Um blog do dia a dia, com muitas estórias, alguma poesia, música, fotografia, crítica, comentários... para desabafar, porque sem um grito ninguém segura o rojão!
31 dezembro, 2006
Cheira a café
Uma noite escrevi o teu nome
num café
a cafeteira adormece breve
mesmo ao pé
O mar que passa
pela vidraça
senta-se à mesa
cheira a café
Não me enjeites quando te escrevo
o que à memória me vem
contas contadas, contas da história
que a ninguém devo, a ninguém
Já não vejo razão para calar
as múrmures águas na areia
sobre a praia a maré cheia
enche toda antes de vazar
A noite dura para além da tarde
cerveja com levedura .
vaga de espuma entre o meio dia
calma a garganta que arde
O tesouro no ventre do mar
não será para quem mareia
como é bom dormir, acordar
preguiçar em branca açoteia
O sentido que eu tive da vida
num café
o que foi certo para mim um dia
já não o é
O mar que passa
pela vidraça
senta-se à mesa
cheira a café
Cão vadio, cão sem raça
pela rua a vaguear
candeeiro de luz baça
café moído a exalar
À noite os casais devassam
os enigmas duma luz mansa
os sonhos idos de criança
como farrapos soltos que passam.
(João Afonso Lima)
É a vida...
A foto aqui ao lado tem pelo menos 30 anos e foi tirada nos Açores, na ilha de S. Miguel. Apeteceu-me postá-la aqui hoje para me lembrar de que a solidão é uma coisa que dói e eu senti-me muito só nos Açores, rodeada de mar por todos os lados.
Nunca o verão se demorara
O Herói e Alice
O Herói e Alice são dois filmes que vi ontem, ambos falados em português. Muitos de vós já viram concerteza Alice, que é baseado na história trágica de Rui Pedro, o menino que desapareceu há anos e, embora pareça até ter aparecido em fotografias em revistas do tipo "high society", a verdade é que nunca mais os pais o viram. Não é a primeira vez que falo aqui deste caso. Na verdade é um dos meus desconsolos, chegar ao fim de mais um ano sabendo da dor daquela mãe. Porque pior que ter um filho morto, é, sem dúvida, ter um filho desparecido. Um filho que não se sabe que horrores estará a passar, um filho que não se sabe se alguma vez se voltará a ver... embora eu pense que Filomena, a mãe do Rui Pedro tenha a certeza de que ela há-de aparecer um dia e que ela poderá abraçá-lo e beijá-lo. Mas nunca poderá fazer com que todos estes anos em que esteve desaparecido, sejam recuperados. Filomena e Rui Pedro são duas pessoas em que penso frequentemente com muito carinho e se tivesse alguma religião pediria por eles em todas as minhas orações. Como não acredito, penso que um dia o sofrimento desta mulher há-de acabar. E espero que acabe com o reencontro do seu filho, são e salvo e que ele possa esquecer algum dia, todos os anos que viveu fora do carinho da sua família, da paz e da segurança que esta mãe extraordinária lhe dedica.
Alice é pois a estória de uma menina desaparecida e da obssessão do pai em encontrá-la. É a estória da solidão deste pai que a pouco e pouco vai sendo abandonado à sua obssessão de encontrar a filha. Depois de colocar câmaras por toda a cidade de Lisboa e de visualisar centenas de vídeos ele julga ter reencontrado Alice. Mas não é Alice a menina que ele persegue pela cidade de Lisboa. E fica cada vez mais só, com uma mulher a quem o desepero empurra todos os dias para o suicídio. É a estória da obssesão de um homem para encontrar a sua filha e também a estória de milhares de pessoas que vivem na solidão embora no meio de multidões. A estória do atordoamento a que as pessoas se entregam para fingirem que não estão sós... é uma estória do dia a dia de Lisboa e das cidades como Lisboa. É uma estória vulgar, mas muito bem contada, muito bem interpretada, que me deixou um nó na garganta. E foi preciso deixar passar umas horas para vos poder falar do filme.
O Herói é o primeiro filme do realizador angolano Zezé Gamboa. Conta-nos a estória de Vitoriano, (interpretado por Oumar Makena Diop, um actor senegalês), um herói de guerra, que passou 20 anos a combater. Foi apanhado com 15 anos para fazer a guerra e quando esta estava praticamente terminada é apanhado por uma mina que o deixa sem a perna direita.
