31 maio, 2007

Cesária Évora / Cesaria Evora - Sodade (clica aqui)

Com saudades. Em breve estarei de volta!
Si bô 'screvê' me
'M ta 'screvê be
Si bô 'squecê me
'M ta 'squecê be
Até dia
Qui bô voltà

26 maio, 2007

Mar Azul - Cesária Évora (clica aqui)

O... Mar, detá quitinho bô dixam bai
Bô dixam bai spiá nha terra
Bô dixam bai salvá nha Mâe...
Oh Mar
Mar azul, subi mansinho
Lua cheia lumiam caminho
Pam ba nha terra di meu
São Vicente pequinino,
pam bà braçá nha cretcheu...
Oh... Mar, anô passá tempo corrê
Sol raiá, lua sai
A mi ausente na terra longe...
O Mar

Quadras da minha solidão


Fica longe o sol que vi,
aquecer meu corpo outrora...
Como é breve o sol daqui!
E como é longa esta hora...


Donde estou vejo partir
quem parte certo e feliz.
Só eu fico. E sonho ir,
rumo ao sol do meu país...


Por isso as asas dormentes,
suspiram por outro céu.
Mas ai delas! tão doentes,
não podem voar mais eu...


que comigo, preso a mim,
tudo quanto sei de cor...
Chamem-lhe nomes sem fim,
por todos responde a dor.


Mas dor de quê? dor de quem,
se nada tenho a sofrer?...
Saudade?...Amor?...Sei lá bem!
É qualquer coisa a morrer...


E assim, no pulso dos dias,
sinto chegar outro Outono...
passam as horas esguias,
levando o meu abandono...


(Alda Lara)

Isto não é um conto de fadas

Arlinda (nome fictício) é uma miúda com uma vontade de viver fantástica. Nascida com uma deficiência que a faz viver como cega à luz do dia e num mundo onde tudo o que faz parte da vida laboral se processa durante o dia, tirou uma licenciatura e mais tarde fez o Erasmus, um mestrado, e uma pós graduação em Itália. Arlinda gosta de dançar, de andar de mota a alta velocidade, mas também de ler, estudar... viver.
Estava feliz agora. Tinha encontrado em Paolo (nome fictício) o homem da sua vida, como ela mesmo dizia. Tinham-se conhecido há uns anos quando ele, regressado de uma missão como voluntário em África, retomara os estudos em Itália. No seu retorno a Itália Arlinda reencontrou-o e descobriu-se apaixonada por ele. Amor correspondido, tudo certo como dois e dois são quatro.
Deitaram contas à vida: a viverem em cidades separadas era ela que se deslocava quase sempre para estar com ele ao fim de semana. A cidade onde vive é mais sombria que Roma, portanto mais fácil para ela de viver. Mas nada disso importava. Na próxima semana mudava-se de armas e bagagens para o apartamento que ambos tinham alugado para começarem uma vida a dois. Não haveria casamento nem tal seria necessário. A notícia tinha sido comunicada aos pais de cada um e todos estavam felizes, sem se conhecerem, mas percebendo que o que os juntava era um laço de tal modo forte que só podia deixar toda a gente feliz. Apesar de os pais de Paolo serem profundamente católicos, não parecia que o facto de não haver casamento mudasse algo. O filho estava feliz, logo estava tudo bem...
Só que ás vezes dois e dois passam a ser cinco. Há 3 dias Arminda foi acordada por um telefonema que lhe dava conta da morte imediata de Paolo, em Roma, numa acidente em que embateu com um táxi pela meia noite. Morte imediata. Foi esta notícia que Arminda recebeu, quando a sua vida lhe sorria mais do que nunca.
Dispensou a presença da família em Roma. Diz que o momento é dela e da família dele. Eu tenho vontade de chorar as lágrimas que ela guarda. Que guardará por quanto tempo?
Aos 23 anos... é muito cedo para ter um desgosto desta dimensão. É muito cedo para ter conhecido o homem que amaria pelo resto da sua vida... vai ficar para sempre a dúvida. Mas a verdade é que seria eterno, enquanto durasse. E agora?
Agora Arminda hás-de dar a volta por cima com essa alegria de viver que tens. Hás-de encontrar outro herói para viver a vida ao teu lado ou saberás segui-la a sós, porque os heróis afinal também morrem. A vida não é mesmo um conto de fadas!

25 maio, 2007

Look What They've Done To My Song Ma - Melanie Safka -

Oh I wish I could find a good book
To live in
Oh I wish I could find a good book
Well if I could find a real good book
I'd never have to come out and look at
What they done to my song

Música, levai-me

Música, levai-me:

Onde estão as barcas?
Onde são as ilhas?

(Eugénio de Andrade)

Da melhor maneira possível.

