Um blog do dia a dia, com muitas estórias, alguma poesia, música, fotografia, crítica, comentários... para desabafar, porque sem um grito ninguém segura o rojão!
30 junho, 2008
I'm All Right - Madeleine Peyroux (clica aqui)
He made me laugh
He made me cry
He smoked his doggies in bed
But I'm all right I'm all right
I've been lonely before
Se cada dia cai
Estou mesmo chateada!
Já sei. Os espanhóis ganharam o Euro 2008. À partida nem se falava neles mas mostraram o que valem. A conversa dos meus colegas homens não se tem resumido a outra coisa. Quando me perguntavam eu só dizia que torcia por Espanha. Como não torcer por um país que permite a quem trabalha que faça uma siesta? É claro que os jogadores espanhóis tinham que estar em boa forma. Nada como uma bela siesta para nos deixar como novos... eu que o diga! E porque é que vocês pensam que os Cristianos deste país querem ir jogar para Espanha? Para estarem mais perto da família? O tanas... o que eles querem é poder dormir uma siesta todos os dias. Chamem-lhes parvos.
E vocês hão-de estar a dizer por esta altura, parva é esta gaja que está para aqui com uma conversa parva. É só porque eu estou tão desiludida com o que se passa neste país, eu ando tão desalentada que até me esqueço que estou quase de férias. Eu bem queria ter aquela vontade e alegria que tinha até há bem pouco tempo a trabalhar. Mas não é possível. Primeiro porque só posso fazer siestas ao fim da tarde e segundo porque não sei trabalhar para números. Fui contratada para trabalhar para pessoas, não para números em papel que mais tarde ou mais cedo vai para ao lixo. E a quantidade de papel que se estraga numa era em que o digital justifica tudo menos montanhas de lixo em papel? Quem quer saber das árvores, das florestas? Eles pensam pequeno. O que conta é o que podemos não gastar hoje e não o que ganharíamos se as tecnologias postas ao serviço da humanidade fossem utilizadas como deviam... mas não são.E eu estou chateada. Mesmo muito chateada!
29 junho, 2008
Tears in Heaven - Eric Clapton (clica aqui)
Braço de mar
O mar é sempre maior
e o luar lhe faz a corte
Não há medida do homem
entre a praia e o horizonte
e o luar lhe faz a corte
Não há medida do homem
entre a praia e o horizonte
O mar já veio antes
da onda inventar o tempo
da onda inventar o tempo
É ele quem trai o porto
e acende o pavio da bomba
que puxa a noite do poço
e corta os pulsos da sombra
e acende o pavio da bomba
que puxa a noite do poço
e corta os pulsos da sombra
E mesmo no sol, o mar transa
seu jogo de conveniências
suas algas postas de molho
sua escultura sem cabeça
seu jogo de conveniências
suas algas postas de molho
sua escultura sem cabeça
O mar é sempre o começo
(Nei Duclós)
E por falar de Justiça...
Daqui a dois ou três dias o Euro 2008 estará completamente fora de todas as conversas o que vem complicar ainda mais a vida do José. Pois se nem o Euro enquanto Portugal esteve presente conseguiu desmobilizar os motoristas que há-de ser agora, com um país que tem gente capaz de enfrentar temperaturas tórridas para se manifestar contra um governo que parece não fazer outra coisa senão desgovernar... Entretanto espero que o Euro acabe com a vitória de Espanha, pois claro, afinal se nós não fomos capazes que o sejam outros ibéricos, mais lutadores, mais exigentes e por isso mesmo com um nível de vida, apesar das dificuldades que todo o mundo atravessa, bem superior ao nosso.
Mas hoje eu queria mesmo era falar da Justiça. Aquela coisa que devia funcionar às mil maravilhas mas de que não me lembro que tenha funcionado alguma vez...Levei 18 anos com um processo em Tribunal de pensão de alimentos para os meus filhos e no fim consegui que o Juiz me dissesse que eu era uma heroína... os 18 anos ficaram para trás, o pior tinha passado e naquele momento o meu ego inchou quase a pontos de me saltar do peito.
É assim para a maioria das pessoas que recorre à justiça em Portugal. É coisa que não funciona. Já aqui contei que há uns meses fui chamada para ser testemunha num processo que envolvia o Instituto onde trabalho e ao fim de 3/4 de hora a funcionária veio anunciar que o julgamento tinha sido adiado. Motivo? A juíza que iria julgar o caso tinha mais 2 julgamentos marcados para a mesma hora e ainda por cima em comarcas diferentes...
Portanto se o senhor Vale e Azevedo e o senhor Adelino Ferreira Torres se queixam hoje e só hoje da justiça é porque são uns privilegiados. Aliás o primeiro, por dever de profissão devia conhecer bem o estado da justiça em Portugal... foi para Londres sem cumprir a pena que lhe foi imposta como eu vou lá quando posso passar um fim de semana (podia, quero dizer, que isto agora está muito mais negro para viagens de avião). Só que ele foi para viver, para continuar a vigarizar quem puder que é o que ele sabe fazer melhor... E o bastonário da Ordem dos Advogados vem dar-lhe razão. Se ele foi maltratado não foi pela justiça mas pelos media... pelo menos naquilo de que se queixa mais.
E já agora por falar em bastonário e ordenados. Eu não acho que € 6.000,00 euros seja um ordenado excessivo para quem ganhava muito mais como profissional liberal e que até estava sempre a aparecer na televisão que paga muito bem estas apresentações. O que eu acho é escandaloso que num país onde alguém que ganhe € 400,00 é considerado como alguém que tem o suficiente para viver, alguém se imponha a si mesmo um ordenado deste calibre. Então senhor bastonário, mais valia ter ficado a trabalhar como independente... afinal contará para o seu currículo esta mais valia de ser bastonário da ordem por uns anitos.
28 junho, 2008
Poema - Ney Matogrosso (clica aqui)
Às vezes
Às vezes tenho idéias felizes,
Idéias subitamente felizes, em idéias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...
Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto?
Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...
(Álvaro de Campos)
Sobre a gente que povoa o nosso mundo.
Nelson Mandela que passou os melhores anos da sua vida na prisão por lutar contra o racismo e a xenofobia está a ser homenageado em Londres, com um concerto que pretende parabenizá-lo pelos seus quase 90 anos mas sobretudo para angariar fundos para a sua fundação contra a SIDA. Mandela é um homem negro. Brilhantemente negro! Ao contrário de Mugabe que é definitivamente um homem de cor.
