29 novembro, 2006

Se por um instante Deus se esquecesse
de que sou uma marionete de trapo,
e me presenteasse um pedaço de vida,
possivelmente não diria tudo o que penso,
mas definitivamente pensaria tudo o que digo.

Daria valor às coisas, não pelo que valem,
senão pelo que significam.
Dormiria pouco e sonharia mais,
entendo que por cada minuto que fechamos os olhos,
perdemos sessenta segundos de luz.

Andaria quando os demais se detêm,
despertaria quando os demais dormem,
escutaria enquanto os demais falam, e como
desfrutaria de um bom sorvete de chocolate...

Se Deus me obsequiasse um pedaço de vida,
me vestiria com simplicidade,
me atiraria de bruços ao sol,
deixando descoberto, não somente meu corpo,
mas também minha alma.

Deus meu, se eu tivesse um coração....
Escreveria meu ódio sobre o gelo,
e esperaria que saísse o sol.
Pintaria com um sonho de Van Gogh
sobre as estrelas um poema de Benedetti,
que ofereceria à lua.

Regaria com minhas lágrimas as rosas,
para sentir a dor de seus espinhos,
e o encarnado beijo de suas pétalas...
Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida...
Não deixaria passar um só dia
sem dizer à gente que quero, que a quero.

Convenceria a cada mulher e homem
de que são meus favoritos e viveria enamorado do amor.
Aos homens provaria quão equivocados estão ao pensar
que deixam de enamorar-se quando envelhecem,
sem saber que envelhecem
quando deixam de se enamorar.

A uma criança daria asas, mas deixaria
que ela aprendesse a voar sozinha.
Aos velhos, a meus velhos, ensinaria que a morte
não chega com a velhice, mas com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi de vocês, homens....

Aprendi que o mundo todo quer viver no alto da montanha,
sem saber que a verdadeira felicidade está
na forma de subir a escarpa.
Aprendi que quando um recém-nascido
aperta com seu pequeno polegar pela primeira
vez o dedo de seu pai,
o tem amarrado para sempre.

Aprendi que um homem unicamente tem direito de olhar
outro homem de cima para baixo,
quando o tiver ajudado a se levantar.

São tantas coisas as que pude aprender de vocês,
mas finalmente de muito não haverão de servir
porque quando me guardem dentro desta maleta,
infelizmente estaria morrendo....

(Gabriel Garcia Marquez)

2 comentários:

Unknown disse...

Que lindo poema, que mais posso dizer?.Não sei.


Eduardo Aleixo

Anónimo disse...

Hoje fiquei tão triste! A nossa amiga Paula ficou tão frágil! Quando chegou ao serviço, ainda não sabia que a mãe tinha morrido, mas pressentia-o; disse-nos que tinha saído para andar um pouco antes de ir trabalhar, que tinha pensado que tinha ligado o telemóvel, mas não tinha...Quando lhe dei aquele abraço sentido,percebi o quanto ela precisava do nosso afecto. E ainda nos agradeceu...Muito! A Odete dizia-nos depois, que mulher tão forte que ela é!Preocupada com os filhos, irmaõs, cunhadas...A PAULA é tão ESPECIAL!