De regresso a Luanda e após meses de espera lá consegue uma prótese. Procura emprego por todo o lado, mas ninguém lhe dá uma oportunidade. Acaba por ser roubado numa noite de bebedeira (levam-lhe a prótese e a condecoração de guerra) e acaba por ir viver com uma prostituta que se apaixona por ele. Uma feliz coincidência faz com que conheça a professora Joana (Patrícia Bull) que tem amigos influentes e que com um simples programa de rádio faz com que ele recupere a sua prótese e assim, a sua liberdade. Pelo meio conta-se a estória dos cotidianos de Luanda, onde existe muita gente a trabalhar honestamente e muita outra a viver de esquemas, de roubos... contam-se também estórias de amor e de luta e de caracter... E muitas estórias de solidão, de adultos e de crianças.
Um filme que apanhei por acaso, ontem na RTP África e que me mostrou durante cerca de duas horas, imagens da minha terra. Um filme que me trouxe muitas saudades dos fins de ano com calor e dança até de manhã, quando caíamos esgotados na areia, depois de um bom mergulho no mar. Mas independentemente de tudo isto, um filme que não me lembro de ter visto anunciado no circuito comercial, apesar de ter ganho o prémio do júri para o melhor filme estrangeiro no festival Sundance de 2005 no EUA.
Feliz Ano Novo
30 dezembro, 2006
Onomatopeia
Menino franzino,
Quase pequenino,
Pequenino, triste,
Neste mundo só...,
Menino, desiste
De que tenham dó!
Desiste, menino,
Que o mundo é cretino...
Deixa o teu violino,
Toca o sol-e-dó.
Cada teu suspiro
Cai ao chão no pó...
Canta o tiro-liro
Tiro-liro-ló.
Deixa o teu violino,
Que não te é destino.
Desiste, menino,
De que tenham dó!
Menino franzino,
Triste e pequenino,
Pequenino, triste,
Neste mundo só...,
Menino, desiste!
Toca o sol-e-dó.
Canta o tiro-liro, repipiro-piro,
Canta o repipiro, tiro-liro-ló.
(José Régio)
Como gente de bem
A sentença de morte a que foi condenado Saddam Hussein, foi cumprida hoje. Fiquei com a impressão de que a coisa foi mesmo feita muito à pressa, porque o mundo ocidental clamava contra esta sentença.
29 dezembro, 2006
Dias perfeitos, e não só.
A fotografia acima foi tirada num dia perfeito. Um dia de fim de semana prolongado que aproveitei para estar com amigos. Em que aconteceu fazer mais um amigo. Mas é claro que nem todos os dias são perfeitos e há sempre, uns mais perfeitos que outros.
28 dezembro, 2006
Soneto da separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
(Vinicius de Moraes)
Lisboa volta a ser minha.
27 dezembro, 2006
Visita
Na escassa penumbra da tarde,
sonho.
Vêm me visitar as fadigas do dia,
os defuntos do ano, as lembranças da década,
como uma procissão dos mortos daquela aldeia
perdida lá no horizonte.
Este é o mesmo sol, impregnado de miragens
o mesmo céu que presenças ocultas dissimulam
o mesmo céu temido daqueles que tratam
com os que se foram
Eis que a mim vêm os meus mortos.
(Léopold Sédar Senghor)
Já tenho saudades senhora M!
Entrei hoje no meu serviço, onde fui recebida por três seguranças com o habitual "bom dia princesa". Depois, junto ao ponto encontrei a senhora M, que me cumprimentou com o seu habitual "como está a senhora D. Eduarda?", sempre que acontece cruzarmo-nos pela manhã...
26 dezembro, 2006
VOU SAUDAR 2007 JUNTO AO MAR
Tanta coisa nos acontece quando deixamos que nos aconteça!
Claro que para deixarmos que nos aconteça é porque estamos abertos para isso,é porque nos fomos abrindo,é porque, como os frutos, estamos maduros para a recepção dos eventos.
Não estou a dizer nada que as crianças adultas não saibam. Mas por que haveria de ter a pretensão de o fazer?!Não tenho, não!.
Apetece-me apenas falar da necessidade de nos abrirmos para as coisas boas da vida, para o que é inocente e puro, para o que nao tem maldade, para o que alimenta e desenvolve em cada um de nós o que de melhor existe em nós e muitas vezes desconhecíamos que em nós existia, ou, se conhecíamos, permitíamos que continuasse adormecido e sem expressão...
Vamos pois, com este espírito, de peito aberto, receber o ano novo, de 2007, com amor, sem medos e muita alegria.
Eu, por mim, nem queiram saber, adoro dançar, na passagem do ano, comer as doze passas, beber champanhe, dizer adeus ao ano que passou, entoar um hino de louvor ao universo pelo facto de ester vivo...