Estas foram as palavras que escrevi aqui há precisamente um ano:

"O Rui Pedro é uma das muitas crianças que se fez homem, longe dos pais. Será que foi feito tudo o que era possível para o encontrar? Será que para além dos pais, alguém mais terá a coragem e teimosia necessárias para descobrir o que aconteceu com este menino e com todos os outros que tiveram o mesmo destino?Poderemos fazer muito pouco por estas crianças... Mas convém pelo menos não esquecer. E criar uma onde de solidariedade em torno delas e das famílias destroçadas.Que saibam pelo menos que a sua dor não é ignorada!"
Hoje direi apenas que para além da Madeleine McCann desaparecem diariamente dezenas de crianças em todo o planeta. África é um continente tristemente vencedor neste "ranking" mundial. Em Moçambique desaparecem crianças todos os dias. Fala-se de venda de órgãos... mas há também os casos de feitiçaria que estão ligados a estas actividades.
Infelizmente ninguém fala das crianças africanas. Num continente aonde a vida humana tem ainda muito pouco valor, ninguém "perde tempo" à procura de crianças. Ninguém se preocupa em punir os miseráveis que com elas negociam. Ninguém se incomoda com os meninos africanos. Porque não são lindos e louros? Não creio. Quero acreditar que seja apenas porque ninguém lhes dá voz.
A voz que a família McCann conseguiu que se desse à Madeleine. Mas uma voz que se vai sumindo de dia para dia, apesar dos esforços para manter viva a chama. É evidente que todos os dias o assunto perde interesse, mau grado os esforços dos pais que vão criando situações para manter vivo o interesse da comunicação social e do mundo em geral. Na verdade conseguiram muito mais que os pais do Rui Pedro. Por ele não me lembro de ter havido missas, nem velas acesas, nem apelos internacionais. Por ele o que se ouviu, o que se ouve hoje e sempre, é a voz de Filomena, a mãe. Ainda hoje se ouve. Batalhadora. Uma não desistente.
Como ela, eu ainda espero que estas e todas as crianças sequestradas, raptadas, desaparecidas, sejam encontradas. Da melhor maneira possível...

24 maio, 2007

Fast car -Tracy Chapman (clica aqui)

I remember we were driving driving in your car
The speed so fast I felt like I was drunk
City lights lay out before us
And your arm felt nice wrapped ’round my shoulder
And I had a feeling that I belonged
And I had a feeling I could be someone, be someone, be someone
(Já agora para nós que gostamos de velocidade...)

Quase nada de místico



Não, não deve ser nada este pulsar
de dentro: só um lento desejo
de dançar. E nem deve ter grande
significado este vapor dourado,
e invisível a olhares alheios:
só um pólen a meio, como de abelha
à espera de voar. E não é com certeza
relevante este brilhante aqui:
poeira de diamante que encontrei
pelo verso e por acaso, poema
muito breve e muito raso,
que (aproveitando) trago para ti.

(Ana Luisa Amaral)

José e os amigos

O José até nem é mal apanhado. Mas é mentiroso. É uma pena. O José não tinha necessidade de mentir, quando lhe fazem perguntas. Mais vale ser sincero José. Porque é que tinha que dizer que ia resolver o problema dos funcionários públicos quando não tinha a mínima intenção de o fazer?
Depois o José, que se calhar até nem era um mau menino, tem uns amigos esquisitos... não admira que o José minta! Tem um amigo, o Mário, que jura a pés juntos que não existe nada a sul do Tejo. Nem pessoas, nem hospitais, nem escolas, nem hoteis... nada! Um deserto mais árido que o Saara! É claro que esta falta de conhecimento do amigo do José só se pode dever à faculdade que frequentou, ou não... ele diz que sim que é engenheiro a sério, que está inscrito na ordem, mas pronto: se calhar nunca se apercebeu que só em Lisboa existem duas pontes a ligar as margens norte e sul do Tejo, fora os cacilheiros... ou se calhar nunca pensou que estas pontes e estes barcos servissem para alguma coisa. Se calhar na sua boa fé pensou que estão ali só para enfeitar... Deve ser isso. Eu é que sou maldosa e tenho mau feitio. Eu sei. Deixa lá José. Deixa lá Mário. Há mais quem pense assim.
Mas o José realmente não tem sorte com os amigos que escolhe.
Tem um outro, também muito interessante, assim a atirar para o ruivo, o Manuel. O Manuel é bom rapaz. Só tem um defeito: gosta de dizer coisas. Então diz coisas por tudo e por nada. Assim que vê uma câmara de televisão começa a dizer coisas: não importa o quê. Penso que aquilo é uma doença rara. Talvez o meu querido Dr. House o curasse: primeiro punha-o doente a sério e depois curava-o. Com um pouco de sorte nossa até o deixava mudo e ganhava os prémios Nobel da Medicina e da Paz em simultâneo...

23 maio, 2007

Crossroad - Tracy Chapman (clica Aqui)

All you folks think you run my life
Say I should be willing to compromise
I say all you demons go back to hell
I'll save my soul save myself

Desculpa-me a ternura


Enternece-me pensar que estás aí,
não força de trabalho desigual
nem vida à pressa,
mas minha amiga.

Talvez as palavras que te digo
me transpareçam classe,
talvez nem te devesse dizer nada.
Porque és a mão que ampara o meu silêncio,
a minha filha, o meu cansaço
— à custa do teu cansaço, da tua filha,
do teu silêncio.

Não há homens-a-dias neste mundo,
mas tantas como tu,
a segurar nas mãos e no sorriso
algumas como eu.

Entraste há pouco a perguntar
se eu tinha febre
— a louça por lavar nas tuas mãos,
aspirando o cansaço dos meus ombros,
nos teus ombros o cansaço de mim
e o cansaço de ti.


