava deitada morreu, o som na minha cama e na minha garganta, pergunto-me se morrerei também e continuo, se acendesse a luz tornava a ser eu, encontrava-me
..........................................................
(António Lobo Antunes in "Ontem não te vi em Babilónia")

Outra vez, a chuva e Putin


A chuva e o vento estão de passagem. Causam alguns estragos, mas convém não darmos demasiada importância a isto. Na realidade toda a água é bem vinda.
Passemos pois à noticia da morte do ex agente da KGB, Alexandre Litvinenko de 43 anos, que foi envenenado, pelos vistos a mando de Putin, pela investigação do assassinato recente da jornalista Anna Polivskaia.
Não gosto nada de julgar pessoas por hipótese ou por ouvir dizer, mas lá que o caso parece ser uma realidade isso parece. A Rússia deixou de existir enquanto URSS mas a tradição mantém-se. Quem fala do que não deve, é calado, nem que seja à força da bala. A técnica do veneno é uma tradição, por demais conhecida como "meio técnico" dos governos russos para calar oposições.
Espero que o Reino Unido não aceite o pedido de Putin e não fique quieto. Até porque, Alexandre Litvinenko, era já cidadão britânico. E é mais do que tempo do senhor Putin perceber que não pode dispor de toda e qualquer vida humana a seu belo prazer!
E bem vinda sejas tu, água que cais do céu!

23 novembro, 2006

Fado Pessoano


O fado, já diz Fernando Pessoa
não é canção má nem boa
não é alegre nem triste
não é de Coimbra ou Lisboa
é um ser estranho,
uma pausa que a alma portuguesa
deu ao mar quando tudo desejava
sem força para desejar

Toda a canção é um poema ajudado
que diz o que a alma não tem
e a isso não escapa o fado
que é um poema ajudado também

O fado é fadiga duma alma forte
é uma espécie de olhar que viu
o sorriso da morte
nos brancos espelhos do mar
é um olhar quase de desprezo
a um Deus que desertou
quando mais Dele precisava
quem duvidar nunca ousou

No fado todos os Deuses se juntam
a cantar lá nas alturas
trazidos pelos avós na poeira das lonjuras
e esses Deuses estão em nós
espalham-se pela mesa
convocados pela voz
e só por acaso soam a tristeza

(Carlos Tê)

Mea culpa!

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Vou falar de cobras. Pronto: já sei que muitos de vós (na verdade acho que todos), não gostam de cobras. Mas como isto não é um jornal de cariz político-partidário ou religioso, e como eu sou democrática e gosto de cobras, insisto: começo por falar de cobras.
Hoje ao telefone com o CC, voltámos a rir da estória da cobra. Para quem não se lembre CC é um amigo, jovem actor talentoso, uma verdadeira personagem. Diz que acorda sempre mal disposto, mas como não sou eu quem acorda com ele, custa-me a acreditar, porque ele é mesmo muito bem disposto e um verdadeiro actor, pois encarna sempre a própria personagem.
Como todos temos direito ao bom nome vou contar a estória da cobra sem citar nomes, nem sequer iniciais, pois seria demasiado fácil identificar as pessoas que fazem parte de estória.
Conversávamos ao almoço e eu perguntei se ele achava que determinado colega, homem talentoso e de créditos reconhecidos tinha mesmo necessidade de fazer as novelas horrorosas que faz. Ele respondeu-me que sim, porque ele se tinha habituado a um padrão de vida que só era sustentavel naquela base. E depois sai-se com esta: "mas sabes que eu não gosto mesmo é da mulher dele.. é uma cobra!" e desata a desfiar o rosário de defeitos da dita senhora. E eu, que até conheço a mulher do homem, de boca aberta... o que se passou foi que ele pensava que o dito colega era casado com uma colega de profissão... não sei como ele confundiu tudo, mas foi uma gargalhada geral, quando eu lhe expliquei que ele estava a fazer confusão.
A confusão ficou esclarecida mas ele teimou "mas olha que a fulana é uma cobra!"
A minha avó dizia "sou má como as cobras" e eu por força do hábito uso também esta expressão com muita regularidade. E só me dei conta disto quando o Eduardo Aleixo me chamou a atenção para "o engraçado da expressão".
Peço pois aqui desculpa às cobras, porque são bichos adoraveis e passo a vida a comparar gente má com cobras...
Este post é portanto, só e apenas, um pedido de desculpa às cobras em geral e às víboras em particular.