Vou fazê-lo, mais uma vez, junto ao mar, como o faço há uns anos a esta parte. Não pensem que é lugar de banzé, não. Sou alegre, mas de alegria reservo-balançada,sou festivo, mas não gosto de barulho amalucado, gosto de cansar meu corpo até à exaustão e de sentir o suor a correr-me na fronte e sentir-me como um menino que faz diabruras saudáveis, como se recebesse um prémio, a que tem direito, pelo simples facto de ter nascido...
Faço-o normalmente com pouca gente, até porque sou pessoa que tem poucos amigos. Mas os que tenho, são bons. Cuja companhia é muito importante.E vou fazê-lo junto ao mar de Santa Cruz. Na praia azul. Com as ondas bravas.E com a espuma a ver-se, por certo, na friagem da noite.
Mas... até lá, nos poucos dias que faltam, vou fazendo o meu balanço, de tanta coisa que me foi acontecendo durante este ano que está morrendo...Coisas que me aconteceram, porque deixei que me acontecessem. E se deixei que me acontecessem é porque chegou o tempo para elas acontecerem.
Foi um ano bom.
Um ano em que me aposentei.Gostosamente.Era funcionário público e ouvia e lia que estava a mais.Que fazia parte de não sei quê de corporações, etc. Pois achei que era mais digno ir-me embora.Não foi fácil.Ainda podia ficar mais algum tempo. Mas, não: sentia que tinha afinal a oportunidade de fazer outras coisas de que gostava ainda mais. Um ano em que me pus a abrir as gavetas da minha memória. Em que me pus a rasgar, como aliás sempre o fiz, ao longo da vida, muitos papéis, com poemas, contos, crónicas, cartas, apontamentos...Em que fiquei com dúvidas sobre se estaria a fazer bem rasgando aquelas coisas. Em que me arrependi de ter rasgado algumas coisas depois de as ter rasgado.Um ano em que afinal descobri coisas que já sabia, mas que o tempo gasto em nos gastarmos tudo fez para que o esquecesse, ou o não lembrasse: há de facto mais coisas para além do déficit, perdão, que coisa horrível,mas que raio de propaganda, há mais coisas para além dos processos, dos pareceres,da pressão psicológica e doentia da vida dita profissional, há coisas que têm a ver com a vida, com a beleza, com a poesia, com a amizade, com o amor, com outra maneira saudável de tomar um copo com tempo e com o espaço...
Bom ano para todos.
Parabéns, Eduarda, que tens um blogue bonito.
Eu vou dançar
Para junto do mar.
Eduardo Aleixo
Foi para ti que criei as rosas
MAIS UM NATAL
Desta vez passei o Natal na vila da minha mocidade, aí, onde foram tecidos os sonhos mais marcantes da minha vida: em Mértola .
Na foto: o rio Guadiana, cujas águas tenho de rever, de tempos a tempos, para carregar as baterias, como costumo dizer.
Falar da minha vida sem falar desta terra e deste rio é coisa impossível.
A minha paixão pelas águas vem daí, e é tanta que, desde menino, sonhei que, quando fosse velho, gostava de ter uma casa junto do mar, para aí morrer.
Mas mesmo que não tenha mar, já fico contente, muito contente, quando tenho um riacho ou uma lagoa.
Mértola... do rio, que era o ganha-pão dos pescadores, que viviam no Bairro do Favela, junto do qual eu morava e foi com os pescadores que aprendi a fazer redes de pesca. Rio... que era a estrada principal, por onde vinham os barcos carregados de tudo, e de adubo para as terras.
Depois, com a abertura e aperfeiçoamento das estradas terrestres , o rio perdeu importância e nunca mais foi o mesmo, quando os pescadores, na sua maioria, emigraram para França e Alemanha , à procura de melhores condições de vida.
Isto foi na dácada de 60.Tempo de muita fome no Alentejo.
Os tempos passaram.A maioria de nós saiu da vila.E por Lisboa ficou.
Hoje, quando vou a Mértola, sinto-me um pouco estrangeiro. Aqueles que têm a vida organizada em Lisboa, cujos pais já faleceram e que não têm lá mais familiares, vão lá cada vez menos. Se lá forem, também não contactam minimamente com os da mesma geração que lá permaneceram, em virtude de as relações com eles não serem estreitas. E o resto... são jovens, que nós não conhecemos, netos dos que lá ficaram.Restam... os lugares da nossa infância e adolescência para vermos.E recordarmos.E é tanta coisa, minha vida...
