15 novembro, 2006

A mulher e o seu papagaio

Um dia destes o Eduardo desafiou-me a contar aqui a estória do papagaio. Pois como não sei de que falar e para "cortar" um pouco as estórias serranas aqui vai a estória de uma mulher e o seu papagaio.
A mulher tem 58 anos e gosta muito de animais. Tem vários: cães, gatos, pássaros... entre eles conta-se um papagaio. A mulher é casada mas está só. É uma mulher que vive uma solidão acompanhada. Não conheço maneira de explicar isto. Mas sei, por experiência própria que, a pior maneira de se sentir só, é quando se vive com alguém que nos deixa sós. Essa é a única solidão que considero insuportável. O vazio, o nada... a vontade que dá de gritar "eu existo, estou aqui, não me vês?"
A mulher chega a casa todos os dias por volta das 5 da tarde... "a las 5 de la tarde". Põe-se à vontade, arruma as compras que fez durante o dia e vai "conversando" com o papagaio... O papagaio faz-lhe companhia, responde, é atencioso e carinhoso. Cumpre o papel de que o marido da mulher se demitiu ou que talvez nunca tenha sequer assumido, porque é um ser solitário e não compreende que ela não o é.
Um dia a mulher chega a casa e o papagio está morto. Era um animal muito velho, morreu de desgaste... Não conseguiu aguentar até que ela chegasse a casa para se despedir dela... morreu assim, puf, sem mais nem menos.
A mulher ficou desesperada... o único animal que "conversava" com ela, naquela casa, morreu. O outro animal, está lá, fechado na biblioteca, a ler, a ler, sempre a ler...
Então a mulher embrulha o papagaio num saco de plástico e "arruma-o" numa das gavetas da arca frigorífica. Durante mais de 1 mês a situação mantém-se: ela chega a casa, tira o papagaio da arca, tira-o do saco de plástico e faz-lhe festas enquanto conversa com ele... Durante mais de 1 mês a mulher faz todos os dias a mesma coisa.
Até que um dia conta a outras mulheres porque anda tão triste, tão abatida... mais do que o costume. E as outras mulheres teimam em que ela tem que dar uma sepultura ao papagaio. Oferecem-se para ajudar... ela recusa a ajuda mas promete que vai sepultar o bicho.
Passado algum tempo diz que já o sepultou. Espero que seja verdade. Porque senão o papagaio continua na gaveta da arca para ser usado como orelha, sempre que a mulher se sente insuportavelmente só!
Só a propósito de violência doméstica...

2 comentários:

Unknown disse...

Meu Deus, até sinto calafrios!.
Vocês lembram-se de quando eu, há tempos, falei sobre os sonhos, que sonhava muito, que era perito na sua interpretação, mas que havia um sonho, um apenas, muito estranho, sobre um papagaio, e que não lograva interpretar?.
Lembram-se?.
Lembram-se que eu sonhava com um papagaio e que quando sonhava, tinha frio, frio, muito frio?.
E lembram-se que eu sentia que talvez lá pró Inverno é que talvez viesse a explicação?.
Ora hoje choveu muito,como se fosse Inverno.E não é que a Eduarda me vem com esta estória de um papagaio no frigorífico?!.
Até sinto arrepios...
Agora vocês já me vão conhecendo.É que de facto a vida é um mistério e eu ando sempre à espreita destes mistérios, ou então eles vêm ter comigo,através de outras pessoas.
Neste caso, foi através da Eduarda, que, coitada ( no bom sentido, claro...), não tem culpa nenhuma...
Agora até a Fatita, que na altura achou esta estória dos sonhos uma maluquice pegada, estou certo de que se curva respeitosamente perante a seriedade da mesma..

Eduardo Aleixo

Anónimo disse...

Claro que me curvo respeitosamente perante esta estória tão dramaticamente séria! E como eu conheço a solidão acompanhada! É terrível (muito pior do que possam imaginar), não tivesse eu uma filha maravilhosa, já teria certamente arranjado um "papagaio".
Como irá esta senhora da estória suportar a sua solidão? Como irá ela continuar a sua cruzada sem o seu "amigo"?