Bill Gates sobre quem aqui escrevi ontem é um homem branco. Brilhantemente branco. Ao contrário de Condoleeza Rice que é definitivamente uma mulher de cor.
Os exemplos sobre esta brilhante teoria de Luís Sepúlveda são incontáveis. Na verdade o mundo está cheio de brancos e negros, mas também de muita gente de cor. E essa gente não interessa a ninguém.
Tenho vindo a ter em atenção um colega que conheço há muitos anos mas com quem nunca tinha trabalhado. Só conseguia ver nele as coisas más e de repente descubro que às vezes ser competente é menos importante que ser amigo, gentil, cavalheiro e bom escutador... Entrou na minha lista de homens brancos. Não brilhantemente branco mas com certeza não é um homem de cor.
A vida tem-me ensinado que muitas vezes a primeira impressão que temos das pessoas não é correcta. Porque afinal todos andamos a representar um papel e às vezes o papel que representamos não é realmente a nossa personalidade. Há quem esconda o seu lado bom e quem esconda o seu lado mau. Eu não sei se sempre consigo, mas tento mostrar sempre o meu lado lunar como diz Carlos Tê. É melhor que as pessoas descubram por si o que temos de melhor e se surpreendam pela positiva do que descobrirem que afinal as pessoas excepcionais que pensavam que éramos é apenas uma representação para que a sociedade nos aceite como brancos ou como negros. Afinal acho que ninguém gosta de ser considerado de cor...
27 junho, 2008
Luka - Suzanne Vega (clica aqui)
É urgente o amor
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
(Eugénio de Andrade)
Um homem.
Dois homens. Será? Poderá dizer-se que Mugabe e Bill Gates são dois homens? Não. Bill Gates é um homem e Mugabe é um monstro. Um monstro perigoso, que mantém refém da sua prepotência um povo inteiro. Se fosse inteligente já seria dono do mundo. É com certeza o que o faria feliz. Uma espécie de Hitler negro. Só que para além de todos os defeitos (o mau gosto incluído) é miseravelmente estúpido, vaidoso e convencido que é inteligente. Essa é a pior parte. Está tão cheio de si, que se deu ao luxo de fazer uma segunda volta de umas eleições que já tinha perdido e que agora repete sem opositor, porque sendo este um homem decente se recusou a continuar a pôr em perigo a vida dos seus apoiantes. Haveria com certeza algumas mudanças para melhor no Zimbabwe com um novo presidente. Porque tal como nos USA qualquer um é melhor do que está. Felizmente assiste-se hoje nos USA a uma coisa muito bonita: o apoio incondicional de Hillary ao seu grande opositor de há pouco, Obama...
Agora falemos de um homem. Um homem de verdade. Simples e inteligente que revolucionou o séc. XX com a sua inteligência, pondo-a ao serviço de toda a humanidade: a revolução da tecnologias da comunicação. Cada vez o mundo é mais pequeno e estamos mais perto de quem queremos só porque um menino cmado Bill se juntou a outro chamado Paul e inventaram uma maquineta que hoje se chama computador e que existe em todos os tamanhos e para todos os gostos e necessidades.
Aos 53 anos, Bill Gates abandona o seu trabalho na Microsoft, embora mantendo a presidência da mesma, para acompanhar o trabalho de sua mulher em causas filantrópicas da sua Fundação.
O homem mais rico do Mundo, divide o que tem com aqueles que mais precisam. Nem por isso deixará de ser o homem mais rico do mundo. Mas o que vale, o que realmente emociona, é a capacidade que este homem sempre mostrou de ser igual a qualquer um e a capacidade de ser generoso... Inteligência, querer, saber, aprender todos os dias e dar. Não é preciso mais para chamar Bill Gates de homem.
26 junho, 2008
Closing Time - Leonard Cohen - (clica aqui)
I loved you for your beauty
But that doesn't make a fool of me:
You were in it for your beauty too
And i loved you for your body
There's a voice that sounds like god to me
Declaring, declaring, declaring that your body's really you
And i loved you when our love was blessed
And i love you now there's nothing left
But sorrow and a sense of overtime
And i missed you since the place got wrecked
And i just don't care what happens next
Looks like freedom but it feels like death
It's something in between, i guess
It's closing time
Em Lisboa
Bebi numa taça a cera derretida do passado.
À superficial análise sentia-se um sabor humano
a desgraça; mas quando, seca, a língua a percorria,
um autêntico pavão animal abria o seu leque
descendo,
como um deus, pela escadaria ampla do corpo.
À transparência manual do pescoço surgia, então,
um outonal jardim do Luxemburgo, de madrugada,
enquanto as cúpulas das igrejas e palácios emergiam
da nocturna névoa. Os barulhos da cidade juntavam-se,
no aro frio, com um sussurro de mar tempestuoso.
Tudo confluía numa determinada imagem de Norte.
Mas logo, dissipada a primitiva impressão do sonho,
chegavas com os teus dedos reais e ambos,
naquele recanto do café,
víamos chegar o inverno,
o beco sem saída das nossas vidas,
o tédio oficial dos primeiros jornais do dia.
À superficial análise sentia-se um sabor humano
a desgraça; mas quando, seca, a língua a percorria,
um autêntico pavão animal abria o seu leque
descendo,
como um deus, pela escadaria ampla do corpo.
À transparência manual do pescoço surgia, então,
um outonal jardim do Luxemburgo, de madrugada,
enquanto as cúpulas das igrejas e palácios emergiam
da nocturna névoa. Os barulhos da cidade juntavam-se,
no aro frio, com um sussurro de mar tempestuoso.
Tudo confluía numa determinada imagem de Norte.
Mas logo, dissipada a primitiva impressão do sonho,
chegavas com os teus dedos reais e ambos,
naquele recanto do café,
víamos chegar o inverno,
o beco sem saída das nossas vidas,
o tédio oficial dos primeiros jornais do dia.
(Nuno Júdice)
Para os meus pequenos amigos do Hi5
Há anos que recebo convites para fazer parte do Hi5. E sempre recusei, porque nunca me pareceu que tivesse algum interesse, pelo menos para mim que gosto de ter amigos não virtuais... para isso já chegam aqueles que pensamos ser nossos amigos e depois percebemos que são mesmo virtuais, ou seja que por alguma razão se aproximaram de nós que não por um simples sentimento de ajudar e ser ajudado, de compartilhar alegrias e tristezas de poder dar o ombro e ter um ombro. Os amigos virtuais que se servem de nós e na primeira ocasião em que precisamos deles desaparecem como fumo.