Mas eu, felizmente, ainda tenho a minha mãe, que lá vive, só, na nossa casa. Sente-se bem assim, embora os filhos se fartem de dizer para ela vir para Lisboa. Mas ela é muito independente.E eu compreendo.
Foi bom passar o Natal com ela. Os seus olhinhos, todos eles brilham, quando jogamos as cartas, com a minha mulher e a minha filha.Então, vem sempre à baila a minha avó Artemisa, que era terrível no jogo das cartas, porque fazia sempre cenas quando perdia.Diga-se que em matéria de independência a minha avó Artemisa é um exemplo que recordo sempre com grande admiração. Com a casa do filho ( meu pai ), em Mértola, sempre se recusou a viver com ele e a minha mãe, preferindo a sua casinha simples, no outro lado do rio, onde morreu.
A minha mãe... a contar as cenas da nossa meninice, nas noites de Natal, junto da lareira:
- Vá, vamos para a cama, que o Pai Natal não põe as prendas enquanto os meninos estiverem aqui...
E eu lá ia com o meu irmão para a cama.
Noite mal dormida. Com que ansiedade.Nunca mais amanhecia.
E na manhã seguinte: lá estavam coisas simples, como peqeninos chocolates, dois livrinhos, daqueles pequeninos, de estórias para crianças, um par de peúgos, coisas assim...
E nós, tão contentes, com tão pouca coisa...
....
Foi assim pois o meu Natal, calmo, quente, lembrando a infância.
Eduardo Aleixo
Nega-me o pão, o ar
25 dezembro, 2006
24 dezembro, 2006
O Sorriso
Magia é isto
23 dezembro, 2006
a bola no telhado da vizinha
o branco no amarelo da eira
e a calça sem bainha
A varanda e a calça sem bainha
a semana
na baía a pesca à linha a vizinha,
o que querias da montanha
Que pensamento querias da montanha
fugiste um dia p´ra Kilimanjaro
seria o jeito sábio dum cocoana
a falar sob um céu claro
a marimba, a falar sob um céu claro
a madeira, de pau preto
um aparo a montanha
vou de boleia em boleia
Agora vou de boleia em boleia
agora vou voltar a ser menino
parar, ouvir silêncios sobre a areia
visitar-te em S. Francisco
Sobre a areia, visitar-te em S. Francisco
lua cheia
a subir tudo o que lembro
a gavinha, numa noite de Dezembro
Deixaste o sol na praia de Inhambane
no cais da ponte o dia do vapor
amigos que p´ra longe a pátria bane
num retrato de esplendor
Ventoinha,
num retrato de esplendor
cazuarina, quinino saga e calor
a cantina com o sabor, o leitor
e fico com o sabor das leituras
percorro a vossa esteira pelo mar
com um baú de histórias de aventuras
vou morrer em Zanzibar
(João Afonso Lima)
Onde não há magia.
22 dezembro, 2006
COM AMOR, APESAR DE TUDO...
Que só... vai ficar a cidade de Lisboa! Que maravilha é ficar em Lisboa, caso se goste de ficar em boa companhia!
Mas há uma solidão que se respira em Lisboa...Direi melhor: uma tristeza, que não sei definir. Que não é talvez de Lisboa. Que é minha. É uma solidão, no entanto, que não é festiva...Porque há solidões, para mim, pelo menos, festivas...
Eu sinto a cidade só. Mas também uma solidão que cai sobre as compras feitas.O ritual foi cumprido.O formal foi respeitado. Não foi posto em causa.
Santo Natal.
As luzes.
Mas--- que é feito do essencial?
É o Amor?. De que tanto se fala. Com tanta facilidade!.Que foi feito do Amor o resto do ano?
É a Amizade?
Que foi feito dela o resto do ano?
É o dar as mãos aos pobres?. O que foi feito disso o resto do ano?
É o comemorar o nascimento de Cristo?. Quem se preocupa saber verdadeira e seriamente, como o autor destas linhas,quem foi Ele, não lhe bastando - longe disso - as descrições oficiais que sobre Ele existem?
Por aqui me fico...
Como me dizia hoje uma amiga minha, que considero um espírito muito elevado, neste mundo:
_ Tu estás certo, Eduardo, a religião é Amor... Não é nada disso que andam a vender...
Amor para todos. Apesar de tudo.
Bons dias de alegria.
Vou até ao Alentejo.
Ver a minha mãe.
Que está só.