22 novembro, 2006

VOU VER O MAR


Vou para junto de ti. Como sempre. Já nem é uma questão de desabafo.Desabafar contigo seria reconhecer que não me conheces. Que não sabes o que se passa comigo. Claro que sabes. Sabes que não é preciso falar contigo. Nem tu comigo. Somos um. Basta-nos estarmos assim. Em silêncio. Não há forma mais perfeita de amor do que a que existe entre mim e ti.
Tu sabes que estou triste. Sabes que o blogue respira tristeza. Certos acontecimentos... Eu sei o que as tuas ondas me vêm dizer: a vida sempre foi assim: por que não aprendes? As pessoas que se movem pelo poder é o poder que querem: não é isto lógico?. As pessoas que se movem pelo amor fazem parte de um mundo diferente. As águas tênm de ser separadas. O normal na vida não é o amor, mas sim a ingratidão, a vingança, a inveja... Quantas vezes já não me disse isto o mar?. É verdade.
Eu sei que a vida é assim. O meu cérebro diz-me isto e eu percebo. Nã sou parvo.
O mar sabe também que o meu coração não aceita isto. Não compreende.
Assim eu balanço sempre entre o conhecimento que me vem do que observo e a lógica do que penso e aquilo que o meu coração me diz...
Há um conflito, que me há-de acompanhar até à morte.
Mas tenho o mar.
Outras pessoas terão o padre.
A Igreja.
Os amigos.
Eu tenho o mar.
O meu grande poema.
O meu silênciio do mundo, que fala.
É uma sinfonia enorme.
Enche o universo.
Estou só.
Mas nunca estou só.
Vou ter contigo.Não falamos.
Não precisamos de falar.
Nem sei como lhe poderia falar.
Fico calmo.
O mar é a minha grande amante.
Quando morrer, vou ter tantas saudades de ti, ó mar.
O mar é o meu grande poema.
Se eu soubese cantar, cantaria como tu, ó mar.
Não tenho mais palavras para te cantar.
Vou ter contigo.
Esta semana houve coisas tristes, preciso de te ouvir.
Agradeço a Deus poder ouvir-te, de noite, a tua música permanente, no silêncio que fala, enquanto olho para o céu estrelado e ouço também as râs e os grilos e os pássaros nos canaviais...
Que bom!.
Afinal não sou tão ignorante assim: sei alguma coisa do maior poema do mundo, que é o Mar, e por que hei-de permitir que as vaidades do mundo da política me angustiem?
Vou ter contigo, Amigo.
Até amanhã.

Eduardo Aleixo

Gota d'Agua


Já lhe dei meu corpo,
minha alegria
Já estanquei meu sangue
quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
pro desfecho da festa

Por favor
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote
até aqui de mágoa
E qualquer desatenção,
faça não
Pode ser a gota d'água

(Chico Buarque)

Ao menos que os "cidadões" se passeiem...

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Já aqui disse que este blog nasceu do acaso e da minha paixão pela fotografia. Abençoada paixão. Abençoadas todas as paixões...
Nunca me passou pela cabeça que a minha "folhinha" fosse crescendo tão alegre e viçosa... Nunca me passou pela cabeça que através dela faria novos amigos, que trazem outros amigos... e como se diz "os amigos dos meus amigos, meus amigos são"... É por isso que tenho pena que muitos de vós não se "atrevam" a comentar: àqueles que me contactam dizendo que não o fazem porque os seus conhecimentos de informática a tanto não chegam, digo apenas: cliquem no botão comentários abaixo e sirvam-se... (às vezes esta "caixa" não está disponível; por isso não desistam e tentem mais tarde).
O mau tempo vai continuar. Por aqui e pela Rússia. No sentido figurado e literal da palavra. Mau tempo, com chuva e neve... com descontentamento de todas ou "quase" todas as classes profissionais em Portugal... parece-me que os "políticos" estão razoavelmente satisfeitos; os militares querem apenas passear pela baixa de Lisboa e o Governo Civil diz que não podem passear. Sempre quero ver, se os militares decidirem passear e ver as montras da Baixa de Lisboa com as respectivas famílias, se alguém fará alguma tentativa de os impedir... Estou inquieta para que passem as próximas 18 horas para ver no que vai dar o passeio do descontentamento militar. Como dizia o outro: "eles são cidadões como nós"
Na Rússia prosseguem as tentativas para calar bocas que sabem de mais ou que não são caladas pelo medo... Em Portugal cada vez são menos as bocas que falam do que está mal. O partido do governo e o governo confundem-se... não respeitam nada nem ninguém. O despudor é tanto que já nem se dão ao trabalho de "fingir". E foi assim que nenhum membro do governo esteve presente no funeral de Sottomayor Cardia.
Como podemos confiar em quem não respeita a própria família? A semana passada estive para falar aqui nisto, mas a raiva era tão grande, era tanta, que o grito me ficou preso na garganta. Ainda bem que o Eduardo tocou no assunto, porque agora que estou mais calma posso dizer aqui da minha indignação, da vergonha de viver num país que já nem os mortos respeita...
Sejam pois bem vindos, todos os movimentos e passeios de todos e quaisquer cidadões!

RECTIFICAÇÃO

No Registo nº 2, do texto que se segue, por lapso, que lamento, não indiquei que as palavras de Medeiros Ferreira, publicadas no Diário de Notícias, e que transcrevi, são dedicadas a Sottomayor Cardia, que faleceu.

Eduardo Aleixo

OS MEUS REGISTOS

1. Estou a ler o " Ontem Não Te Vi Em Babilónia", último livro de António Lobo Antunes.
Quero que saibam que já "descobri" a chave, e com ela entrei na casa literária do escritor.
Posso dizer-vos que já ultrapassei o "hall". Que estou na "sala de estar", como se costuma dizer.
Se estou a gostar?.!Bem...se já estou na sala de estar!...
Mais tarde... direi se estou apaixonado, ou não.
Como me aconteceu com o José Saramago...

2. Gostei que José Medeiros Ferreira tenha vindo contribuir,no artigo que escreveu no Diário de Notícias, no dia 21 e Novembro, « para a imortalidade possível de alguém que corre o risco de se esbater nesta sociedade do espectáculo». Tenho a certeza que o articulista se referia à grande importância mediática das entrevistas do grande Santana Lopes, do grande Cavaco Silva e dos outros grandes actores da nossa vida política...

3. O mesmo José Medeiros Ferreira foi a única pessoa, do Partido Socialista, bem como Helena Roseta, a terem a "coragem", vejam bem, a terem a coragem,(digo eu) , isto num sistema aberto, num regime democrático, para criticarem o PS, o primeiro por este ter uma direcção com laivos fortes de centralismo democrático, e a segunda invocando a falta de espírito crítico no Partido...
Quando chegará a hora de as pessoas falarem livremente e não terem medo de perderem as posições que têm no Partido?. Ou nas empresas?.Quando é que as pessoas aprenderão a serem livres?. Repare-se que, a meu ver, apenas falam as pessoas que já não precisam de ter medo, seja por razões financeiras, seja por razões de prestígio...