Desculpa os meus silêncios,
o falar-me contigo como com mais ninguém,
desculpa o tom sem pressa
— e o meu dinheiro que não chega a nada,
comprando o teu trabalho
(o teu sorriso)
(Ana Luisa Amaral)

A filha de Pepe

Gosto de estar com a filha de Pepe. Com a neta de Pepe. Com a minha amiga Pepa. Que sabe tudo dos idos de antes da revolução e também dos depois. Que me conta as suas estórias e também as estórias das velhas que ela ouve no Alentejo que a viu nascer e na Lisboa que a viu crescer mais tarde.
Com a filha de Pepe. Conversamos de tudo. Conto-lhe as minhas alegrias e as minhas tristezas. As minhas mágoas e as minhas aflições. Ela diz-me "fizeste bem, não podias fazer de outra maneira, tens que estar de bem contigo, isso é que é importante, não és conciliadora, és como és, é assim que nós os teus amigos gostamos de ti e quem não gosta, quem não aceita não é teu amigo, não dês importância, amiga". Ou puxa-me as orelhas quando eu vou contra a minha vontade, os meus princípios, em nome de coisas que nem sei muito bem o que sejam, uma vez que chego à conclusão que tudo o que realmente importa foi o meu pai que me ensinou na minha pequena infância, antes mesmo de entrar na escola...
Por isso gosto tanto desta Pepa. Porque me diz o que pensa sem estar à espera que eu emita a minha opinião para se mostrar depois, convenientemente de acordo.
Há mais: a filha de Pepe conhece toda a gente que importa conhecer. Só que às vezes fica calada. Quando eu falo de gente que ela conhece muito bem e que sabe que acabará por me fazer mal, cala-se. Depois quando eu lhe digo que devia ter-me contado ela põe o seu melhor ar de "não era nada comigo, mas eu sabia que te ias desiludir e contar-me tudo", e diz-me "tu és uma mulher inteligente, segura, não precisas do conselho de ninguém. Chegas rapidamente aonde a maioria anda a chafurdar anos e ultrapassas..." E eu olho-a e calo-me. Porque sei que não sou nada daquilo que ela diz. Quer dizer: sou mas não naquela proporção. Mas sei que no fundo ela tem razão. Há coisas que mais vale aprendermos por nós. Assim a lição fica bem estudada e não voltamos a cair na esparrela que cairíamos se alguém tentasse alertar-nos para determinados factos.
O que importa é que estive com a Pepa, filha de Pepe, antes de partir.

22 maio, 2007

Águas de Março - Elis e Tom Jobim

É um estrepe, é um prego, é uma conta, é um conto
É uma ponta, é um ponto, é um pingo pingando
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama

Descansa


Descansa.
O Homem já se fez
O escuro cego raivoso animal
Que pretendias.

(Hilda Hilst)

No país dos directores...

Este é o país que tenho. O país que mereço. Porque nunca votei num governo. Porque votei sempre e assim continuarei, a votar em oposições. Que de vez em quando me desiludem também, mas pronto, ninguém é perfeito e sempre me posso dar ao luxo de dizer que não votei em quem toma decisões. Más.
A directora regional de educação do norte (as minúsculas, são como sempre intencionais) decidiu punir um professor por este ter feito uma brincadeira a propósito da licenciatura do José. José pois. Eu sei lá quando é que me vão multar, prender, proibir de escrever aqui? O melhor é mesmo ter cuidado com a língua... José há muitos! Só na minha família são mais que as mães... Realmente eu até sou uma pessoa de sorte. Imagine-se se o meu director mais directo, mr. B resolve implicar sempre que eu fizer piadas ao José ou a si mesmo? E olhem que ele já me ouviu algumas... felizmente tem alguma tarimba, não é director desde sempre ou há tantos anos que já tenha esquecido como é não ser director e vai encaixando... e até já consegue brincar aqui com a ovelha ronhosa (ronhosa, pois!) que se digna dar-lhe tanta atenção como trabalho.
Pois como ia dizendo. Os partidos da oposição exigiram a presença da Maria de Lurdes na assembleia. E a a dita cuja disse que não ia. Fez muito bem. Eu até nem gosto dela mas quem suspendeu o professor foi a directora, não foi ela. E se ela tiver que ir ao parlamento de cada vez que um dos directores mete o pezinho delicado e pressuroso na dita cuja lama não faz mais nada... se bem que, pensando bem, talvez até nem fosse má ideia, ficar quietinha por uns tempos. Provavelmente teria o apoio de professores, alunos e respectivos pais.
Viva pois o país cinzento dos directores que levam a vida a sério (que não está fácil, manter o tachinho, não) e não permitem piadas sobre o PM do país que vai desaprendendo a arte de rir.

21 maio, 2007

Porto Sentido - Vozes da Rádio e Rui Veloso (clica aqui)

E é sempre a primeira vez
em cada regresso a casa
rever-te nessa altivez
de milhafre ferido na asa

Breve


Breve
o botão que foste
e o pudor de sê-lo
Breve
o laço vermelho
dado no cabelo.
Breve
a flor que abriu
e o sol mudou.
Breve
tanto sonho findo
que a vida pisou.