Eduardo Aleixo
Adeus
Como se houvesse uma tempestade
escurecendo os teus cabelos,
ou, se preferes, minha boca nos teus olhos
carregada de flor e dos teus dedos;
como se houvesse uma criança cega
aos tropeções dentro de ti,
eu falei em neve - e tu calavas
a voz onde contigo me perdi.
Como se a noite se viesse e te levasse,
eu era só fome o que sentia;
Digo-te adeus, como se não voltasse
ao país onde teu corpo principia.
Como se houvesse nuvens sobre nuvens
e sobre as nuvens mar perfeito,
ou, se preferes, a tua boca clara
singrando largamente no meu peito.
(Eugénio de Andrade)
CHEGOU O INVERNO
Adoro o sol, mas faço parte da Natureza, onde o Inverno habita e ...ele, o Inverno, está a chegar.E como cada vez mais amo a Natureza e a respeito, embora adore o sol, é minha obrigação, e é com muito gosto, que vou receber, mais uma vez, o Inverno, que vai irromper no minuto 22, deste dia 22 de Dezembro, no momento em que o sol entra no signo do Capricórnio( solstício). Como esta é a noite mais longa do ano e eu sou um homem juridicamente aposentado, mas ontologicamente, sem tempo, estou aqui, para soudar-te, Inverno, com gosto, como já disse, até porque tu, ao contrário de nós, mortais, não exiges protocolos, etiquetas, nem vaidades, vens, e só os que, como eu, que, não sei porquê, são amantes das estrelas, do céu e do mar, sabem que vens, e te recebem, com respeito, mesmo sabendo que trazes o frio e o vento e a neve e...
Estou pois aqui para saudar-te, Inverno, e escrever um pouco sobre ti, ou melhor, sobre o que me lembras, me invocas, me sugeres.Quando escrevi a tua palavra Inverno, pensei logo nas lareiras da minha infância. E nas lareiras da agora. De que não prescindo.Sabes, prometo, escrever sobre ti, até Março, sobre as brasas, sobre o fogo e sobre as cinzas.Prometo. Porque não há Inverno sem o apelo do fogo, sem a fome do aconchego, sem a memória das estórias da inocência, contadas à beira das chaminés, mas prometo também, Inverno, falar contigo sobre as árvores, sobre o que sofrem em silêncio, há milhões de anos, claro que os seres humanos também, os pobres, os sem abrigo, mas ouve: eu sei que não és culpado, tu fazes parte da natureza, as árvores não se queixam de ti, os pobres humanos também não, ambos têm outras queixas, escreverei sobre isso, mas agora já chegaste, vem, cumpre a tua missão,como o Outono já cumpriu, e a Primavera há-de cumprir, eu gosto de todas as estações, tanbém gosto de ti, e tu já me conheces, até te ris, quando todos os anos te digo que costumo dizer aos meus amigos que estão tristes: " Por mais longo que o Inverno seja...chega sempre a Primavera."
Eduardo Aleixo
21 dezembro, 2006
Rotina
Universo ao meu redor
O poema que o Eduardo nos dedicou a todos, porque no fundo todos nós gostamos de uma ou de várias pessoas, logo todos temos uma estrela no céu (ou no mar), fez-me lembrar o planeta Vénus que aprecio de modo especial. Um dia destes, já depois do sol posto, estava à janela a olhar o mar e lá estava ele, aquele pontinho de luz que gosta de se fazer passar por estrela e que é realmente encantador como uma estrela, sobretudo quando se mostra assim: sem medo, sem pudor, num céu alaranjado sobre o mar. Ou de manhã cedo... é realmente um universo tão fascinante, este em que vivemos, que custa a perceber porque é que as pessoas o gozam tão pouco... porque se preocupam tanto as pessoas com coisas que não têm qualquer significado e custam rodos de dinheiro quando têm à mão de semear um universo inteiro para descobrir, todos os dias.
20 dezembro, 2006
POEMA OFERTA DE NATAL
Prelúdio
Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela...
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora
as histórias que costumava contar?...
Mãe-Negra não sabe nada...
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...
Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar...
Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada..