4. Na Rússia de Putin, os crimes continuam. Depois da morte da jornalista Anna Politkovskaya acontece agora que Alexander Litvinenko, que está empenhado em descobrir quem assassinou Anna, foi envenenado, tal como Anna o fôra, antes de ser assassinada.
Desejo que recupere do estado gravíssimo em que se encontra. E que não seja tão confiante como a Anna foi. É que, tal como o nosso blogue já oportunamente referiu, no mês passado, estamos perante um regime apoiado pelas seitas, organizações do crime, com o saber acumulado do KGB, hoje com outro nome, onde a ideologia se converteu noutra, mas com os mesmos resultados para quem tenha ideais sinceros de humanismo...

5. Sobre o que se tem passado na Câmara de Lisboa...não falo. Como é possível que uma coligação PSD/CDS termine, por razões de ambições pessoais, de pelouros, pondo em causa uma cidade, que é a capital?. As pessoas que pensem na classe política que temos...Claro que pensar não chega...

6. Finalmente, e isto é tão importante como o resto, pois do que se trata é de notas pessoais, quero registar que plantei duas árvores; um medronheiro e um diospireiro.Peço a Deus que tenha sorte com estas árvores: o ano passado tive um grande desgosto com o meu diospireiro: morreu com a geada.

Eduardo Aleixo

21 novembro, 2006

NOTAS SOLTAS

Não te incomodam as abelhas?

Não, Fernando Silva, ( Fernando Fernandes , como escreves no blogue ) ,querido amigo da Infância. Escreveste no blogue, " O Meu Tempo È Quando", o nosso blogue, o teu blogue, se quiseres, que gostaste do meu poema. Obrigado. Rabisco estas notas para te dizer que é uma grande alegria ouvir-te. Como assumi mostrar-me para o mundo, sem preconceitos, em liberdade,depois de tantos anos de opressão, mas não aquela das ideologias, entenda-se, o que dará, por certo,motivo para muita conversa, regada à nossa maneira, livre como nasci, tal como a minha mãe me pariu, liberdade que só agora vejo com olhos de ver, deixa-me dizer a todos os que vão passando por este blogue, e a ti também, embora não te seja novidade, que não é por acaso que tu, um Professor, Cientista e Investigador , com obra publicada, umas pessoa que eu admiro, há muito tempo, desde os tempos da nossa infância,em Mértola, és sensível à ficção e à poesia. Lembras-te , Fernando?.. Sempre houve entre nós uma grande ligação, eu, uma pessoa de letras e de humanidades, e tu, um homem vocacionado para a Ciência. Ambos, no erntanto, de sensibilidade interdisciplinar. Vemos o mundo - e sempre o vimos - como uma totalidade: a realidae é a mesma, só os ângulos de visão são diferentes...Que alegria temos em receber-te em o Nosso Tempo È Quando...
Quando vamos almoçar no nosso restaurante no Campo Grande, em ferene do Lago, onde vais ver que as abalhas são as amigas do Eduardo?

Eduardo Aleixo

A veia do poeta


Cansado do movimento
Que percorre a linha recta
Fui ficando mais atento
Ao voo da borboleta
Fui subindo em espiral
Declarando-me estafeta
Entre o corpo do real
E a veia do poeta

Mas ela não se detecta
À vista desarmada
E o sangue que lá corre
Em torrente delicada
É a lágrima perpétua
Sai da ponta da caneta
Vai ao fim da via láctea
E cai no fundo da gaveta

Ai de quem nunca guardou
Um pouco da sua alma
Numa folha secreta
Ai de quem nunca guardou
Um pouco da sua alma
No fundo duma gaveta
Ai de quem nunca injectou
Um pouco da sua mágoa
Na veia do poeta

(Carlos Tê)

Estou de passagem...


Eu bem reclamo que o tempo é pouco. Mas ningúem me ouve. Como é que se pode viver assim? É o segundo dia de trabalho da semana e parece que já passaram seis. E tenho um resto de semana com uma agenda preenchida...
E ainda bem. Eu lá sei viver de outra maneira? Reclamo para não estar calada. Na verdade é muito bom estar sempre ocupada com alguém ou alguma coisa. É bom não ter tempo para o tédio... É bom ter a sensação de que o tédio jamais entrará de novo na minha vida...
Mas era bom ter um pouco mais de luz do dia... Isso era. Nenhum de vocês conhece um deputado que proponha uma lei, à luz da qual as pessoas como eu, que gostam da luz do dia, possam usufruir um pouce mais dessa regalia?
Está bem: eu pago um pouco mais de IRS. AINDA MAIS! Mas em troca quero pelo menos mais duas horas de dia no Outono/Inverno. E prometo votar no partido que propuser e fizer aprovar esta lei na Assembleia da República...
Que bem comportada que eu estou: até escrevo o nome das instituições com maiúsculas!
Portem-se mal, se puderem!

Da criança


Da criança
com o naco
de pão,

ainda fica a outra
mão,
livre

para mexer no nariz.

Maria Eduarda Horta

AS FLORES


As flores não são tudo.
Belas, só quando e porque sorri a tua boca.
Prefiro as crianças por mais sujas.

As flores não são tudo.

Nada valem
Se for Inverno no coração dos homens.

As flores....