(João José Cochofel)

Uma questão de transparência.

Enquanto começo esta crónica que não passa de uma grande lamentação por ter que tomar uma decisão que sei não vai agradar a toda a gente, nomeadamente àqueles que por aqui passam e vão deixando os seus comentários como anónimos. Acabo de publicar mais um comentário de "made" que é leitora assídua e também comentadora das crónicas do Eduardo Aleixo de quem sei que é também amiga e por isso me custa dizer aqui que vou accionar hoje a única arma que tenho contra os anónimos que não devem postar como tal, uma vez que por uma questão ética vamos tentar pôr tudo em pratos limpos.
Os colaboradores deste blog dão o nome e a cara. Não têm nada a esconder. Por isso decidi que os comentadores devem também comentar de um modo que não seja anónimo. É uma questão de transparência. É claro que eu sei perfeitamente quem é cada um dos anónimos que por aqui passam. Por isso tomo esta atitude. Na realidade as pessoas que não conheço e que aqui comentam mostram no mínimo o seu nickname. Por isso acho que não será pedir demais a todos que deixem de comentar como anónimos. Há outras formas de o fazerem, certamente com mais transparência.
É claro que tenho noção que algumas pessoas deixarão mesmo de comentar e outras deixarão até eventualmente de frequentar este espaço. Lamento. É claro que por uns pagam os outros. Mas não posso permitir que num espaço que quis de liberdade e transparência se instalem atitudes que não me parecem correctas e éticas para com todos os que por aqui passam. Pretendo que este espaço continue a ser um espaço de encontro e amizade.
E a amizade não permite ambiguidades.
Esta é uma decisão unilateral. Minha. Tomou-me alguns dias de reflexão. Esperei que os factos que me levam a tomá-la não se voltassem a repetir. Infelizmente repetiram. Por isso a partir de agora façam o favor de usar as mesmas armas. Para que este espaço continue a ser um espaço de verdadeira liberdade. E ética. Obrigada a todos.

20 maio, 2007

1º Gomo - Sérgio Godinho (clica aqui)


Sumo na vida
é o que eu te desejo
rumo na vida
um beijo
um beijo

Paraíso


Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.

(David Mourão Ferreira)

Fim de semana alucinante

Um fim de semana alucinante. Como costumam ser os fins de semana de Verão. Só que o Verão não chegou, fez umas pirraças a semana passada, fez de conta que entrava, mas não entrou... desapareceu. Pelo menos por enquanto.
Mas é claro que o fim de semana foi óptimo. Até porque não há nada que me peças que eu seja capaz de te negar ou não fosses tu o meu amigo de todas as horas. As boas e as más. Aquele com quem eu gosto de partilhar os meus segredos, as minhas mágoas, as minhas alegrias. E depois a roda viva em que me obrigas a andar e que me atordoa, me deixa sem fôlego, faz-me bem. Faz com que eu aprecie depois, mais ainda, o sossego da minha casa, a calma que recupero com o tempo, até tu vires de novo voltar tudo do avesso.
Realmente foi bom estarmos no bar até tão tarde. Foi bom conversarmos sobre nós. Foi bom explicares-me como te sentes, como se sentem geralmente os homens em relação às amigas. Porque tu bem podes explicar, que eu fico na minha. Desde que o que sentes fique na tua cabeça, nas cabeças dos meus amigos, não me afecta. Agora já sei o que pensas, mas isso não afecta nada a nossa amizade. Somos demasiado íntimos como tu dizes. Já partilhámos quase tudo na vida. Olhamo-nos e sabemos o que está do lado de lá.
Por mim está bem assim. Muito bem mesmo. Como sempre esteve. Mas se alguma coisa mudar, então veremos como reagirei. Tu sabes. O que me importa realmente é que esta amizade não seja chamuscada jamais. Isso é o que importa.
Venham pois mais fins de semana alucinantes.

Só Neste País - Sérgio Godinho (clica aqui)

Por isso unamo-nos
Nós somos os famosos anónimos
Mesmo assim já cumprimos os mínimos
Somos todos únicos
Que mais vão querer de nós
Para provar
Quem vai à frente
Ou fica atrás...


Dancemos no mundo


Isto é como tudo
não há-de ser nada
a minha namorada
é tudo que eu queira
mas vive para lá da fronteira

Separam-nos cordas
separam-nos credos
e creio que medos
e creio que leis
nos colam à pele papéis

Tratados, acordos são
pântanos, lodos

Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigo
se fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só

Por ódio passado
(que seja maldito)
amor favorito
não tem importância
se for é de circunstância

Separam-nos crimes
separam-nos cores
a noite é de horrores
quem disse que é lindo
o sol-posto de um dia findo

Sozinho adormeço
E em teu corpo apareço
Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigo
se fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só

Em passos tão simples
trocar endereços
num mundo de acessos
ar onde sufocas
lugar de supostas trocas

Separam-nos facas
separam-nos fatwas
pai-nossos e datas
e excomunhões
acondicionando paixões

Acenda-se a tua luz
na minha rua
Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigo
se fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só

(Sérgio Godinho)