(Alda Lara)
19 dezembro, 2006
VELHO DE BARBAS BRANCAS
COMENTÁRIOS BREVES
1. Ouvi hoje na rádio que há a intenção de se criar no país um Provedor de, se percebi bem... da Interioridade. A TSF abordaria no seu programa Forum este assunto. Eu não ouvi o Forum. Ouvi apenas o seu início. Ouvi uma figura pública, ligada ao assunto, falar sobre a necessidade da criação de um Provedor. O ingrediente para a criação de mais um Provedor é a seguinte: é preciso evitar que se use o mesmo critério, usado para terras como Lisboa, Porto e Coimbra, para terras pobres, como Mártola, Alcoutim, etc ( o que me parece, aliás, óbvio...). Nestas últimas, onde há menos oportunidades de emprego, os critérios usados em Lisboa não servem. Logo, torna-se indispensável que haja um Provedor, o qual chame a atenção do Governo Central para as especificidades das terras mais pobres e nelas sejam aplicadas outros critérios ( Claro que não podem ser os mesmos...). Quer dizer: não servem as autarquias para conhecerem as especificidades locais e chamarem a atenção do Governo Central!!. Ou muito me engano, ou este governo vai, com esta estória do Provedor da Interioridade ( se o adormecimento do país o permitir, como me parece que será o mais natural) criar mais uns novos cargos, para mais uns boys, coisa pouca, claro, por causa da exiguidade do orçamento...
2. Vai ser criada uma empresa pública para gerir a Administração Pública!!! Que vergonha, Santo António, nem digo meu Deus!! Então é o próprio Estado a considerar-se incompetente?! Ou já não é o Estado a gerir a Administração Publica? Ou é já o Estado a desistir da gestão da coisa pública?!
3. Milhares de funcionários públicos vão para o Quadro de Excedentes. Não haja ilusões que é isso que vai acontecer. O orçamento de 2007 já contou com essa realidade. Não vou discutir aqui se é justo, ou se é injusto. O que acho vergonhoso é que este governo não fale verdade às pessoas. Em vez de dizer a verdade, o que diz? Até parece mentira, mas o que ouvi foi que se vai abrir uma janela de oportunidades para os que vão para o Quadro de Excedentes, por força do crescimento económico previsto para os póximos anos. Esse crescimento irá permitir que arranjem empregos!!Vejam bem!.Mais uma promessa!. Feita por um governo perito em cumpri-las!. Só que aqui é mais grave: trata-se de uma promessa sem nenhuma garantia de concretização, pois depende de algo que não tem nada a ver com a Função Pública, mas com a performance do mundo empresarial privado ...
Eduardo Aleixo
Sem fantasia
(Daniel, enquanto fazia força para que o meu filho mais velho nascesse, cantava esta canção, que te ofereço agora.)
Vem, meu menino vadio
Vem, sem mentir pra você
Vem, mas vem sem fantasia
Que da noite pro dia
Você não vai crescer
Vem, por favor não evites
Meu amor, meus convites
Minha dor, meus apelos
Vou te envolver nos cabelos
Vem perder-te em meus braços
Pelo amor de Deus
Vem que eu te quero fraco
Vem que eu te quero tolo
Vem que eu te quero todo meu
Ah, eu quero te dizer
Que o instante de te ver
Custou tanto penar
Não vou me arrepender
Só vim te convencer
Que eu vim pra não morrer
De tanto te esperar
Eu quero te contar
Das chuvas que apanhei
Das noites que varei
No escuro a te buscar
Eu quero te mostrar
As marcas que ganhei
Nas lutas contra o rei
Nas discussões com Deus
E agora que cheguei
Eu quero a recompensa
Eu quero a prenda imensa
Dos carinhos teus
(Chico Buarque)
Por trás de tudo o que importa é o sentido da vida
É uma delícia poder viver o dia a dia num país que nada tem para oferecer e chegar ao fim do dia, feliz... porque mudei de vida há uns anos...
Pois é: a minha vida não mudou quando casei, quando me divorciei, quando mudei de emprego ou quando mudei de casa... a minha vida mudou quando eu decidi viver a vida, agarrando todos os pequenos momentos que ela me oferece e deitar para trás das costas o que me aborrece e que no fundo não tem qualquer importância...
A minha vida mudou, quando eu decidi viver. Quando decidi olhar para o que me rodeia, conversar com desconhecidos, sejam pessoas comuns ou sem abrigo... A minha vida mudou quando percebi que o sol, bem aproveitadinho, pode dar-me um prazer imenso, se utilizar os meus cinco sentidos... o mesmo acontece com a chuva, o mar, os rios, lagoas, casas... naturezas campestres ou urbanas, tanto faz... desertos ou mares... planícies ou montanhas, sol ou neve... tudo tem uma beleza. Podemos passar todos os dias pela mesma estrada e todos os dias ela estará diferente. Como dizia o meu querido Professor Agostinho da Silva "um homem nunca passa duas vezes pela mesma ponte; quando vai é um homem e uma ponte e quando volta nem o homem nem a ponte são os mesmos..." E basta perceber uma coisa tão simples quanto esta para se mudar de vida.