Isto para dizer que, ao fim de tanta resistência o meu neto mais velho que tem 11 anos me enviou vários convites para o Hi5. Durante alguns dias ainda resisti a entrar na rede mas como dizer não a um puto sobretudo quando é um dos putos da tua vida?.
E foi assim que entrei na rede. Agora, na minha rede de amigos para além da família materna do meu neto tenho todos os dias convites de putos como ele, que não conheço de lado nenhum e que vou continuar sem conhecer. Só que acho graça aos putos que me convidam. Se calhar é porque no meu perfil escrevi qualquer coisa como "aqui sou só a avó do Pedro, portanto juízinho ou há trabalho comunitário para todos"... Acho que os putos acharam graça à cota e entraram na "minha".
Aproveito para dizer que eu sou cota sim, mas no sentido que se dá ao termo na minha terra: o mais velho, o que sabe mais, o que nos dá conselhos quando precisamos... e nesse sentido qualquer puto pode contar com a minha ajuda. E já agora se houver pais com filhos inscritos no Hi5 ou em qualquer outra rede, não custa lembrar que devem estar atentos às pessoas com quem se relacionam, porque na maioria das vezes as intenções não são as melhores.
Beijos e abraços para todos os pequenos(as) desconhecidos(as) que fazem parte da minha rede de amigos do Hi5.
25 junho, 2008
Esquinas - Djavan (clica aqui)
Terra longe
Aqui, perdido, distante
das realidades que apenas sonhei,
cansado pela febre do mais-além,
suponho
mimha mãe a embalar-me,
eu, pequenino, zangado pelo sonho que não vinha.
Ai, não montes tal cavalinho,
tal cavalinho vai terra-longe,
terra-longe tem gente-gentio,
gente-gentio come gente"
A doce toada
meu sono caía de manso
da boca de minha mãe:
"Cala, cala, meu menino,
terra-longe tem gente gentio
gente-gentio come gente".
Depois vieram os anos,
e, com eles, tantas saudades!...
Hoje, lá no fundo, gritam: vai!
Mas a voz da minha mãe,
a gemer de mansinho
cantigas da minha infância,
aconselha ao filho amado:
"Terra-longe tem gente-gentio,
gente-gentio come gente".
Terra-longe! terra-longe!...
- Oh mãe que me embalaste
- Oh meu querer bipartido!
(Pedro Corsino Azevedo)
Os miúdos da minha rua... bateu a saudade.
Tive a sorte de crescer em África... onde tudo é grande: as planícies, as montanhas, os desertos, a riqueza e a miséria. Mas quando eu era miúda não pensava nisto. Aquele era o sítio onde eu vivia e onde gostava de viver e nem sequer punha a hipótese remota de algum dia vir a viver noutro lugar, onde não tivesse calor o ano inteiro, e ruas para brincar e terrenos baldios para enfrentar inimigos e liberdade para inventar as brincadeiras com os meus amigos e com o meu irmão. Se o circo fazia temporada na cidade era certo que durante algum tempo fazíamos todas as acrobacias dos artistas de circo. Com 7 anos eu poderia ter dado uma óptima contorcionista já que conseguia fazer parecer que o meu corpo não tinha ossos e se podia dobrar como eu quisesse e muito bem me apetecesse.
Por altura dos festivais de canção, fazíamos nós os nossos festivais e os rapazes chegaram a inventar muito antes dos concursos de Miss Portugal uma coisa assim tipo a miúda mais gira da rua. Neste concurso só entravam raparigas já adolescentes... até porque eu era a única rapariga da idade dos miúdos da minha rua e preferia mil vezes as brincadeiras deles... quer dizer eu nunca aprendi a brincar como era suposto uma menina brincar. Não sei se por falta de companhia de meninas ou se, porque pura e simplesmente gostava de brincar com os meus amigos: os miúdos da minha rua que ainda hoje recordo, um por um, com o nome e o rosto que cada um deles tinha. E quando mudei de rua continuei a brincar com os meus amigos... os da minha primeira rua. E hoje como muitos outros dias, bateu uma saudade.
24 junho, 2008
Moer Cana - Chico César e Xangai (clica aqui)
Outra imagem
Conheço o mundo dos mortos. É frio, com terra
por cima, restos de tábuas, ossos desfeitos pelos invernos.
Os mortos vêem-nos: de onde estão, eles chamam pelos nomes
familiares, num murmúrio, e o vento dispersa-lhes os sopros
— música de ciprestes. Por isso, há quem ande entre as campas,
ao fim da tarde, com os ouvidos tapados; quem reze,
entre lábios, datas estéreis como as antigas pedras;
quem persiga a própria sombra, temendo que ela desapareça
sob a erva fresca. Memórias vagas e finais, atormentando-me
num secreto espelho - no canto de mim, absorto
e pálido, quem, me diz o nome, em silêncio, sem olhos,
sem lábios, sem os cabelos que outrora toquei?
por cima, restos de tábuas, ossos desfeitos pelos invernos.
Os mortos vêem-nos: de onde estão, eles chamam pelos nomes
familiares, num murmúrio, e o vento dispersa-lhes os sopros
— música de ciprestes. Por isso, há quem ande entre as campas,
ao fim da tarde, com os ouvidos tapados; quem reze,
entre lábios, datas estéreis como as antigas pedras;
quem persiga a própria sombra, temendo que ela desapareça
sob a erva fresca. Memórias vagas e finais, atormentando-me
num secreto espelho - no canto de mim, absorto
e pálido, quem, me diz o nome, em silêncio, sem olhos,
sem lábios, sem os cabelos que outrora toquei?
(Nuno Júdice)
Não dei por isso
Ainda não ouvi à senhora Arroz nem ao seu patrão uma palavra sobre o Zimbabwe ou as atrocidades cometidas por Mugabe... longe de mim afirmar que nenhum dos dois se pronunciou sobre isto. Afinal o que não deve faltar são jornalistas daqueles bem abelhudos e chatos a fazerem perguntas aos dois. Mas com certeza eu não estou 24 horas a ouvir notícias, era bom que eu não tivesse que ganhar o pão para a boca e pudesses estar a gozar a vida como o senhor Vale e Azevedo que escolheu para viver a minha mais do que estimada cidade de Londres... seja como for ainda não ouvi uma palavra à senhora Arroz que há-de ter as suas origens tal como Obama em África. A diferença é que Obama se orgulha de ser quem é, de ter vindo de onde veio e a senhora Arroz deve pensar que passa por europeia ou asiática ou esquimó, sei lá... Talvez se ela seguisse o caminho do Michael Jackson ainda conseguisse convencer alguém de que as sua origens não são africanas. Mas pelos vistos ela está mais interessada no petróleo do Iraque que na miséria do Zimbabwe. É que com certeza ela não tem, infelizmente, como Obama uma avó num país lindíssimo chamado Quénia. Nem orgulho de ter ascendência no mais belo continente à face da Terra.