Obrigada Sérgio

Por me teres levado de volta a Abril. Aos Abril do pós revolução quando eu acreditava que este país ainda era possível, que podíamos mostrar ao mundo que é possível sonhar e realizar os nossos sonhos de igualdade.
O concerto Ligação Directa, abre ao som de uma máquina de escrever. Depois segue-se uma mistura de canções do álbum e outras, tantas outras, mais antigas, que puseram o Maria Matos a cantar, a bater palmas, a dançar...
Todo de negro, Sérgio Godinho canta e encanta com a encenação simples das suas canções. A mim deixou-me rendida. Duas horas de concerto, às vezes a solo, mas quase sempre acompanhado pelos seus sete músicos com quem se percebem intimidades e afinidades mas sobretudo uma fraternidade, um respeito a que já nos desabituámos noutros músicos.
Por me teres lembrado que homens como tu ainda existem, que posso nadar em seco mas ainda posso sonhar, que ainda posso continuar a ser eu, que posso protestar porque tu estás aí, todo de negro, com um sorriso acolhedor, sem vaidade e sem pedantismo. Tu sozinho, ou com a tua viola, ou com os teus músicos, lembrando que sabes fazer canções. Canções que contam estórias. Canções que falam do amor e do desamor que vivemos. Canções de intervenção que nos fazem lembrar que a revolta é possível, é justa e que cantá-la é uma maneira de dizermos que somos livres!
Obrigada Sérgio.

18 maio, 2007

OS ANJOS


Quando, no texto com o título, " Livros, esses sempre disponíveis amigos ", que podem ler a seguir, escrevi a palavra " anjos ", entra-me pela sala Manuel Bandeira, com o seu olhar sempre doce, meigo, compreensivo, mas meio aborrecido, a dizer-me:
- Mas então, isso dos anjos, acreditas?
- Acredito Manuel, os anjos são amigos, tenho amigos que são anjos...
- Mas então o meu poema, conheces?
- Claro que conheço, é lindo:
" Jaqueline morreu menina.
Jaqueline morta era mais bonita do que os anjos.
Os anjos!
Bem sei que não os há em parte alguma.
Há é mulheres extraordinariamente belas
Que morrem ainda meninas.
Houve tempo em que olhei para o teu retrato de menina
Como olho agora para a pequena imagem de Jaqueline morta.
Eras tão bonita!
Tão bonita...
Que merecerias morrer na idade da Jaqueline.
Pura, com Jaqueline. "
- Vês como me lembro do teu poema? Vês como não te enganaste? Que os anjos são puros?
- Tens razão, sim - disse o Manuel - São puros.
- E eternos, como o teu poema.
Manuel Bandeira lá foi. Terno. Grande poeta. Poesia de anjo...
Eduardo Aleixo

LIVROS, ESSES SEMPRE DISPONÍVEIS AMIGOS


É verdade. Para além de verdadeiros amigos, os livros estão sempre disponíveis. Mesmo que por vezes os punhamos de lado, nunca se queixam. Muito menos se revoltam. É como se soubessem que um dia a eles regrassaremos.
É o que acontece com tantos livros que acompanham a minha vida. Sendo todos importantes, são todos diferentes. No Palácio do Livro da minha Alma existem milhares de compartimentos. Todos irmãos. Mas diferentes.
Há um compartimento, onde me refugio de quando em quando. Compartimento com fontes de água frequíssima. Com musica de anjos. Aí se estabelece a relação entre a terra e os céus. Entre a seara e as estrelas. Estou agora nesta fase. Vai durar uns dias.
Aí é que se pode falar com Rilke, com Fernando Pessoa, com Novalis, com Maurício Maeterlinck.
Deste último, o livro, " O tesouro dos humildes " acompanha a minha vida desde a minha adolescência.
Lendo-o, saboreando-o, eu entro num mundo de harmonia, mas que é real.
É um mundo em que os homens e mulheres, se tiverem o coração aberto, e abertas todas as portas do ser ao inexplicável e ao mistério, regressam a ele, e têm dificuldade em negar que existe algo mais para além do mundo material e palpável.
Não é de religião que falo.
Bem pelo contrário.
É de Amor, de Paz, de Harmonia, que não existem nas religiões.
Já o disse: é um lugar terreno, sublime, onde as almas ( as nossas ) atravessam a ponte que nos liga àquilo que não conhecemos...

Eduardo Aleixo

PABLO NERUDA ( 2 )



Saberás que não te amo e que te amo

Pois que de dois modos é a vida,

A palavra é uma asa do silêncio,

O fogo tem sua metade de frio.

Eu amo-te para começar a amar-te,

Para recomeçar o infinito

E não deixar de amar-te nunca:

Por isso é que ainda te não amo.

Amo-te e não amo como se tivesse

Nas minhas mãos as chaves da fortuna

E um incerto destino infortunado.

Este amor tem duas vidas para amar-te.

Por isso amo-te quando não te amo

E por isso amo-te quando te amo.