A minha vida mudou quando percebi que tomar decisões sem olhar para trás, tomar decisões de que não me viesse a arrepender me dava tranquilidade... A minha vida mudou quando percebi que é possível viver sem remorsos... A minha vida mudou quando percebi que é bom viver com saudades... A minha vida mudou quando percebi que tudo o que eu devia ter aprendido na vida, tudo o que realmente importa, o que pode dar sentido à vida, aquilo a que muitos chamam de "chave da felicidade", o meu pai me ensinou, porque não tive jardim de infância...
Tenho no guarda roupa apenas a roupa necessária. Desfiz-me de tudo o que não usava e costumava juntar. Agora o meu guarda roupa dá gosto, quase vazio. Em compensação o número de estantes tem aumentado e o espaço para arrumar música também.
Gosto de passear e gosto de sair com os amigos... mas como gosto de estar em casa, com os meus livros, a minha música, as minhas coisas! Por isso quando a minha querida Lena me perguntou hoje, quando saí do emprego mais cedo do que o costume se ia às compras e eu respondi que ia para casa ela ficou admirada... diz que estar muito tempo em casa lhe dá falta de ar. A mim o que me dá falta de ar são os centros comerciais cheios de gente... isso é que me dá falta de ar!
E foi assim que, mais uma vez, consegui assistir ao espectáculo do pôr-do-sol. Daqui a nada os dias começarão a crescer e já não terei que "correr" para não perder um dos meus espectáculos preferidos: ver o sol emergir de manhã no Tejo e mergulhar no mar ao fim da tarde...
Para além disso o Daniel fez-me outra visita e já se sabe que o meu xodó por ele não é algo sem importância... aquele puto faz-me um bem!
É por isso que eu gosto de viver... porque cheguei ao fim de "A vida Nova" e descobri que a referida vida é a morte. Então não quero uma vida nova, quero a minha, e farei com ela o que puder para me sentir bem e sentir que quem me rodeia, pelo menos está em equilíbrio. E não vou permitir mais que alguém me desestabilize como permiti no passado. É só isso que eu espero da vida.
18 dezembro, 2006
Anúncio
(quem ler, saberá a quem é dedicado... porque ambas amamos Alda Lara)
Trago os olhos naufragados
em poentes cor de sangue...
Trago os braços embrulhados
numa palma bela e dura
e nos lábios a secura
dos anseios retalhados...
Enrolada nos quadris
cobras mansas que não mordem
tecem serenos abraços...
E nas mãos, presas com fitas
azagaias de brinquedo
vão-se fazendo em pedaços...
Só nos olhos naufragados
estes poentes de sangue...
Só na carne rija e quente,
este desejo de vida!...
Donde venho, ninguém sabe
e nem eu sei...
Para onde vou
diz a lei
tatuada no meu corpo...
E quando os pés abram sendas
e os braços se risquem cruzes,
quando nos olhos parados
que trazem naufragados
se entornarem novas luzes...
Ah! Quem souber,
há-de ver
que eu trago a lei
no meu corpo...
(Alda Lara)
E os mais votados são...
Mais uma vez me vejo levada pelo meu queridíssimo Eduardo Aleixo, nesta ronda que vai de roda, vai de roda... é que não queria falar de corrupção no futebol antes de Maria José Morgado, e ainda queria falar menos depois... Mas tenho que dizer agora, que se ela continua a ser por dentro a menina que foi, bem se pode dizer que o seu lema de vida é qualquer coisa como "o bom é inimigo do óptimo". Maria José é uma mulher de garra, justa e determinada. Com uma capacidade de trabalho extraordinária. Eu era ainda uma garota mas já a via como uma rapariga que seria alguém na vida, apontada pelos meus pais e pelos pais dos meus amigos como um exemplo... e eles tinham razão... mesmo quando ela seguiu caminhos que não agradaram a nenhum dos nossos cotas... ele fez o que achou que devia fazer e fê-lo bem feito. E este é apenas mais um trabalho para Maria José. E será concerteza uma dor de cabeça que não passa com um simples analgésico aos mafiosos do nosso futebol. Por isso Maria José Morgado é para mim a mais votada dos últimos tempos.
BEM-VINDOS
1. Maria José Morgado: à ciclópica maratona de limpeza da corrupção...Imagino como, na sombra, o poder do dinheiro e das influências já estão a movimentar-se para lhe sabotar a acção.Ela, porém, tem competência e, principalmente, fibra, para o combate que se avizinha. É, aliás, significativo que, nas parcas palavras que disse, após ter sido nomeada para o cargo, tenha falado na indispensabilidade de apresentar resultados.Parabéns, pois, e sorte.