Não se admirem de eu estar aqui a bater na senhora Arroz, em vez de bater no patrão dela. Porque aquilo é como certas casas. Cá fora quem manda é ele, mas dentro de casa quem canta é a galinha... E ela não dá sequer um pio para condenar Mugabe... ou dá. E eu não dei por isso.
23 junho, 2008
Amor Di Mundo - Cesária Évora (clica aqui)
A arte de viver
Habito no halo
dos meus versos
onde incansavelmente
rimo palavras sem rima
e seco lágrimas sem pranto
dos meus versos
onde incansavelmente
rimo palavras sem rima
e seco lágrimas sem pranto
é a arte de viver...
como lacrar a vida e o amor
sem cantar?
como vencer o tédio e o temor
sem bailar?
eis a razão
porque sonho sem sono
porque voo sem asas
porque vivo sem vida
como lacrar a vida e o amor
sem cantar?
como vencer o tédio e o temor
sem bailar?
eis a razão
porque sonho sem sono
porque voo sem asas
porque vivo sem vida
no avesso dos versos escondo
o tesouro da minha contrariedade
o mistério da minha enfermidade
e o feitiço da minha eternidade
o tesouro da minha contrariedade
o mistério da minha enfermidade
e o feitiço da minha eternidade
(Armando Artur)
Às vezes quem avisa...
A quase indiferença da maioria dos países, sejam eles africanos, europeus, asiáticos ou americanos (deixo a Austrália de fora, vá lá) pelo que se passa no Zimbabwe é qualquer coisa de incompreensível. Perante um povo que sofre de todas as maldades capazes de uma ditadura, que padece de tudo e tem fome, o mundo limita-se a "dizer coisas". Mugabe é rei e senhor. Já aqui um dia expus a minha teoria sobre eleições democráticas na maioria dos países africanos (elas só são democráticas quando quem está no poder não concorre e o resto são tretas) e exibe o seu sorriso deslavado perante as televisões, vestindo fatos de bom corte, feitos certamente na Europa, enquanto o povo que se lhe opões é preso, torturado, morto ou foge do país em busca de uma salvação que a maior parte das vezes não existe... o mundo assiste, na prática, impávido e sereno, como se todo aquele cenário de fome e guerrilha civil fosse normal.
É verdade que o Zimbabwe já nada tem para dar. Um único homem conseguiu devastar anos a fio um país inteiro, subjugar um povo sem que ninguém se opusesse, excepto o Reino Unido, mas aí também existem outras razões que não as puramente humanitárias...
Sinto-me revoltada, enojada, triste e impotente perante esta situação. Insistir numa segunda volta das eleições só fará com certeza que muita gente que insiste em resistir seja presa torturada ou morta. Mugabe avisou. E neste caso, quem avisa, inimigo é.
22 junho, 2008
Breakdown - Jack Johnson (clica aqui)
I hope this old train breaks down
Then
Then I could take a walk around
And see what there is to see
Time is just a melody
All the people in the streets
Walk as fast as their feet can take ´em
I just roll through town
And though my windows got a view
Well the frame I´m looking through
Seems to have no concern for now
So for now
Then
Then I could take a walk around
And see what there is to see
Time is just a melody
All the people in the streets
Walk as fast as their feet can take ´em
I just roll through town
And though my windows got a view
Well the frame I´m looking through
Seems to have no concern for now
So for now
Além da Terra, além do Céu
Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o
coração,
vamos!
vamos conjugar o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente,
acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.
(Carlos Drummond de Andrade)
Um dia de domingo
A manhã estava de calor mas não muito, vento não dei por ele, e o tempo que estive na praia foi bem agradável. O mergulho faz-me falta e depois de 6 dias de trabalho com outros 6 pela frente, sabe bem descontrair um pouco, relaxar, ler, ouvir música olhar o mar e deixar que ele me chame para que eu entre nele como ele está sempre dentro de mim.
O meu filho e a minha nora vinham almoçar mas isso não é coisa que me obrigue a ficar em casa uma manhã inteira. Assim tive tempo para ir à praia, às compras, encher o depósito e esperar alguns minutos porque é a gasolina mais barata do distrito de Lisboa mas parece que muito pouca gente deu por isso, ou simplesmente não fica em caminho. Sorte a minha que fica mesmo no meu caminho a maior parte das vezes que ando de carro.
Pois foi pôr o almoço no forno, tomar um belo duche e entretanto lá chegaram os meus "convidados". Tinha saudades do meu filho que já não via desde que ele se deslocou numa correria de Santarém porque se assustou com um telefonema da avó sobre o meu estado de saúde... já se sabe como é: as pessoas de idade vêem as coisas sempre um pouco mais negras do que são na realidade.
De modos que as notícias não são grande coisa. Os combustíveis continuam a sua escalada aos Himalaias sem que ninguém responsável faça o que deve, ou seja, ser responsável... Da Europa à Ásia toda a gente protesta, há brigas, mortos e feridos e presos... No Zimbabwue tudo como dantes no quartel de Abrantes, Mugabe lá continuará a delapidar o pouco que resta do país, de sorriso nos lábios como se os atentados contra os direitos humanos não existissem no seu país... apesar de negro consegue até ter um sorriso deslavado. E se me quiserem processar por racismo façam favor. Quero ver quem conseguirá provar que o que digo não é verdade e que o homem não apresenta o mesmo sorriso deslavado frente às televisões de todo o mundo.
21 junho, 2008
A Culpa é da Vontade - Humanos (clica aqui)
A culpa não, não é do sol, se o meu corpo se queimar
A culpa não, não é do sol, se o meu corpo se queimar
A culpa é da vontade, que eu tenho de te abraçar
A culpa não, não é da praia, se o meu corpo se ferir
A culpa não, não é da praia, se o meu corpo se ferir
A culpa é da vontade, que tenho de te sentir
A culpa não, não é do sol, se o meu corpo se queimar
A culpa é da vontade, que eu tenho de te abraçar
A culpa não, não é da praia, se o meu corpo se ferir
A culpa não, não é da praia, se o meu corpo se ferir
A culpa é da vontade, que tenho de te sentir
Soneto 17
Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.
