"Conheci" o António, por um mero acaso. Almoçávamos sempre no mesmo sítio. Percebi que ele trabalhava no ministério que eu abandonara e quando eu ou ele não tínhamos mesa, sentávamo-nos na mesma. Queixava-se do serviço, da falta de oportunidades, da estagnação na carreira, de uma série de coisas em que eu já me tornara perita por ter trabalhado para a mesma entidade. Um dia abriu concurso para o meu serviço, eu disse-lhe e ele concorreu. Um belo dia cruzá-mo-nos no hall do edifício onde eu trabalhava. Eu já sabia que ele tinha conseguido ficar classificado mas nunca pensei que numa instituição com tantos edifícios e serviços ele fosse parar ao meu. Fiquei satisfeita, dei-lhe as boas vindas, desejei que ele fosse tão feliz quanto eu era ali.
O António tem várias deficiências físicas, julgo que fruto de um acidente de automóvel. É um homem tímido, daqueles que quase pedem desculpa por ter nascido e dono de uma esmerada educação. Trata as senhoras com toda a deferência, é respeitador, enfim, um colega perfeito embora eu nunca tenha trabalhado com ele directamente.
Nestes anos todos, os nossos hábitos mudaram, já não almoçávamos no mesmo sítio à mesma hora mas cruzáva-mo-nos com frequência è entrada. Um dia subiu comigo no elevador e disse-me uma coisa muito bonita, que eu era muito boa pessoa, que toda a gente gostava de mim porque eu tratava bem toda a gente... fiquei admirada. Pensei para mim que não era com certeza uma excepção. A menos que alguém nos faça alguma daquelas imperdoáveis porque havemos deixar de a tratar como deve se? Mas o António disse-me aquilo e eu acho que até corei.
Os anos foram passando. Há pouco tempo a minha equipa mudou de edifício, eu adoeci, voltei a trabalhar, estive de férias e esta semana num pulo que dei ao antigo edifício para cumprimentar a segurança que é uma mulher de quem gosto muito, pela alegria e por ser tão genuinamente alfacinha, vi o António. Perguntou-me se tinha estado de férias que não me via há tanto tempo. Expliquei-lhe que tinha estado doente e enfim, havia muita gente ali naquela altura, despedi-me assim às três pancadas porque vi que ele estava a tratar de um qualquer assunto.
Hoje ligaram para a minha equipa a perguntar se alguém sabia a minha extensão do telefone, a colega que atendeu disse que sim e qual era e logo a seguir o meu telefone tocou. Era o António. Que se vai embora dali, hoje foi o seu último dia de trabalho ali, vai trabalhar para um Centro de Saúde perto de casa e queria dar-me os seus contactos porque era uma pessoa de quem iria sentir falta. Retribuí: dei-lhe os meus contactos, desejei-lhe todas as felicidades do mundo (sei que ali ele não teve a mesma sorte que eu e não foi tratado com a dignidade que qualquer pessoa merece. E fiquei a pensar para os meus botões que não merecia tanta delicadeza da parte de alguém que mal me conhece. Mas confesso que no fundo me senti muito vaidosa por saber que durante alguns anos alguém achou que a minha presença era uma "luz" na sua vida... palavras do António!
Que sejas muito feliz! De todo o meu coração.
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