2. Miguel Esteves Cardoso: pelo seu regresso às lides literárias e jornalísticas, de que esteve afastado por motivos que conta com a frontalidade e lucidez habituais, no D.N., do último fim de semana. Para quem tenha estranhado, como eu, a sua longa ausência, ficou a entender, depois de o ler agora, que os motivos foram demasiado sérios.Tendo batido no fundo, como se costuma dizer, tendo visto de perto a morte, ele renasce com outro entendimento, outra visão sobre a vida...
3. O prémio da Revista Time.O blogue está também de parabéns e todos os que nele escrevem e o lêem.É que recebeu um bocadinho do prémio atribuído pela revista Time à personalidade do ano e que foi " todos os que usam a Net", e que contribuem, deste modo, para a criação da democracia digital...
Eduardo Aleixo
LUMINOSAS POMBAS
17 dezembro, 2006
DOIS DEDINHOS DE CONVERSA
Primeiro dedinho
O meu sonho sempre foi poder dizer, como Fernando Pessoa:
«Quem está ao pé do rio da minha aldeia
Está só ao pé do rio da mnha aldeia»...
É que este " só "... é imenso, e nele reside toda a serenidade do mundo... e nossa...
Segundo dedinho
Sou contra a violência.
Mas há violências que procuro, cuja existência agradeço.
É o caso de uma rosa, por exemplo, que nos enche completamente o olhar, contra a luz intensa do sol.
Ou uma laranja, quando estamos sequiosos no deserto ( da vida ).
Ou o cantar de um regato de águas transparentes e frescas, caindo no forte cansaço dos dias.
Ou a nudez de um corpo belo, fremente de desejo, ou não.
Ou o riso cristalino de uma criança.
Ou o calor apaziguante e silencioso de um olhar.
Ou o aconchego inesperado de uma mão na minha mão...
Enfim... tudo o que excede o bolor da normalidade, da rotina e da convenção. E em que o coração não fere, mas fica tocado, gostosamente...
Uma boa semana para todos.
Eduardo Aleixo
Alice no País dos Matraquilhos
Mãe fora, em que avenida
Olhos que a perseguem pagam, comem
Pai dentro, lambendo a ferida
Com que o desemprego marca um homem
E o irmão na caserna
Puxando às armas brilhos
E Alice no café
Habitante do País dos Matraquilhos
Na classe dos repetentes
Hoje vai haver mais uma falta
Alice cerra os dentes
Vendo a bola que no ar ressalta
Quer lá saber do exame
Quer lá saber da escola
Aguenta no arame
Matraquilho nunca cai ao ir à bola
Há também Leonor
Libertada da prisão há meses
Dizem que é por amor
Que olha tanto por Alice às vezes
Pousa-lhe a mão na cara
Protege-a de sarilhos
Alice nem repara
Viajou para o País dos Matraquilhos
E o irmão na caserna
Cambaleia entre a cerveja e a passa
Tem o sargento à perna
O tal que compara a guerra à caça
Faz tempo que descobre
Que é um matraquilho mais
Soldadinho de cobre
Matraquilho no país dos generais
Alice no País dos Matraquilhos
É mais do que no bar onde vive
Tem-te, não cais
Quando se cai na lama
Ninguém pára pra nos levantar
Por Alice, o pai reclama
"Tua mãe não veio pra jantar"
E os insultos noite fora
Desvia-os em chorrilhos
Alice nunca chora
Adormece no País dos Matraquilhos
E a mãe no Bar do amor
Passa as horas na conversa mole
Espera o seu protector
Que o seu corpo a ele enfim se cole
Não é que não recorde
Os que deixou em casa
Mas eis que chega o ford
E dentro vem o seu pavão de anel na asa
Entra então no café
Um rapaz de capacete em punho
Fica-se ali de pé
Escreve num papel um gatafunho
E a Alice vê surpresa
Frases que são rastilhos
Como vai Sua Alteza
A Rainha do País dos Matraquilhos
E tu ainda és o rei
Será que vieste em meu auxílio
A bem dizer, já não sei
Há tantos anos que ando no exílio
Vamos a um desafio
Atira tu primeiro
A vida está por um fio
Para quem é deste bairro prisioneiro
A loja que ali está,
Tem um certo ar de modernice
E nunca mais ninguém soube
A não ser a Leonor, da Alice
Aqui vai, Leonor
A foto dos meus dois filhos
Se reparares melhor
Têm pinta assim, sei lá
De matraquilhos
(Sérgio Godinho)