Ás vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.
Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:
Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.
(William Shakespeare)
E viva o Verão.
É o primeiro dia do Verão. A minha estação do ano preferida, chegou finalmente. Há já 15 dias que me sentia no Verão: parece que nasce dentro de mim uma força capaz de superar todos os problemas, todas as mágoas, todas as derrotas, todas amarguras.
E que fiz eu no primeiro dia oficial do Verão? No dia mais longo do ano? Trabalhei. Trabalhei. Trabalhei e pensei no meu querido Prof. Agostinho da Silva "o homem não foi feito para trabalhar...", pois não Prof. sobretudo quando estamos no Verão e há tanta coisa que pode ser feita, quando os dias são tão compridos que chegam para tudo, ou quase tudo (confesso que por mim, podiam ser ainda um pouquinho maiores).
Mas hoje foi assim. Não precisei de ouvir as notícias para perceber logo que saí de casa que os combustíveis quiseram festejar o Verão e aumentaram: deve ser para a malta ficar um pouco mais por casa a fazer limpezas ou coisa que o valha... Uma manhã tranquila (cedo, claro) na Marginal de Cascais. A maior parte das pessoas dormia mas já havia muita gente no paredão de Oeiras a caminhar ou a correr, reparei enquanto passava por Santo Amaro, onde parece que ao fim da tarde houve bordoada a sério... por acaso quando voltava para casa estranhei ver tantos polícias na marginal naquela zona, mas foi antes das 5 da tarde. Lisboa estava completamente adormecida e levou um dia modorrado com o calor. A loja dos chineses estava aberta e até comentei com um colega que não percebo porque eles mantêm a loja aberta todos os dias. Ao sábado e domingo não se vê lá ninguém. Mas eu acho que eles não pensam como o o meu Prof. de estimação e acham que o homem não só nasceu para trabalhar como só deve viver para o trabalho... vá-se lá a saber como eles arranjavam tempo para se reproduzirem tanto que tiveram que ser impelidos a não ter mais do que um filho...
Vou ficar por aqui, porque este resumo vai longo e eu estou num daqueles dias em que ninguém me cala, pois passei o dia a trabalhar sem ter com quem dar dois dedos de riso... julgavam que era conversa? Não. Eu gosto mesmo é de rir.
20 junho, 2008
Chega de saudade - Gal Costa (clica aqui)
Vai minha tristeza e diz a ela que sem ela
Não pode ser, diz-lhe numa prece
Que ela regresse, porque eu não posso
Mais sofrer. Chega de saudade a realidade
É que sem ela não há paz, não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai
Mas se ela voltar, se ela voltar,
Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei
Na sua boca, dentro dos meus braços
Os abraços hão de ser, milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio
de você viver sem mim.
Não quero mais esse negócio
de você longe de mim...
Braile
Leio o amor no livroda tua pele; demoro-me em cada
sílaba, no sulco macio
das vogais, num breve obstáculo
de consoantes, em que os meus dedos
penetram, até chegarem
ao fundo dos sentidos. Desfolho
as páginas que o teu desejo me abre,
ouvindo o murmúrio de um roçar
de palavras que se juntam, como corpos, no abraço
de cada frase. E chego ao fim
para voltar ao princípio, decorando
o que já sei, e é sempre novo
quando o leio na tua pele.
(Nuno Júdice)
Que sejas muito feliz, António.
"Conheci" o António, por um mero acaso. Almoçávamos sempre no mesmo sítio. Percebi que ele trabalhava no ministério que eu abandonara e quando eu ou ele não tínhamos mesa, sentávamo-nos na mesma. Queixava-se do serviço, da falta de oportunidades, da estagnação na carreira, de uma série de coisas em que eu já me tornara perita por ter trabalhado para a mesma entidade. Um dia abriu concurso para o meu serviço, eu disse-lhe e ele concorreu. Um belo dia cruzá-mo-nos no hall do edifício onde eu trabalhava. Eu já sabia que ele tinha conseguido ficar classificado mas nunca pensei que numa instituição com tantos edifícios e serviços ele fosse parar ao meu. Fiquei satisfeita, dei-lhe as boas vindas, desejei que ele fosse tão feliz quanto eu era ali.
O António tem várias deficiências físicas, julgo que fruto de um acidente de automóvel. É um homem tímido, daqueles que quase pedem desculpa por ter nascido e dono de uma esmerada educação. Trata as senhoras com toda a deferência, é respeitador, enfim, um colega perfeito embora eu nunca tenha trabalhado com ele directamente.
Nestes anos todos, os nossos hábitos mudaram, já não almoçávamos no mesmo sítio à mesma hora mas cruzáva-mo-nos com frequência è entrada. Um dia subiu comigo no elevador e disse-me uma coisa muito bonita, que eu era muito boa pessoa, que toda a gente gostava de mim porque eu tratava bem toda a gente... fiquei admirada. Pensei para mim que não era com certeza uma excepção. A menos que alguém nos faça alguma daquelas imperdoáveis porque havemos deixar de a tratar como deve se? Mas o António disse-me aquilo e eu acho que até corei.
Os anos foram passando. Há pouco tempo a minha equipa mudou de edifício, eu adoeci, voltei a trabalhar, estive de férias e esta semana num pulo que dei ao antigo edifício para cumprimentar a segurança que é uma mulher de quem gosto muito, pela alegria e por ser tão genuinamente alfacinha, vi o António. Perguntou-me se tinha estado de férias que não me via há tanto tempo. Expliquei-lhe que tinha estado doente e enfim, havia muita gente ali naquela altura, despedi-me assim às três pancadas porque vi que ele estava a tratar de um qualquer assunto.
Hoje ligaram para a minha equipa a perguntar se alguém sabia a minha extensão do telefone, a colega que atendeu disse que sim e qual era e logo a seguir o meu telefone tocou. Era o António. Que se vai embora dali, hoje foi o seu último dia de trabalho ali, vai trabalhar para um Centro de Saúde perto de casa e queria dar-me os seus contactos porque era uma pessoa de quem iria sentir falta. Retribuí: dei-lhe os meus contactos, desejei-lhe todas as felicidades do mundo (sei que ali ele não teve a mesma sorte que eu e não foi tratado com a dignidade que qualquer pessoa merece. E fiquei a pensar para os meus botões que não merecia tanta delicadeza da parte de alguém que mal me conhece. Mas confesso que no fundo me senti muito vaidosa por saber que durante alguns anos alguém achou que a minha presença era uma "luz" na sua vida... palavras do António!