Pablo Neruda

PABLO NERUDA ( 1 )


Tu és filha do mar e prima do orégão,
Nadadora, teu corpo é de água pura,
Cozinheira, teu sangue é terra viva
E as tuas regras são floridas e terrestres.
À água vão teus olhos e levantam as ondas,
À terra as tuas mãos e saltam as sementes,
Sobre água e terra tens propriedades profundas
Que em ti se juntam como as leis da greda.
Níade, corta o teu corpo a turquesa
E já ressuscitado floresce na cozinha
De tal modo que assumes quanto existe
E por fim adormeces entre estes braços que afastam
Da sombra sombria, para que tu descanses,
legumes, algas, ervas: a espuma dos teus olhos.
Pablo Neruda

17 maio, 2007

Aquarela - Toquinho (Clica aqui)

Um menino caminha e caminhando chega no muro
e ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar
Não tem tempo nem piedade nem tem hora de chegar
Sem pedir licença muda nossa vida,
depois convida a rir ou chorar

Varanda


A terra hoje é uma varanda
sobre um jardim de Matisse
um claro degrau de pedra nua
no interior de um poço
rodopiam as cores na água
cintilações, folhas, frutos, sargaços
raízes, e perto talvez os teus passos.
(Maria João Fernandes)

Ponto. Final.

O primeiro mergulho do ano. Aquela sensação de que tudo o que me aborrece fica lá, no mar. Eu sei que esta ideia não é muito solidária para quem se diz amante do mar, mas a verdade é que a capacidade que ele tem de se renovar é tal, que não mo dói a consciência de lhe deixar o meu stress ao fim de um dia de trabalho. E depois, as praias cheias. Bem sei que a maré estava cheia o que não ajuda, mas mesmo assim é claro que os números do desemprego são muito elevados. Mesmo muito claro.
Isso mesmo ouvi ainda há pouco na abertura do Telejornal. São números impressionantes. Tenho familiares e amigos que fazem parte deste número alucinante. Isto não é uma coisa normal. São pessoas de todas as idades, com e sem licenciaturas, alguns há imensos anos sem emprego. Não consigo perceber como se consegue sobreviver desta maneira. O subsídio de desemprego não dura sempre: quando acaba de que é que as pessoas vivem? Ficam às costas dos familiares e amigos para o resto dos seus dias? Quanto tempo é que as pessoas que ajudam têm capacidade para continuar a ajudar? Como é que o estado pretende que os casais tenham filhos? Como é que os jovens podem pensar em constituir família sem a segurança de um emprego?
É claro que há gente para tudo. Conheço casos de gente que se esteve nas tintas para as contas e teve todos os filhos que quis... como eu, por exemplo. Mas essa é uma opção cada vez mais difícil de tomar. Porque sem um emprego, eu não o teria conseguido!
Não me apetece falar de política. Deixo isso para quem sabe da poda. Eu cá não acredito em governos, venham eles de onde vierem. Sou contra todos os governos. Esse é o meu princípio de vida. Não há governos bons. Nem governantes. Ponto. Final.

16 maio, 2007

A Noite Passada - Sérgio Godinho

A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas águas
e então falámos
e então dissemos
aqui vivemos muitos anos

Mesa dos sonhos


Ao lado do homem vou crescendo

Defendo-me da morte quando dou
Meu corpo ao seu desejo violento
E lhe devoro o corpo lentamente

Mesa dos sonhos no meu corpo vivem
Todas as formas e começam
Todas as vidas

Ao lado do homem vou crescendo

E defendo-me da morte povoando
de novos sonhos a vida.

(Alexandre O'Neill)

Aqui no meu cantinho, sou feliz.

Podia começar por dizer que olho o mar e penso que também dele preciso de sentir saudades. Preciso de me afastar para sentir saudades. Gosto de sentir saudades. Da minha casa, dos meus livros, da minha música, da minha rotina, dos meus amigos, de mim... Só damos valor ao que não temos. É por isso que de vez em quando gosto de me afastar de tudo e de todos os que amo para me aproximar um pouco mais. E só a perspectiva de em breve me afastar de tudo e de todos (tudo é como quem diz que não me vejo a afastar deste espaço...) me deixa numa alegria inexplicável. Os dias correm-me bem, o trabalho sai-me das mãos como água da torneira, dou um pulo à praia ao fim do dia, leio, caminho, converso, escondo-me... tudo com uma felicidade que me vem de dentro, da perspectiva de me afastar e de sentir saudades de todas estas coisas que me deixam tão feliz.
Mas afinal ando há uma série de dias para explicar aqui, porque muita gente me tem perguntado, que os textos que aqui vão ficando, são produto do instante em que são escritos. São escritos aqui directamente. Fazem parte deste tempo, deste quando, deste onde há espaço... Os meus textos evidentemente. Os meus colegas de blogue (ou seja EA porque o outro sumiu deste mapa e vai demorar um pouco até que reapareça, mas fará sua entrada triunfal, tenho a certeza), falarão por si ou não falarão conforme lhes der na gana, que a mim não me devem explicações. Como já disse aqui, às vezes falo da realidade, outras de imaginação, de sonhos de personagens que construo olhando as pessoas que me rodeiam, que comigo se cruzam diariamente. De caras que eu fixo porque contêm algum traço que me interessa ou porque são tão vulgares, tão "esquecíveis" que sinto necessidade de as tornar inesquecíveis e se me fosse dado o dom, torná-las-ia imortais.
E agora vou para o meu cantinho de felicidade, onde para já não cabe mais ninguém senão eu...

