26 dezembro, 2006

MAIS UM NATAL













Desta vez passei o Natal na vila da minha mocidade, aí, onde foram tecidos os sonhos mais marcantes da minha vida: em Mértola .
Na foto: o rio Guadiana, cujas águas tenho de rever, de tempos a tempos, para carregar as baterias, como costumo dizer.
Falar da minha vida sem falar desta terra e deste rio é coisa impossível.
A minha paixão pelas águas vem daí, e é tanta que, desde menino, sonhei que, quando fosse velho, gostava de ter uma casa junto do mar, para aí morrer.
Mas mesmo que não tenha mar, já fico contente, muito contente, quando tenho um riacho ou uma lagoa.
Mértola... do rio, que era o ganha-pão dos pescadores, que viviam no Bairro do Favela, junto do qual eu morava e foi com os pescadores que aprendi a fazer redes de pesca. Rio... que era a estrada principal, por onde vinham os barcos carregados de tudo, e de adubo para as terras.
Depois, com a abertura e aperfeiçoamento das estradas terrestres , o rio perdeu importância e nunca mais foi o mesmo, quando os pescadores, na sua maioria, emigraram para França e Alemanha , à procura de melhores condições de vida.
Isto foi na dácada de 60.Tempo de muita fome no Alentejo.
Os tempos passaram.A maioria de nós saiu da vila.E por Lisboa ficou.
Hoje, quando vou a Mértola, sinto-me um pouco estrangeiro. Aqueles que têm a vida organizada em Lisboa, cujos pais já faleceram e que não têm lá mais familiares, vão lá cada vez menos. Se lá forem, também não contactam minimamente com os da mesma geração que lá permaneceram, em virtude de as relações com eles não serem estreitas. E o resto... são jovens, que nós não conhecemos, netos dos que lá ficaram.Restam... os lugares da nossa infância e adolescência para vermos.E recordarmos.E é tanta coisa, minha vida...
Mas eu, felizmente, ainda tenho a minha mãe, que lá vive, só, na nossa casa. Sente-se bem assim, embora os filhos se fartem de dizer para ela vir para Lisboa. Mas ela é muito independente.E eu compreendo.
Foi bom passar o Natal com ela. Os seus olhinhos, todos eles brilham, quando jogamos as cartas, com a minha mulher e a minha filha.Então, vem sempre à baila a minha avó Artemisa, que era terrível no jogo das cartas, porque fazia sempre cenas quando perdia.Diga-se que em matéria de independência a minha avó Artemisa é um exemplo que recordo sempre com grande admiração. Com a casa do filho ( meu pai ), em Mértola, sempre se recusou a viver com ele e a minha mãe, preferindo a sua casinha simples, no outro lado do rio, onde morreu.
A minha mãe... a contar as cenas da nossa meninice, nas noites de Natal, junto da lareira:
- Vá, vamos para a cama, que o Pai Natal não põe as prendas enquanto os meninos estiverem aqui...
E eu lá ia com o meu irmão para a cama.
Noite mal dormida. Com que ansiedade.Nunca mais amanhecia.
E na manhã seguinte: lá estavam coisas simples, como peqeninos chocolates, dois livrinhos, daqueles pequeninos, de estórias para crianças, um par de peúgos, coisas assim...
E nós, tão contentes, com tão pouca coisa...
....
Foi assim pois o meu Natal, calmo, quente, lembrando a infância.

Eduardo Aleixo

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