Que sejas muito feliz! De todo o meu coração.
19 junho, 2008
Diariamente - Marisa Monte (clica aqui)
Para estourar pipoca: barulho
Para quem se afoga: isopor
Para levar na escola: condução
Para os dias de folga: namorado
Para o automóvel que capota: guincho
Para fechar uma aposta: paraninfo
Para quem se comporta: brinde
Para a mulher que aborta: repouso
Para saber a resposta: vide-o-verso
Para escolher a compota: Jundiaí
Para a menina que engorda: hipofagin
Para a comida das orcas: krill
Para o telefone que toca
Para a água lá na poça
Para a mesa que vai ser posta
Para você, o que você gosta:
Diariamente.
Para quem se afoga: isopor
Para levar na escola: condução
Para os dias de folga: namorado
Para o automóvel que capota: guincho
Para fechar uma aposta: paraninfo
Para quem se comporta: brinde
Para a mulher que aborta: repouso
Para saber a resposta: vide-o-verso
Para escolher a compota: Jundiaí
Para a menina que engorda: hipofagin
Para a comida das orcas: krill
Para o telefone que toca
Para a água lá na poça
Para a mesa que vai ser posta
Para você, o que você gosta:
Diariamente.
Ritmos
E descascar ervilhas ao ritmo de um verso:
a prosódia da mão, a ervilha dançando
em redondilha.
Misturar ritmos em teia apertada: um vira
bem marcado pelo jazz, pas
de deux: eu, ervilha e mais ninguém
De vez em quando o salto: disco sound
o vazio pós-moderno e sem sentido
Ah! hedónica ervilha tão sozinha
debaixo do fogão!
As irmãs recuperadas ainda em anos 20
o prazer da partilha: cebola, azeite
blues desconcertantes, metamorfose em
refogados rítmicos
(Debaixo do fogão
só o silêncio frio)
(Ana Luisa Amaral)
a prosódia da mão, a ervilha dançando
em redondilha.
Misturar ritmos em teia apertada: um vira
bem marcado pelo jazz, pas
de deux: eu, ervilha e mais ninguém
De vez em quando o salto: disco sound
o vazio pós-moderno e sem sentido
Ah! hedónica ervilha tão sozinha
debaixo do fogão!
As irmãs recuperadas ainda em anos 20
o prazer da partilha: cebola, azeite
blues desconcertantes, metamorfose em
refogados rítmicos
(Debaixo do fogão
só o silêncio frio)
(Ana Luisa Amaral)
Digo eu.
Depois de um interregno bem grande voltei a almoçar com a filha de Pepe que ficou espantada porque segundo ela, estou mais gorda e mais bonita... eu acho que estou mesmo um pouco mais gorda, não tenho feito exercício, ainda não estou completamente restabelecida e não gasto as calorias que ingiro às refeições, embora a fome voraz que eu não conhecia e que me assolou há umas semanas já tenha passado e eu tenha voltado a comer o que comia... mas a falta de exercício é que dá cabo de mim, do meu sistema nervoso, se bem que com a volta ao trabalho e com a acumulação que encontrei do mesmo nem sequer tenha tempo para pensar durante aquelas horas em tudo o que me aflige.
E o que me aflige mais é a saúde do meu amigo EGV que tem passado por poucas e boas desde que foi operado no dia 20 de Maio passado. Segundo ele as coisas não correram bem, acredito que tenha alguma razão mas também sei que ele não segue o repouso que devia, não consegue parar quieto e não ajuda à sua própria recuperação.
E quem me ouve? quem se interessa? A filha de Pepe naturalmente. Encantada por me ver recuperada depois do susto que lhe preguei. Que saudades tinha de ti! Mas para a semana hás-de ser tu a falar mais porque hoje acho que te preguei uma seca. É que quando estou muito tempo sem te ver tenho sempre tanta coisa para contar... tu sabes. Até os meus colegas dizem que eu converso com o trabalho, com o computador e por aí fora... devem ser manias de quem vive só e se habituou a conversar consigo mesmo. Digo eu!
18 junho, 2008
Fernando - ABBA (clica aqui)
There was something in the air that night
The stars were bright, Fernando
They were shining there for you and me
For liberty, Fernando
Though I never thought that we could lose
There's no regret
If I had to do the same again
I would, my friend, FernandoYes,
if I had to do the same again
I would, my friend, Fernando...
The stars were bright, Fernando
They were shining there for you and me
For liberty, Fernando
Though I never thought that we could lose
There's no regret
If I had to do the same again
I would, my friend, FernandoYes,
if I had to do the same again
I would, my friend, Fernando...
Auto retrato
Espáduas brancas palpitantes:
asas no exilio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.
asas no exilio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.
(Natália Correia)
Stop. Beijos.
Há 32 anos pelas 9 da manhã, cruzei-me numa das ruas principais de Ponta Delgada com o Conservador da cidade de quem já não recordo o nome, mas de que lembro perfeitamente a figura. Era um homem envelhecido pelo álcool e era muito amigo do meu pai Virgílio com quem costumava iniciar o dia a beber gin tónico, antes que cada um deles se dirigisse ao seu local de trabalho.
Eu tinha decidido há poucos dias fazer a vontade à família e legalizar a minha união de facto. Afinal estava grávida do meu primeiro filho e sabia que seria um desgosto muito grande para a minha mãe que não estivesse casada quando ele nascesse. Por isso tinha mandado pedir os papéis necessários para o casamento e o prazo para o fim do decorrer dos "banhos" estava longe. O meu querido Virgílio fazia anos nesse dia. E o Conservador passou por mim e disse-me, casas hoje às 4 da tarde. Assim. Sem mais nem menos.
Qualquer mulher ficaria com certeza bem atrapalhada numa situação destas. Afinal é o dia com que a maioria das raparigas sonha. Entrei no Gil, onde o meu pai Virgílio costumava iniciar o dia com o seu amigo e demos-lhe a novidade. Ficou encantado, puxou da carteira e disse-me vai comprar um vestido bem bonito. Recusei a oferta. Não me sentia noiva, não queria casar de noiva, para mim aquele era um dia igual a todos os outros com a diferença de que teria que entrar na Conservatória às 4 da tarde, acompanhada do meu companheiro e duas testemunhas para assinar uns papéis que fariam de mim a senhora "fulana de tal".
Mas para o Virgílio o dia era de festa. Fazia anos, casava o filho com uma rapariga que ele considerava filha de todo o coração e que o amava da mesma maneira.