ANTÓNIO COSTA


Não resisto a transcrever um pequeno extracto da crónica de Baptista-Bastos, publicada no DN, de hoje, subordinada ao título: " Portugal passa ao lado".
Aí vai:
" Entretanto, a designação de António Costa para Lisboa ergue a suspeita de que Sócrates quis remover um émulo poderoso. Manigância com antecedentes: lembremo-nos das ciladas a Mário Soares e a Manuel Alegre. Maquiavel advertiu que em política não há moral. Sócrates não leu: mas aprendeu de ouvido.".
Transcrevo, porque admito a suspeita. Porque de tal já me tinha lembrado. Já me tinha lembrado, porque a vida me tem ensinado muita coisa.Aliás, também Medeiros Ferreira, no seu blogue, já tinha escrito: quem quer tramar Costa?
Só não concordo com o articulista numa coisa: não acredito que Sócrates não tenha lido Maquiavel...
Eduardo Aleixo

MIA COUTO


Mia Couto recebeu, na semana antes do 25 de Abril, o Prémio União Latina das Literaturas Românicas. Sendo moçambicano, este biólogo, poeta e contista, é o primeiro escritor africano a receber este prémio.
Lendo-o, percebe-se logo que é um poeta que conta estórias, e num português doce, reinventado, enriquecido.Como ele disse, numa entrevista recente: « O facto de eu ser um poeta que conta estórias fez-me inevitavelmente assumir a construção de uma linguagem própria. O que me apaixona na língua portuguesa é o quanto ela pode deixar de ser portuguesa, o quanto ela pode ir para além dos seus próprios limites».
Lendo Mia Couto, por exemplo os contos do seu livro, " Na berma de nenhuma estrada", já não é só o encanto da nossa língua aquilo que nos embriaga, é o resto, o que está para além,e que é um oceano de ternura...
Parabéns, Mia Couto. Continua a estreitar os laços de Portugal e de Moçambique. Acredito que através de literatura tão bela como a tua se logrem pontes entre os dois países, que a Política não conseguiu, até agora, por motivos vários, alheios obviamente à arte e à poesia.
Eduardo Aleixo

POEMA


Difícil é esperar
Quando sabemos
Nada haver a esperar.
O eco de uma lágrima não basta
Para dar vento à sementeira.
Egito Gonçalves

15 maio, 2007

INVENTÁMO-NOS


Inventámo-nos. Somos
Eco do mesmo apelo reconhecido,
A mesma busca
Dum resgate impossível.
A mesma fome nos ergueu
Os braços
A um gesto de encontro,
Um riso,
Um pólen na viagem do vento.
E eis que o pássaro inexistente
Pousa
Concreto e tangível
Sobre os nossos ombros.
Egito Gonçalves

Cesaria Evora - Angola

Angola angola
Oi qu'povo sabe
Ami nhos ca ta matá-me
'M bem cu hora pa'me ba nha caminho
Ess convivência dess nhôs vivência
Paciência dum consequência
Resistência dum estravagância

(Que show!!!!)

Canção do Amor Imprevisto


Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.

Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...

E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...

A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.

(Mario Quintana)

Mal por mal prefiro a filatelia...

Partiste há quatro meses e vens de vez em quando espreitar o que fazemos nós as as tuas amigas de verdade, as que não te reconhecem defeitos, não porque partiste, mas porque não os reconhecemos nunca. Excepto aquele de que estou sempre a falar: a generosidade em demasia. O facto de dares tudo e não guardares nada para ti. O facto de protegeres toda a gente. Tu bem sabes o que eu penso dos "protectores dos animais". Esses animaizinhos, que tu julgavas de estimação e que afinal agora te vão apontando defeitos todos os dias. Agora é que começam a sentir-se desiludidos... é para que vejas no que dá ter a mania da filantropia... se aqui estivesses ririas já de seguida, quando eu te dissesse que mais vale a filatelia... pelo menos dá para exercitar os músculos... da língua!
Pois a afiar a língua lá estivemos. Chegámos a ser quatro, hoje. Uma bela surpresa, o aparecimento de Margarida. Essa miúda de quem eu gosto tanto. Bem filha de sua mãe. Fala comigo como se eu tivesse andado no colégio com ela. Como se tivéssemos a mesma idade. Posso dizer palavrões à frente dela (tipo porra, claro, que não sou de ir muito mais longe, a menos que esteja furiosa, e mesmo assim que escassez de vocabulário...), porque ela tem uma maneira tão natural de estar na vida (como se toda a vida não tivesse feito outra coisa!)
Espero bem que consigas ter o filho que tanto desejas Margarida. E espero que tenhas razão e não eu e a tua mãe no que se refere aos meninos desaparecidos...
E tu, que partiste sem nos avisar, já sabes: para a semana há mais. Portanto, atenção, porque as férias estão quase aí e como diz H eu já estou de mochila às costas... Desta vez vais mesmo comigo a Londres!