Quero eu abri-las
Na compreensão perfeita,
No diálogo das mãos e dos corpos sem fronteiras,
No indescritível milagre
De dois seres que comunicam
No mundo aberto,
Sincero,
Na dança liberta
Que bem-diz o acto de ter nascido,
Na serena aceitação da despedida,
Na simplicidade de te amar,
Como pão na minha boca,
Sem medo,
Sem cálculos,
Sem mapas,
Sem muros,
Sem países...

A não ser os nunca descobertos,
Que não me canso,
Deslumbrado,
De pressentir,
Enleado
No teu corpo...

Eduardo Aleixo

POEMA COM OU SEM GUARDA-CHUVA, NÃO IMPORTA...

A TODOS OS SEM ABRIGO

( Com todo o meu amor )


Cai a chuva na incerteza do dia.
Tempo imenso de fantasmas irreais,
Mas que contam
E dizem
O itinerário de uma vida...

O tempo, é como um sonho recordado...

O presente, é um palhaço que ri, e por vezes berra, por distracção...

A chuva cai, na cidade, sem expressão.

E um homem, sem abrigo, soletra coisas simples
Como mulher,
Mãe,
erva,
Casa,
Pão,
Abrigo,
Flor,
Beijo,
Amor,
Mão,

E, ao fazê-lo...

O que deseja, é só
O equilíbrio
Com o sonho da esperança.

O que quer, é no seu corpo
A certeza
De um futuro

Sem braços

De naufrágio...


Eduardo Aleixo

20 novembro, 2006

A caminho de casa


Ainda não sei como vou fazer
Para não esquecer o que sinto agora
Amanhã quando acordar
Vou estar totalmente fora

Melhor talvez fosse nem dormir
Candidatar-me a uma linha recta
Atar um lenço aos sentidos
Fazer de mim uma seta

Sonhei que estava a caminho
A caminho de casa
Ainda não sei como vou fazer
Para alimentar este fogo terno

Vou transpor o rio do ouro
Vou exilar-me no inferno
Neste momento há gente a acordar
Para mais um dia a riscar do mapa

Vou dar um chuto no espelho
Dar cabo da minha capa
Sonhei que estava a caminho
A caminho de casa

(Jorge Palma)

Abençoada chuva... Abaixo o guarda chuva!

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É verdade que nunca estou só. Mesmo quando todos pensam que estou só, realmente eu estou sempre acompanhada: quanto mais não seja de mim mesma. Mas é bom abrir esta página e dar de caras com o Eduardo Aleixo. Só quero aqui dizer-te que este blog há muito que deixou de ser meu. É teu e de todos os que o visitam, deixem ou não impressões digitais. Porque passa por aqui muita gente que eu não conheço e tu também não... Gente que deixa impressões e outra que segue... mas leu e gostou... ou não! Mas passa por aqui muito mais gente do que se possa imaginar.
E é por isso que, apesar de ter estado fechada num comboio 3 horas para fazer um trajecto de 15 minutos e, com isto tudo ter chegado a casa 13 horas depois de ter saído, passo por aqui. Para dizer que não foi assim tão mau. Realmente ninguém me gritou "sai daqui"...
Foi até divertido, ver as pessoas a mudarem de comboio para comboio, conforme as instruções dadas pelos altifalantes no Cais do Sodré.
E eu na minha, estão a ver, não estão? Sossegada, ouvindo Maria Rita, numa boa. Foi pena ter já terminado na viagem da manhã o "Casei com um Massai" e não ter nada para ler... Mas tirando isso é sempre divertido observar a reacção das pessoas aos imprevistos.
No dia 16, quando o Eduardo apanhou uma chuvada, eu também apanhei, mas pelas 16.30. E eis-me como gosto, debaixo de água... não procurei abrigo: assim não corro o risco de viver a angústia que sofreu o meu querido amigo.
Como diz a nossa Maria Angra "não somos um saco de farinha". E é por isso que nos podemos molhar... não percebo porque as pessoas temem tanto estas "cargas de água". Raramente me constipo e acho que isso tem a ver com a resistência que ganhei ao longo dos anos a apanhar chuva.
Chapéus de chuva, nem vê-los: são um instrumento a banir da face da terra. São armas terríveis. Já imaginaram se o "sem abrigo" que gritou com o Eduardo tivesse um guarda-chuva? Podia tê-lo magoado...
Faço pois aqui um apelo: "abaixo os guarda chuvas! abençoada toda a água que cai do céu"...

REGRESSO

É bom regressar a este espaço de encontro e de comunhão.
No meio da semana, em regra, parto para carregar baterias: tenho de ver água: ou no mar, ou em qualquer rio.
Não me refiro a estas águas de Novembro, que cairam violentas do céu, que se pôs escuro, como se fosse inverno...
Não, são águas diferentes: as águas do mar e dos rios.Acalmam-me.
Mas não posso esquecer estas águas de Novembro.
Começo por descrever-vos duas cenas desagradáveis, passadas no mesmo dia, 16:

9 horas.Esperando o autocarro. Chuva ainda leve.Enquanto espero, de pé, na paragem, leio o jornal. De vez em quando lanço o olhar na direcção do écran onde se informa o tempo de espera. Ainda demora. Faltam 9 minutos.
Ao meu lado, duas pessoas, um homem e uma mulher, falam, com tom irado:
- Que pouca vergonha, toda esta gente de carro, até parece que não dão um passo a pé...
-Qual dão um passo, se calhar até põem os carros dentro dos escritórios, onde nao fazem a ponta de um corno...
-É como essa canalha da função pública e dos professores...
- Que só querem é manifestações...
- E nós aqui a pagar os luxos dessa gente...
Olhei para eles.Eram duas pessoas do povo, gente simples.
Ainda tive para lhes dizer que não tinham razão.Que eram invejosos.Que o que eles queriam era ter um carro e não ir de autocarro.
Mas o autocarro estava a chegar.
Vinha cheio.Só me consegui sentar em Sete-Rios, quando a maioria da gente saiu.
Pensei: a propaganda tem um efeito enorme nas pessoas. Tanto mais efeito quanto menos informadas estão da realidade.