Por isso contactou logo um amigo que tinha a mania da fotografia e era Capitão. O capitão Alves que também gostava assim de uns copinhos que lhe alegrassem a vida. Decidiu dar um almoço comemorativo, para quem convidou para além dos já citados, o jornalista César Camacho (já falecido) que se encontrava então na cidade para fazer umas reportagens sobre os Açores. Eu gostava muito dele, conversávamos imenso e achava-o um homem encantador. Por isso ficou decidido que ele seria, juntamente com o nosso amigo Fritz testemunha do acto.
Pouco antes das 4 da tarde estava com o meu companheiro e o Fritz dentro do carro que este alugara, na marginal de Ponta Delgada. Na rádio começou a tocar "Fernando" dos Abba. As lágrimas vieram-me aos olhos, porque eu não ia casar por amor mas para fugir de um amor chamado Fernando.
A cerimónia foi rápida. O Alves não apareceu porque tinha bebido demais ao almoço. Tenho assim a honra de informar que não existe uma só fotografia para recordar aquele dia desastroso que o César classificou como o único casamento de verdade a que tinha assistido. Eu apresentei-me de calças de ganga e uma túnica que tinha comprado numa viagem a Marrocos. O meu companheiro com a roupa de todos os dias acho... francamente não me lembro. Tenho até dificuldade de me lembrar das suas feições. Mas ele sim, também estava feliz... Foi o que aconteceu há 32 anos... e hoje como não sabia do que falar decidi contar um pouco mais das minhas estórias.
Ah! já me esquecia... quando saí da Conservatória passei pelos Correios e enviei um telegrama aos meus pais que dizia "acabo de casar. stop. beijos"
17 junho, 2008
E daí? (Proibição Inútil e Ilegal) - Gal Costa (clica aqui)
Apelo à poesia
Por que vieste? — Não chamei por ti!
Era tão natural o que eu pensava,
(Nem triste, nem alegre, de maneira
Que pudesse sentir a tua falta... )
E tu vieste,
Como se fosses necessária!
Era tão natural o que eu pensava,
(Nem triste, nem alegre, de maneira
Que pudesse sentir a tua falta... )
E tu vieste,
Como se fosses necessária!
Poesia! nunca mais venhas assim:
Pé ante pé, covardemente oculta
Nas idéias mais simples,
Nos mais ingênuos sentimentos:
Um sorriso, um olhar, uma lembrança...
— Não sejas como o Amor!
Pé ante pé, covardemente oculta
Nas idéias mais simples,
Nos mais ingênuos sentimentos:
Um sorriso, um olhar, uma lembrança...
— Não sejas como o Amor!
É verdade que vens, como se fosses
Uma parte de mim que vive longe,
Presa ao meu coração
Por um elo invisível;
Mas não regresses mais sem que eu te chame,
— Não sejas como a Saudade!
Uma parte de mim que vive longe,
Presa ao meu coração
Por um elo invisível;
Mas não regresses mais sem que eu te chame,
— Não sejas como a Saudade!
De súbito, arrebatas-me, através
De zonas espectrais, de ignotos climas;
E, quando desço à vida, já não sei
Onde era o meu lugar...
Poesia! nunca mais venhas assim,
— Não sejas como a Loucura!
De zonas espectrais, de ignotos climas;
E, quando desço à vida, já não sei
Onde era o meu lugar...
Poesia! nunca mais venhas assim,
— Não sejas como a Loucura!
Embora a dor me fira, de tal modo
Que só as tuas mãos saibam curar-me,
Ou ninguém, se não tu, possa entender
O meu contentamento,
Não venhas nunca mais sem que eu te chame,
— Não sejas como a Morte!
Que só as tuas mãos saibam curar-me,
Ou ninguém, se não tu, possa entender
O meu contentamento,
Não venhas nunca mais sem que eu te chame,
— Não sejas como a Morte!
(Carlos Queirós)
My lord ou Milord?
Sento-me no Metro a ler "O quase fim do mundo" de Pepetela que me foi oferecido pelo meu filho mais velho no dia da mãe. Desde que comecei aproveito todos os bocadinhos, a estória está bem escrita como era de esperar e é muito imaginativa, bem ao meu gosto. Agora num aparte, devo dizer que alguns escritores africanos estão a deixar a escrita que usavam para passarem a ser mais europeístas na mesma. Compreendo que o façam, porque muitos autores africanos só conseguem ser lidos por quem é africano ou por quem viveu em África ou ainda por aqueles que têm uma proximidade muito grande com africanos. Porque a linguagem é bem diferente, o "calão" se assim se pode chamar a palavras imaginativamente inventadas não é entendido pela maioria dos europeus. E faço ideia do esforço que terá que fazer um tradutor para que o livro seja lido por um francês ou por um inglês.
E lá vou eu por caminhos que aqui não me trouxeram. Uma paragem a seguir sentou-se à minha frente um senhor com ar de "english lord". Perfeito nos seus quase com certeza 80 anos. Entretanto o meu telemóvel tocou eu marquei a página do livro atendi e quando recomeçava a ler o senhor dirigiu-se-me e perguntou quem era aquele autor, tinha estado a olhar curioso para a capa do livro, o nome dizia-lhe alguma coisa mas ele não conseguia identificar.
Expliquei que era um autor angolano e que aquele era o seu último romance editado. Perguntou-me ainda se era homem ou mulher (o nome afinal pode ser lido como sendo feminino, sobretudo na nossa língua) e expliquei que era um homem. Perguntou-me ainda o nome daquele outro que também era muito conhecido e era moçambicano. Respondi Mia Couto? e ele disse esse mesmo. Foi um prazer conversar consigo. Já leio muito pouco mas gosto muito de conversar com quem lê.
Num país onde as pessoas mal se falam, mal se olham esta cena deixou-me feliz. E fiquei triste porque o senhor teve que sair numa paragem bem antes da minha... afinal podíamos ter conversado um pouco mais... quem sabe volto a encontrá-lo e então terei oportunidade para conversar um pouco mais sobre livros e autores africanos que me parece o interessam tanto.
Obrigada por se me ter dirigido, "my lord".
16 junho, 2008
Smile - Chaplin by Nat King Cole (clica aqui)
Fingimentos poéticos
"finge tão completamente"
Faz-me falta a tristeza
para o verso:
falta feroz de amante,
ausência provocando dor maior.
Tristeza genuína, original,
a rebentar entranhas e navios
sem mar.
Tristeza redundando em mais
tristeza, desaguando em métrica
de cor.
Recorro-me a jornal, mas é
em vão. A livros russos (largos
e sombrios).