AS PALAVRAS SEMPRE AS PALAVRAS


Estou cansado das palavras,
Não me dou com as palavras!
Eu, que tanto gosto das palavras!
Acho que são mal usadas.
É esta a explicação.
São como as balas, ou as setas, ou as pedras,
Nas mãos indevidas de assassinos,
Ou levianas de malteses.
Amando as palavras, estou cansado das palavras
Desiludido
Infeliz
Furioso
Por causa das palavras .
E quando isso me acontece,
E acontece-me desde que as descobri,
Ou foram elas que me descobriram,
O que há a fazer...
É partir,
Afastar-me sem ser notado ,
Para o país rival das palavras,
Onde se ouve o vento,
Mil vezes ouvir o vento,
As rãs no sol poente,
Os grilos,
As cigarras,
O mar,
Sempre o mar,
O farfalhar das folhas,
O zumbido das abelhas,
No reino onde te encontro, sim, despida de palavras,
Onde elas já não são necessárias.
É o país da festa do silêncio!
Mas quem fala aí por nós, quem,
Se somos os mesmos que por causa das palavras
Quase nos batémos,
Quase nos odiámos?
Quem hahita aí, amor?
E quem por nós fala?
Que palavra aí habita?

Eduardo Aleixo

TIVE UM POEMA DE AMOR


Tive um poema de amor
Na mão aberta
Quis com ele construir
Uma mesa
Uma jarra
Um assobio de perturbar
Fantasmas.
Abriram-me os dedos:
Caiu no chão um montão de palavras
Inabitáveis.
Egito Gonçalves

VEJO PASSAR OS BARCOS


Vejo passar os barcos
Sob a chuva
Sentado sobre a ausência
Nenhuma boca
Pronuncia
O nome
De mãos vazias
Vejo passar
Os barcos.
Egito Gonçalves ( im " O fósforo na palha ")

AS PONTES

Nunca mais esquecerei aquele dia... Sentia-me mais que triste. Achava que tinha toda a razão do mundo para estar mais do que triste. De facto, o que sentia era quase raiva. Despeito. Sentia-me amesquinhado. Diminuído no meu EGO.Tinham-me abandonado. Não me mereciam aqueles que assim me deixavam, sem nimguém.
Foi então que o meu velhote, que morava junto do riacho, saiu da cabana, me olhou e me disse muitas coisas em surdina. Mas a coisa mais importante que me disse foi que, se estava assim, era eu o único culpado!
Levei tempo a perceber aquelas palavras:
- Se estamos isolados, devemos perguntar-nos em que medida é que contribuimos para a construção das nossas ilhas, destruindo as pontes para os outros...E o mesmo quanto à ternura: queixas-te de que não recebes ternura dos outros! E tu, tens dado muita ternura aos outros?! Tens-te aberto à ternura dos outros?
Levei tempo a perceber.
Já foi há muitos anos...
O meu velhote era sábio.
Falo com ele de vez em quando...

Eduardo Aleixo

SABER VER



Notável a entrevista dada por Vasco Pulido Valente ( V.P.V ) ao DN, de ontem, 14 de Maio. Aquele que considero o mais lúcido comentador da sociedade portuguesa, em resposta à pergunta:

" - A situação nacional é suficiente para o inspirar todas as semanas?"

respondeu:

" - A realidade é sempre forte para se escrever sobre ela. Nós é que nem sempre estamos suficientemente atentos ou somos suficientemente inteligentes para perceber sobre o que se deve escrever. Está tudo no saber ver."

Também acho.

Ao ler esta passagem da entrevista lembrei-me de Rilke, nas " Cartas a um poeta ", em que, a propósito da BELEZA, escreveu ao jovem poeta que não devemos nunca criticar um lugar de não ser belo, mas sim criticarmo-nos a nós mesmos por não termos sensibilidade suficiente para ver a BELEZA, onde ela está. E está em todo o lado.

De facto, a atenção e a sensibilidadde são essenciais.

Eduardo Aleixo

14 maio, 2007

Debaixo dos Caracois dos seus Cabelos -Caetano Veloso

Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar
De um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade
De ficar mais um instante

Donde vêm


Donde vêm?
De que rosto, de que estrela?

Apenas uma arde no vento.
As outras, fico a ouvi-las escorrer da pedra.

Apenas uma em silêncio brilha.
As outras mordem um coração de homem.

Só prometido à terra.

(Eugénio de Andrade)

Um dia tranquilo

Sinto os olhos procurarem os meus. A carruagem está cheia do sol da manhã. Levanto o olhar para perceber que olhos me procuram. São olhos verdes. Olhos jovens. Percebo isso, mesmo antes de olhar a cara que carrega aqueles olhos. É um homem jovem de estatura bastante grande. Está sentado de frente para mim. Mas percebo que terá no mínimo 1,85m. Sustento o seu olhar. Por instantes desvia os olhos e leva à boca uma garrafa de água. Volto a colocar os olhos no livro, mas o olhar verde chama-me. Levanto de novo os olhos e fixo-os nos olhos verdes. O jogo repete-se: ele leva a garrafa à boca e desvia o olhar por segundos. Agora sou eu que não desvio o olhar. Espero que os olhos verdes desistam... Olham brevemente pela janela, com desinteresse, mas eu estou à espera de ver o que se segue. Os olhos voltam-se de novo para mim.
O comboio está a chegar ao seu destino. Levanto-me. Não torno a ver os olhos. Não torno a sentir aquele olhar pousado no meu. Mas é um olhar que não incomoda. Um olhar repousante. Um olhar que tenta perceber quem sou... que tenta dizer quem é. Que me deu um dia tranquilo.