A outra cena é a seguinte: quando saí do autocarro, na Av. Marquês de Tomar, os céus abriram as comportas e a chuva e o vento, de tão fortes, impediram que o meu guarda-chuva me abrigasse. De modo que fui proteger-me na esquina de um edifício, onde a chuva não caía, e onde havia muita gente. Procurei o outro lado da esquina, onde não vi ninguém e estaria mais à vontade.Quando parei e me dispus a fechar o guarda-chuva, ouvi atrás de mim uma voz enorme, a disparar-me:
- Sai, ouviste, sai...
Olhei e vi: um homem, de meia idade, naquele espaço, onde eu não perturbava ninguem, onde cabíamos os dois, perfeitamente, mas que se pôs a gesticular e a gritar:
-Sai, ouviste, pá, estou aqui há quarenta anos, e nunca ninguém me chateou...
Era um Sem Abrigo, acho eu.
Fiquei sem palavras.
Saí.
Dobrei a esquina e juntei-me aos muitos outros que ali estavam protegidos da chuva.
O Sem Abrigo continuava a gritar, cada vez mais alto:
-Sai, sai, sai...
Uma senhora, olhando para mim, perguntou-me:
- Mas quem é, quem é?
Eu, sem pensar, respondi:
- É um doido...
Mas em silêncio, para mim mesmo, disse:
- É da chuva...
Que não parava de cair...
-Sai, sai,sai... - continuava a gritar o homem, violentamente...
Saí para a chuva. Não podia estar mais ali.Durante duas centenas de metros ainda o fui ouvindo, angustiado, como se ouvisse um grito sem culpa, lancinante, vindo do fundo, bem do fundo dos tempos...

Parti para ver o mar. Violento, em Santa Cruz. Mas bonito.

Até que vem o regresso a este espaço. Espaço que tem calor e poesia e que vai sendo conhecido por mais pessoas. Por exemplo, pela Angra, a minha ex-colega de trabalho, não só minha, claro, e que me disse por email que é espaço que tem visitado, com agrado, e que vai voltar a visitar. Também a minha filha Rita tem acesso ao Meu Tempo É Quando e já disse que quando estiver inspirada fará um comentário ao que ler. E outras pessoas que eu sei que o estão a visitar, mas que ainda estão em silêncio.Muitas hão-de vir juntar-se a nós, tenho a certeza.O blogue da Eduarda merece.Não só porque ela é uma boa amiga, mas porque é uma boa escritora.E sensível como é traz-nos sempre bons poetas.

Por hoje fico por qaui.
Já é tarde.

Boa semana de trabalho.

Eduardo Aleixo

19 novembro, 2006

MISTÉRIO

Sei que posso entrar por aquela porta.
Sei que posso abrir aquela janela...

Haverá códigos
Transmitidos pelo corpo e pelos olhos
Música dedilhada
Pelos seres
Nos encontros
Sem palavras
Que desce
Das estrelas
E que alerta
O que em nós
Se chama
Alma?

Eduardo Aleixo

POEMA

Há homens e mulheres que bebem a eternidade dos momentos:
Têm os olhos abertos
E atentos.

Vivem encantados.

Sorriem
E choram
Com a mesma facilidade.

Eternamente crianças,
São os únicos adultos sábios.

Eduardo Aleixo

Não queiras saber de mim


Não queiras saber de mim
Esta noite não estou cá
Quando a tristeza bate
Pior do que eu não há
Fico fora de combate
Como se chegasse ao fim
Fico abaixo do tapete
Afundado no serrim

Não queiras saber de mim
Porque eu estou que não me entendo
Dança tu que eu fico assim
Hoje não me recomendo

Mas tu pões esse vestido
E voas até ao topo
E fumas do meu cigarro
E bebes do meu copo
Mas nem isso faz sentido
Só agrava o meu estado
Quanto mais brilha a tua luz
Mais eu fico apagado

Amanhã eu sei já passa
Mas agora estou assim
Hoje perdi toda a graça
Não queiras saber de mim

Dança tu que eu fico assim
Porque eu estou que não me entendo
Não queiras saber de mim
Hoje não me recomendo

(Carlos Tê)

Carlos Tê, o Poeta.


Podia falar-vos de como o meu dia foi agitado, cansativo e produtivo... Podia contar-vos de como é bom matar saudades dos filhos... Podia dizer-vos todo o amor que tenho dentro de mim... Mas decidi falar de Carlos Tê. Porque não apenas T?
Falamos de Rui Veloso, como pai do rock português. Ele é concerteza um músico de peso. Mas teria chegado onde chegou tão depressa e com tanta qualidade, mantendo uma presença que não é muito comum em Portugal, ao longo de mais de 25 anos, sem o T? Pode ser que sim. Mas eu tenho sérias dúvidas.
Carlos Tê é como Chico Buarque um "escrevedor" de canções. Eu chamo-lhes poetas. Não são apenas letristas, uma vez que, se lermos as suas poesias desinseridas do contexto musical, a beleza mantém-se.
É por isso, porque acho que o Carlos Tê merece, que ontem publiquei aqui o "lado lunar", e a partir de hoje entrará no rol dos poetas que por aqui vou postando, para chamar a atenção ou para dar a conhecer a alguns que não conhecem mesmo.
Uma boa semana para todos.