Em provocado rio de depressão,
nem zepellin: balão
a ervas rente.
Um arrastão sonhando-se
navio.
Só se for o que diz o que
deveras sente.
A sério: o Zepellin.
Mas coração:
combóio cuja corda
se partiu.
(Ana Luisa Amaral)
Um videogame, vá lá, pá.
O Verão está aí, apesar do dia menos bonito de hoje mas as disposições dos portugueses (julgo que dos europeus em geral, não é das mais festivas). Esperemos que pelo menos o Verão traga bom tempo e se acabem os terramotos, os tufões, as cheias e todas as desgraças que têm assolado o planeta. Para desgraça já basta o que basta: a inércia a que se remeteu a Europa para tentar resolver o problema do aumento dos preços dos combustíveis. Melhor: para combater a especulação porque o problema de fundo é esse, todos sabemos. Antigamente os combustíveis aumentavam quando o petróleo aumentava. Agora aumenta ainda que o preço do crude baixe. Quando os governos controlavam o preço dos combustíveis isto não era assim. Bem sei que o preço dos petróleo tem aumentado imenso, bateu níveis históricos, mas alguma coisa deve poder ser feita para impedir os senhores do petróleo de continuarem com esta escalada. Afinal a maior parte da Europa não está do lado do senhor Bush nas guerras contra o islamismo... porque é que havemos de ser penalizados porque um louco sobre a terra, assessorado por mais meia dúzia a quem foi retirado o apoio nas ruas das principais cidades europeias, insiste que as guerras são porreiras, pá?
Não haverá ninguém que lhe ofereça um vídeo game que o deixe entretido até ao fim do mandato a ver se as pessoas de bom senso resolvem esta matéria?
15 junho, 2008
Receita para fazer o azul
Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas a s cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz – eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé – e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas a s cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz – eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé – e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.
(Nuno Júdice)
Passei à tua porta
Hoje passei à tua porta. Mas, afinal, já não era a tua porta. O teu carro estava lá mas já não era o teu carro à tua porta. A roupa estava estendida no varal, mas já não era a tua roupa no varal... à primeira vista estava tudo com dantes mas não era a tua casa. Não era a porta da tua casa. Não existia ali nada que me fizesse lembrar que exististe. Nada me diz se ainda existes, para mim é como se nunca tivesses existido, como se tudo não tivesse passado de um sonho mau com algumas gargalhadas pelo meio.
Quando as coisas deixam de existir, quero dizer, as nossas coisas, é como se tivéssemos deixado de existir. Só continuamos a existir para aqueles que nos amam. Para os outros, todos os outros, aqueles que nos amaram ou julgaram amar, os que nos odiaram ou julgar odiar, para todos os outros deixamos de existir. As nossas coisas deixam de ser as nossas coisas e, para eles, passam a ser apenas coisas.
Talvez também tu já tenhas passado por isto, talvez tivesses sentido qualquer coisa semelhante, mas o mais certo é não te teres apercebido, com essa pressa que tens de fazer as coisas, essa mania de andar tão depressa que tudo fica pelo meio, a tua vida ficou pelo meio, os teus amigos ficam pelo meio, as conversas para sempre inacabadas, inexistentes... Assim és e assim serás. Sempre. Se eu te amasse não veria as coisas deste modo. Mas não amo. E o facto de ter deixado de sentir o que quer que fosse pelas tuas coisas, pelo que eu pensava que eram as tuas coisas, matou-te dentro de mim. E matou-te tão fundo que é como se nunca tivesses existido, como se jamais tivesses nascido, como se nunca te tivesse conhecido.
Se passar hoje por ti é como se passasse por um estranho. Alguém que talvez tenha um rosto vagamente familiar, mas mais nada... e não penses que me sinto feliz por isso. Não, não sinto. O que sinto de bom em relação a tudo o que hoje percebi quando passei à tua porta, é alívio. Como se tivesse largado um fardo bem pesado pelo caminho, algo que não voltará a incomodar-me a magoar-me a amar-me...
14 junho, 2008
Força Estranha - Gal Costa (clica aqui)
Eu vi um menino correndo
eu vi o tempo brincando ao redor
do caminho daquele menino,
eu pus os meus pés no riacho.
E acho que nunca os tirei.
O sol ainda brilha na estrada que eu nunca passei.
Eu vi a mulher preparando outra pessoa
O tempo parou pra eu olhar para aquela barriga.
A vida é amiga da arte
É a parte que o sol me ensinou.
O sol que atravessa essa estrada que nunca passou.
Por isso uma força me leva a cantar,
por isso essa força estranha no ar.
Por isso é que eu canto, não posso parar.
Por isso essa voz tamanha.
eu vi o tempo brincando ao redor
do caminho daquele menino,
eu pus os meus pés no riacho.
E acho que nunca os tirei.
O sol ainda brilha na estrada que eu nunca passei.
Eu vi a mulher preparando outra pessoa
O tempo parou pra eu olhar para aquela barriga.
A vida é amiga da arte
É a parte que o sol me ensinou.
O sol que atravessa essa estrada que nunca passou.
Por isso uma força me leva a cantar,
por isso essa força estranha no ar.
Por isso é que eu canto, não posso parar.
Por isso essa voz tamanha.
Teatro da boneca
A menina tinha os cabelos louros.
A boneca também.
A menina tinha os olhos castanhos.
Os da boneca eram azuis.
A menina gostava loucamente da boneca
A boneca ninguém sabe se gostava da menina.
Mas a menina morreu.
A boneca ficou.
Agora já ninguém sabe se a menina gosta da boneca.
A boneca também.
A menina tinha os olhos castanhos.
Os da boneca eram azuis.
A menina gostava loucamente da boneca
A boneca ninguém sabe se gostava da menina.
Mas a menina morreu.
A boneca ficou.
Agora já ninguém sabe se a menina gosta da boneca.
E a boneca não cabe em nenhuma gaveta.
A boneca abre as tampas de todas as malas.
A boneca é maior que a presença de todas as coisas.
A boneca está em toda a parte.
A boneca enche a casa toda.
A boneca abre as tampas de todas as malas.
A boneca é maior que a presença de todas as coisas.
A boneca está em toda a parte.
A boneca enche a casa toda.
É preciso esconder a boneca.
É preciso que a boneca desapareça para sempre.
É preciso matar, é preciso enterrar a boneca.
A boneca.
É preciso que a boneca desapareça para sempre.
É preciso matar, é preciso enterrar a boneca.
A boneca.
A boneca.
(Carlos Queirós)
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