18 junho, 2008

Stop. Beijos.


Há 32 anos pelas 9 da manhã, cruzei-me numa das ruas principais de Ponta Delgada com o Conservador da cidade de quem já não recordo o nome, mas de que lembro perfeitamente a figura. Era um homem envelhecido pelo álcool e era muito amigo do meu pai Virgílio com quem costumava iniciar o dia a beber gin tónico, antes que cada um deles se dirigisse ao seu local de trabalho.
Eu tinha decidido há poucos dias fazer a vontade à família e legalizar a minha união de facto. Afinal estava grávida do meu primeiro filho e sabia que seria um desgosto muito grande para a minha mãe que não estivesse casada quando ele nascesse. Por isso tinha mandado pedir os papéis necessários para o casamento e o prazo para o fim do decorrer dos "banhos" estava longe. O meu querido Virgílio fazia anos nesse dia. E o Conservador passou por mim e disse-me, casas hoje às 4 da tarde. Assim. Sem mais nem menos.
Qualquer mulher ficaria com certeza bem atrapalhada numa situação destas. Afinal é o dia com que a maioria das raparigas sonha. Entrei no Gil, onde o meu pai Virgílio costumava iniciar o dia com o seu amigo e demos-lhe a novidade. Ficou encantado, puxou da carteira e disse-me vai comprar um vestido bem bonito. Recusei a oferta. Não me sentia noiva, não queria casar de noiva, para mim aquele era um dia igual a todos os outros com a diferença de que teria que entrar na Conservatória às 4 da tarde, acompanhada do meu companheiro e duas testemunhas para assinar uns papéis que fariam de mim a senhora "fulana de tal".
Mas para o Virgílio o dia era de festa. Fazia anos, casava o filho com uma rapariga que ele considerava filha de todo o coração e que o amava da mesma maneira.
Por isso contactou logo um amigo que tinha a mania da fotografia e era Capitão. O capitão Alves que também gostava assim de uns copinhos que lhe alegrassem a vida. Decidiu dar um almoço comemorativo, para quem convidou para além dos já citados, o jornalista César Camacho (já falecido) que se encontrava então na cidade para fazer umas reportagens sobre os Açores. Eu gostava muito dele, conversávamos imenso e achava-o um homem encantador. Por isso ficou decidido que ele seria, juntamente com o nosso amigo Fritz testemunha do acto.
Pouco antes das 4 da tarde estava com o meu companheiro e o Fritz dentro do carro que este alugara, na marginal de Ponta Delgada. Na rádio começou a tocar "Fernando" dos Abba. As lágrimas vieram-me aos olhos, porque eu não ia casar por amor mas para fugir de um amor chamado Fernando.
A cerimónia foi rápida. O Alves não apareceu porque tinha bebido demais ao almoço. Tenho assim a honra de informar que não existe uma só fotografia para recordar aquele dia desastroso que o César classificou como o único casamento de verdade a que tinha assistido. Eu apresentei-me de calças de ganga e uma túnica que tinha comprado numa viagem a Marrocos. O meu companheiro com a roupa de todos os dias acho... francamente não me lembro. Tenho até dificuldade de me lembrar das suas feições. Mas ele sim, também estava feliz... Foi o que aconteceu há 32 anos... e hoje como não sabia do que falar decidi contar um pouco mais das minhas estórias.
Ah! já me esquecia... quando saí da Conservatória passei pelos Correios e enviei um telegrama aos meus pais que dizia "acabo de casar. stop. beijos"

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