18 novembro, 2006

Lado lunar

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Não me mostres o teu lado feliz
A luz do teu rosto quando sorris
Faz-me crer que tudo em ti é risonho
Como se viesses do fundo de um sonho

Não me abras assim o teu mundo
O teu lado solar só dura um segundo
Não é por ele que te quero amar
Embora seja ele que me esteja a enganar

Toda a alma tem uma face negra
Nem eu nem tu fugimos à regra
Tiremos à expressão todo o dramatismo
Por ser para ti eu uso um eufemismo
Chamemos-lhe apenas o lado lunar
Mostra-me o teu lado lunar

Desvenda-me o teu lado malsão
O túnel secreto a loja de horrores
A arca escondida debaixo do chão
Com poeira de sonhos e runas de amores

Eu hei-de te amar por esse lado escuro
Com lados felizes eu já não me iludo
Se resistir à treva é um amor seguro
à prova de bala à prova de tudo

Mostra-me o avesso da tua alma
Conhecê-lo é tudo o que eu preciso
Para poder gostar mais dessa luz falsa
Que ilumina as arcadas do teu sorriso

Não é bem por ela que te quero amar
Embora seja ela que me vai enganar
Se mostrares agora o teu lado lunar
Mesmo às escuras eu não vou reclamar

(Carlos Tê)

Alerta para uma condução mais segura.


Chego ao fim de mais uma semana de trabalho com a sensação de que não tive um intervalo... de que não vou ter um intervalo.
O dia foi de chuva e algum sol. Logo pela manhã vários acidentes na marginal. O piso escorregadio não faz com que os condutores sejam mais cuidadosos. E na primeira curva, capotam... quando o fazem sem lesar ninguém, já é uma benção... Mas será que quem conduz não pensa nunca nos outros? Será que as pessoas ainda não perceberam que uma condução segura é essencial para nos protegermos a nós e aos outros? Quando será que as pessoas vão entender que as regras de trânsito são para cumprir? Quando será que vão entender que em dias de chuva devem ter cuidado redobrado?
Eu também gosto de acelerar... também tenho um pézinho mais pesado do que seria de imaginar olhando para o seu tamanhinho... Mas tenho o cuidado de não andar em cima dos outros automóveis. Guardo sempre uma distância bem grande quando me apetece acelerar. E não faço ultrapassagens onde não é permitido, ainda que isso me obrigue a passar de 180 para 80... É claro que isto só, não basta para eu estar segura. Mas vou fazendo os possíveis por manter a serenidade ao volante... sobretudo em dias como os que correm... o piso molhado e a inconsciência são cada vez maiores!

17 novembro, 2006

Entre os teus lábios


Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.

(Eugénio de Andrade)

Nascer (contrariada) no Outono


"Eu nunca fiz nada que fosse o correcto/ Eu nunca fiz nada que batesse certo".
Sempre que ouço estes versos dos Xutos, acho que podiam ter sido escritos por mim. Na verdade eu já nasci errada, no tempo errado! Nada bate certo. Não gosto dos dias pequenos e nasci nos dias pequenos.
Saio de casa de noite e entro em casa à noite. Faz-me falta o sol. O mar só já não me chega. Preciso de luz. De uma luz que me indique o caminho a seguir. Uma luz que me diga qual o caminho certo. E os dias não têm luz! Ou o pouco tempo que ela dura de pouco me serve, uma vez que estou enfurnada numa sala a trabalhar.
É por isso que saio tantas vezes do meu lugar e vou ter com os colegas, rir, brincar, implicar... Procuro a energia que a falta de luz me provoca. Persigo-a, insistente. Mas ela escapa. Quando saio é quase noite!
E ainda falta tanto tempo para os dias ficarem maiores... para eu poder aproveitar a luz um pouco, poucochinho (como diria a minha avó) mais...
A chuva continua. A água é uma benção. Mas não podia ser com um pouco mais de luz? Não podia ser de outra maneira? Tem mesmo que ser assim, em dias pequenos que não me dão tempo para coisa nenhuma?

16 novembro, 2006

Poema à boca Fechada


Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

(José Saramago)

Oskar (com acento no a!)

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Aniversários e escorpiões

José Saramago faz hoje 84 anos. Parabéns. Continua a escrever, lúcido, capaz. É um homem novo. Encontra-se a esta hora na sua terra natal, Azinhaga, no Ribatejo.
São pois várias as linhas que me levam a Saramago.
Admiro sobretudo a sua capacidade inventiva. No Memorial do Convento, mistura história e ficção. Mas por exemplo no "Ensaio sobre a Cegueira" ou no "Ensaio sobre a Lucidez" a ficção é absoluta. Onde é que ele vai buscar inspiração para escrever estas estórias? E todas as outras. Confesso que li todos os livros dele e só não "adorei" "A Caverna". Talvez porque o tenha achado menos poético que os outros. Porque Saramago põe poesia no que escreve, mesmo quando fala das coisas amargas da vida. Ele fala de sentimentos, de emoções, de tudo o que nos enche a vida: o bom e o mau.
Saramago é ribatejano. Eu não. Mas todos os meus ancestrais o são, quer do lado do pai, quer do lado da mãe. Quer dizer, o meu avô materno teria origem francesa ou alemã, e o paterno era mesmo de Lisboa. Mas o lado feminino da família é ribatejano. Se bem que eu desconfie de umas misturas sanguíneas com africanos, tendo em atenção as feições de algumas mulheres da família.
Como eu, Saramago é escorpião de signo. E não conheço outro signo que aproxime tanto as pessoas. É como uma marca! Tenho imensos amigos do signo. E damo-nos todos muito bem. É uma das coisas que está também na nossa natureza. Quero com isto dizer, que os escorpiões não têm apenas aquele lado mau, que os leva a "morder a mão que os alimenta". Só mordem essa mão se tiverem razões fortes para o fazer.
Como escorpião gosto de gente. Gosto de fazer amigos, gosto de conhecer gente e gosto de me dar a conhecer. É claro que, como todo o escorpião que se preza, há um lado que o pudor não permite mostrar, senão aos amigos do peito... e mesmo assim há coisas que guardamos mesmo só para nós.
Mas hoje há uma alegria que quero partilhar com todos: os meus colegas ofereceram-me um desenho lindíssimo do Kalimero! Porque eu não gosto de festejar o meu aniversário e fico sempre muito abatida nesse dia. Mas hoje já é outro dia. E como a minha amiga Lena me ofereceu um cachorro que baptizei de Oskar (com acento no a), nunca mais me sentirei triste. Porque tenho ali a demonstração do carinho e amizade dela e de todos os que me rodeiam no dia a dia!
Obrigada por existirem e fazerem parte da minha vida. Para todos o meu amor.

