Hoje passei à tua porta. Mas, afinal, já não era a tua porta. O teu carro estava lá mas já não era o teu carro à tua porta. A roupa estava estendida no varal, mas já não era a tua roupa no varal... à primeira vista estava tudo com dantes mas não era a tua casa. Não era a porta da tua casa. Não existia ali nada que me fizesse lembrar que exististe. Nada me diz se ainda existes, para mim é como se nunca tivesses existido, como se tudo não tivesse passado de um sonho mau com algumas gargalhadas pelo meio.
Quando as coisas deixam de existir, quero dizer, as nossas coisas, é como se tivéssemos deixado de existir. Só continuamos a existir para aqueles que nos amam. Para os outros, todos os outros, aqueles que nos amaram ou julgaram amar, os que nos odiaram ou julgar odiar, para todos os outros deixamos de existir. As nossas coisas deixam de ser as nossas coisas e, para eles, passam a ser apenas coisas.
Talvez também tu já tenhas passado por isto, talvez tivesses sentido qualquer coisa semelhante, mas o mais certo é não te teres apercebido, com essa pressa que tens de fazer as coisas, essa mania de andar tão depressa que tudo fica pelo meio, a tua vida ficou pelo meio, os teus amigos ficam pelo meio, as conversas para sempre inacabadas, inexistentes... Assim és e assim serás. Sempre. Se eu te amasse não veria as coisas deste modo. Mas não amo. E o facto de ter deixado de sentir o que quer que fosse pelas tuas coisas, pelo que eu pensava que eram as tuas coisas, matou-te dentro de mim. E matou-te tão fundo que é como se nunca tivesses existido, como se jamais tivesses nascido, como se nunca te tivesse conhecido.
Se passar hoje por ti é como se passasse por um estranho. Alguém que talvez tenha um rosto vagamente familiar, mas mais nada... e não penses que me sinto feliz por isso. Não, não sinto. O que sinto de bom em relação a tudo o que hoje percebi quando passei à tua porta, é alívio. Como se tivesse largado um fardo bem pesado pelo caminho, algo que não voltará a incomodar-me a magoar-me a amar-me...
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