É bom regressar a este espaço de encontro e de comunhão.
No meio da semana, em regra, parto para carregar baterias: tenho de ver água: ou no mar, ou em qualquer rio.
Não me refiro a estas águas de Novembro, que cairam violentas do céu, que se pôs escuro, como se fosse inverno...
Não, são águas diferentes: as águas do mar e dos rios.Acalmam-me.
Mas não posso esquecer estas águas de Novembro.
Começo por descrever-vos duas cenas desagradáveis, passadas no mesmo dia, 16:
9 horas.Esperando o autocarro. Chuva ainda leve.Enquanto espero, de pé, na paragem, leio o jornal. De vez em quando lanço o olhar na direcção do écran onde se informa o tempo de espera. Ainda demora. Faltam 9 minutos.
Ao meu lado, duas pessoas, um homem e uma mulher, falam, com tom irado:
- Que pouca vergonha, toda esta gente de carro, até parece que não dão um passo a pé...
-Qual dão um passo, se calhar até põem os carros dentro dos escritórios, onde nao fazem a ponta de um corno...
-É como essa canalha da função pública e dos professores...
- Que só querem é manifestações...
- E nós aqui a pagar os luxos dessa gente...
Olhei para eles.Eram duas pessoas do povo, gente simples.
Ainda tive para lhes dizer que não tinham razão.Que eram invejosos.Que o que eles queriam era ter um carro e não ir de autocarro.
Mas o autocarro estava a chegar.
Vinha cheio.Só me consegui sentar em Sete-Rios, quando a maioria da gente saiu.
Pensei: a propaganda tem um efeito enorme nas pessoas. Tanto mais efeito quanto menos informadas estão da realidade.
A outra cena é a seguinte: quando saí do autocarro, na Av. Marquês de Tomar, os céus abriram as comportas e a chuva e o vento, de tão fortes, impediram que o meu guarda-chuva me abrigasse. De modo que fui proteger-me na esquina de um edifício, onde a chuva não caía, e onde havia muita gente. Procurei o outro lado da esquina, onde não vi ninguém e estaria mais à vontade.Quando parei e me dispus a fechar o guarda-chuva, ouvi atrás de mim uma voz enorme, a disparar-me:
- Sai, ouviste, sai...
Olhei e vi: um homem, de meia idade, naquele espaço, onde eu não perturbava ninguem, onde cabíamos os dois, perfeitamente, mas que se pôs a gesticular e a gritar:
-Sai, ouviste, pá, estou aqui há quarenta anos, e nunca ninguém me chateou...
Era um Sem Abrigo, acho eu.
Fiquei sem palavras.
Saí.
Dobrei a esquina e juntei-me aos muitos outros que ali estavam protegidos da chuva.
O Sem Abrigo continuava a gritar, cada vez mais alto:
-Sai, sai, sai...
Uma senhora, olhando para mim, perguntou-me:
- Mas quem é, quem é?
Eu, sem pensar, respondi:
- É um doido...
Mas em silêncio, para mim mesmo, disse:
- É da chuva...
Que não parava de cair...
-Sai, sai,sai... - continuava a gritar o homem, violentamente...
Saí para a chuva. Não podia estar mais ali.Durante duas centenas de metros ainda o fui ouvindo, angustiado, como se ouvisse um grito sem culpa, lancinante, vindo do fundo, bem do fundo dos tempos...
Parti para ver o mar. Violento, em Santa Cruz. Mas bonito.
Até que vem o regresso a este espaço. Espaço que tem calor e poesia e que vai sendo conhecido por mais pessoas. Por exemplo, pela Angra, a minha ex-colega de trabalho, não só minha, claro, e que me disse por email que é espaço que tem visitado, com agrado, e que vai voltar a visitar. Também a minha filha Rita tem acesso ao Meu Tempo É Quando e já disse que quando estiver inspirada fará um comentário ao que ler. E outras pessoas que eu sei que o estão a visitar, mas que ainda estão em silêncio.Muitas hão-de vir juntar-se a nós, tenho a certeza.O blogue da Eduarda merece.Não só porque ela é uma boa amiga, mas porque é uma boa escritora.E sensível como é traz-nos sempre bons poetas.
Por hoje fico por qaui.
Já é tarde.
Boa semana de trabalho.
Eduardo Aleixo
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