15 novembro, 2006

La cogida y la muerte

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A las cinco de la tarde.
Eran las cinco en punto de la tarde.
Un niño trajo la blanca sábana
a las cinco de la tarde.
Una espuerta de cal ya prevenida
a las cinco de la tarde.
Lo demás era muerte y sólo muerte
a las cinco de la tarde.

El viento se llevó los algodones
a las cinco de la tarde.
Y el óxido sembró cristal y níquel
a las cinco de la tarde.
Ya luchan la paloma y el leopardo
a las cinco de la tarde.
Y un muslo con un asta desolada
a las cinco de la tarde.
Comenzaron los sones del bordón
a las cinco de la tarde.
Las campanas de arsénico y el humo
a las cinco de la tarde.
En las esquinas grupos de silencio
a las cinco de la tarde.
¡Y el toro, solo corazón arriba!
a las cinco de la tarde.
Cuando el sudor de nieve fue llegando
a las cinco de la tarde,
cuando la plaza se cubrió de yodo
a las cinco de la tarde,
la muerte puso huevos en la herida
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
A las cinco en punto de la tarde.
Un ataúd con ruedas es la cama
a las cinco de la tarde.
Huesos y flautas suenan en su oído
a las cinco de la tarde.
El toro ya mugía por su frente
a las cinco de la tarde.
El cuarto se irisaba de agonía
a las cinco de la tarde.
A lo lejos ya viene la gangrena
a las cinco de la tarde.
Trompa de lirio por las verdes ingles
a las cinco de la tarde.
Las heridas quemaban como soles
a las cinco de la tarde,
y el gentío rompía las ventanas
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
¡Ay qué terribles cinco de la tarde!
¡Eran las cinco en todos los relojes!
¡Eran las cinco en sombra de la tarde!

(Federico Garcia Lorca)

A Rosa

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A mulher e o seu papagaio

Um dia destes o Eduardo desafiou-me a contar aqui a estória do papagaio. Pois como não sei de que falar e para "cortar" um pouco as estórias serranas aqui vai a estória de uma mulher e o seu papagaio.
A mulher tem 58 anos e gosta muito de animais. Tem vários: cães, gatos, pássaros... entre eles conta-se um papagaio. A mulher é casada mas está só. É uma mulher que vive uma solidão acompanhada. Não conheço maneira de explicar isto. Mas sei, por experiência própria que, a pior maneira de se sentir só, é quando se vive com alguém que nos deixa sós. Essa é a única solidão que considero insuportável. O vazio, o nada... a vontade que dá de gritar "eu existo, estou aqui, não me vês?"
A mulher chega a casa todos os dias por volta das 5 da tarde... "a las 5 de la tarde". Põe-se à vontade, arruma as compras que fez durante o dia e vai "conversando" com o papagaio... O papagaio faz-lhe companhia, responde, é atencioso e carinhoso. Cumpre o papel de que o marido da mulher se demitiu ou que talvez nunca tenha sequer assumido, porque é um ser solitário e não compreende que ela não o é.
Um dia a mulher chega a casa e o papagio está morto. Era um animal muito velho, morreu de desgaste... Não conseguiu aguentar até que ela chegasse a casa para se despedir dela... morreu assim, puf, sem mais nem menos.
A mulher ficou desesperada... o único animal que "conversava" com ela, naquela casa, morreu. O outro animal, está lá, fechado na biblioteca, a ler, a ler, sempre a ler...
Então a mulher embrulha o papagaio num saco de plástico e "arruma-o" numa das gavetas da arca frigorífica. Durante mais de 1 mês a situação mantém-se: ela chega a casa, tira o papagaio da arca, tira-o do saco de plástico e faz-lhe festas enquanto conversa com ele... Durante mais de 1 mês a mulher faz todos os dias a mesma coisa.
Até que um dia conta a outras mulheres porque anda tão triste, tão abatida... mais do que o costume. E as outras mulheres teimam em que ela tem que dar uma sepultura ao papagaio. Oferecem-se para ajudar... ela recusa a ajuda mas promete que vai sepultar o bicho.
Passado algum tempo diz que já o sepultou. Espero que seja verdade. Porque senão o papagaio continua na gaveta da arca para ser usado como orelha, sempre que a mulher se sente insuportavelmente só!
Só a propósito de violência doméstica...

RECTIFICAÇÃO...

Nos versos que escrevi, como ilustração dos velhos tempos dos ceifeiros e ceifeiras, no Alentejo, da dácada de 60, inseridos na prosa comemorativa de alguém que
hoje faz anos, e com alusões ao sortilégio do Outono, há incorrecções, que venho agora repôr.

Eis como deve ler-se:

Vi homens que se vendiam
Ou melhor: que se compravam
Pela largura dos ombros
Dos braços com que ceifavam

Era a praça dos ceifeiros
Assim é que lhe chamavam
Homens e mulheres do campo
Mesmo assim eles cantavam

Eduardo Aleixo

14 novembro, 2006

Está quase a nascer...

É justo que se fale do Outono.Que não tarda vai morrer. Também eu prefiro o Verão. Tendo nascido na terra das estevas, da urze, do rosmano, do xisto, das encostas escarpadas e lisas, reino das cegonhas solitárias, ali, onde o sol escalda e a monda e a ceifa eram coisas que só homens e mulheres famintas faziam e os homens, nem todos, só os mais fortes...

Era a praça dos ceifeiros
Era assim que lhe chamavam
Homens e mulheres do campo
Mesmo assim eles ceifavam...
( poema da infância...)

... a verdade é que nasci, como nascem os escorpiões, em linguagem astrológica, entenda-se, em Outubro, em pleno Outono, e, como tal, sensível, à vida do Outono, à sua respiração...
Tempo de morte e de nascimento, deixem-me fazer uma pausa, para dizer que são 23,45h, do dia 14 de Novembro, mas subterraneamente, subrepticiamente, na sombra, uma energia frenética e cantante se insinua, se reclama, quer nascer, quer rebentar, como cogumelos após as primeiras chuvas a terra húmida debaixo da caruma dos pinheiros: uma nova vida vai nascer.
Isto que conto aconteceu há alguns anos, não muitos, é certo, mas aqui o escrevo, porque o sinto, porque é evento que se repete e está acontecendo eternamente com todos os seres.
Por isso me apresso, dado que a hora do nascimento se aproxima, com o inconveniente de misturar a descrição do Outono com o nascimento de uma criatura que vocês conhecem e que também é escorpião, filha das estrelas e da terra,sei do que falo, desta viagem constante da pureza das estrelas, mundo quase místico, para o húmus onde se desenrola o drama dos mortais, sabedoria do mundo à custa da perda de tanta enegia por amor e atenção ao mundo, está quase, quase a nascer...
Deixem-me dizer apenas, antes que ela nasça ( porque se trata de uma menina...), que vale a pena, sendo amante so sol, ser filho do Outono, porquanto o sol fica cheio de inveja face aos tapetes das folhas amarelas, face ao cantar dos riachos que deslisam pelas sebes, face ao farfalhar das folhas nas mãos hábeis e doces do vento, face à preparação das árvores, cada vez mais despidas e disponíveis para a meditação que fazem duante o Inverno qe se aproxima, face à recepção da terra às mãos dos homens que a preparam para as sementeiras de Janeiro, face...
Mas tenho de me apressar.É quase meia-noite.Um novo ser vai nascer.Aliás, já nas ceu.Não sei há quantos anos.Não sei com quantos quilos.Sei apenas que se chama Eduarda.Não sei se nasceu calada, ou se com barulho.Sei apenas que já é dia 15 de Novembro.Que é minha amiga.
Saúdo este dia e ofereço-te o puco que tenho: amizade.E palavras quentes.Com sílabas de mar.E música de búzios.
Muitos parabéns, Eduarda.

Eduardo Aleixo

Ainda sabemos cantar


Ainda sabemos cantar,
só a nossa voz é que mudou:
somos agora mais lentos,
mais amargos,
e um novo gesto é igual ao que passou.

Um verso já não é a maravilha,
um corpo já não é a plenitude.

(Eugénio de Andrade)

Uma estória com gente.


Estou pois na Gardunha, em busca da barragem de Sta. Luzia, que me disseram ser linda. Após uma placa toda bonita e moderna com a indicação da dita barragem, percorro uns kilómetros e aparece uma indicação com Sta. Luzia (símbolo de uma igreja). Esta é uma placa antiga, nada da modernice da anterior. Viro em direcção à igreja. É realmente um lugar com uma igreja, mas da barragem, nem sinal.
Avançando mais uns kilómetros, não sou capaz de quantificar, porque não olhei para o conta kilómetros e na serra 2 km são 5, nova placa com indicação de barragem do Pisco: sigo a indicação. Logo adiante há realmente uma albufeira. Coisa pouca e nada de especial, para quem não fique encantado, como eu, com qualquer nesga de água, quando não tenho o mar por perto. Estão alguns homens, três ou quatro à sombra das árvores. Páro sem reparar quantos são exactamente, nem no que estão a fazer. Estou obcecada com a ideia de chegar à barragem de Sta Luzia... parece que tudo o resto deixou de ser importante. Cumprimento e pergunto o caminho para a barragem. Olham-me espantados e dizem-me "não será a da Marateca?". Apetece-me dizer que não estou em Setúbal mas respondo que não, que tinha visto uma indicação para a de Sta. Luzia kilómetros atrás. Olham uns para os outros e indicam-me o caminho da barragem da Marateca. Agradeço e então, quase em coro, perguntam-me se não quero almoçar com eles, que dá bem para todos... Só então reparo que os homens se estavam a preparar para fazer um pic-nic (com uma mesa e tudo). Noto que o oferecimento é do coração. E agradeço mais ainda! A vontade de ver Sta. Luzia diminuiu. A simpatia desta gente conquista-me e não fosse o facto de ter as horas contadas para o regresso a casa, teria ficado de bom grado ouvindo as suas estórias... fiz mal: hoje estaria um pouco mais rica! E teria escapado ao arroz de tomate com polvo!
Estava bem longe da barragem de Sta Luzia que fica na Pampilhosa da Serra! Mas esta, ainda alguém me há-de pagar!