08 julho, 2007

Reportagem


Aborrecido, passeio
Pelas ruas da cidade.
Deixei agora o Rossio
E atravesso o Borratém.
Deu meia-noite pausada
No Carmo. Um amigo meu
Passa e tira-me o chapéu.
Paro a uma esquina. Esmoreço
Numa saudade que surge
Dentro de mim não sei como:
Uma saudade infinita,
Misto de choro e revolta.
Alguém me chama no escuro:
Volto a cabeça. A uma porta
Um vulto mexe. - Sou eu!,
Não fuja, sou eu... - Mas quem?
Retrocedo, não conheço
A mulher que me chamou.
Na verdade ninguém ouve,
Ninguém distingue o apelo
Do amor que anda perdido
No mistério de mentir:
Deixo-a ficar onde estava;
Dou-lhe um cigarro e um sorriso
Dizendo que vou dormir.
Atira-me boa-noite
Num frio olhar de ofendida.
Meto à rua do Amparo
A perguntar se esta vida
Não terá finalidade
Menos sórdida e banal?
Atafonas. Uma Igreja.
Mais acima o Hospital.
Um marinheiro propõe
A esta que atravessou
A rua do Benformoso
Irem tomar qualquer coisa
Na Leitaria da Guia.
Ela pára. É uma catraia
Que talvez não tenha ainda
Dezasseis anos. Bonita.
Devagar vou-me chegando
Xaile, uma blusa, uma saia...
E oiço a fala dos dois.
Ele parece uma onda,
Impetuoso, alagante.
Ela é um breve bandó
Num corpito provocante.
E seguem... Ele, encostado,
Muito encostado e aquecido
Lá vai como se encontrasse
Um objecto perdido
Que foi milagre encontrá-lo...
Cortaram além!... E param?
Oiço o rebate de um estalo
E um grito subtil de prece
Amedrontada na fuga...
Desço ao Marquês do Alegrete.
Um candeeiro sinistro
Numa casa que se aluga...
Vejo um polícia. Arrefece.
Um grupo de três sujeitos
Discute o vinho de Torres.
Varrem as ruas. Um gato
Bebe água numa sarjeta;
Uma carroça parou
Carregada de hortaliça
Junto à Praça da Figueira.
Corto a rua dos Fanqueiros
Já um pouco estropiado...
Acendo um cigarro. A noite
Lembra um fantasma assustado...
Chego ao Terreiro do Paço.
O arco da rua Augusta
Parece mais imponente
Na minha desolação...
Vou até ao cais. Em baixo
O rio bate sem reacção...
A maré vasa. No céu,
Vão-se apagando as estrelas.
Um guarda-fiscal dormita
Na guarita, mas de pé.
Um velhote com um cesto
E uma lata vem dizer-me
Se eu quero beber café.
Num banco de pedra. Cismo.
E ali me fico a cismar
Em coisa nenhuma... O dia
Principia a querer ser
Mais um passo na incerteza
Das nossas aspirações...
As águas do rio a escutar
Parecem adormecidas...
E o dia nasce! Vem triste,
Nublado, fosco, cinzento,
Enquanto pela cidade
A vida acorda e desata
O matinal movimento...

(António Botto)

Ouve-me pelo menos hoje, José.

Eu bem dizia aqui ontem que o mal é ouvir notícias. Até a minha digestão piora. As minhas úlceras de estimação não gostam de notícias. E eu insisto. O jesus castiga. Ou como dizia o António "o corpo é que paga".
Ontem no eixo do mal mostrava-se uma peça em que se podia ver Jaime Silva desrespeitando claramente um cidadão do seu país. Quando o homem protestava por causa do estado (mau estado) a que chegaram as pescas em Portugal por causa da UE, ele respondeu-lhe malcriadamente.
Jaime Silva, a quem me recuso a dar o nome de senhor, porque é senhor quem sabe e não quem quer; é senhor quem é educado; quem não o é, não merece qualquer consideração... como dizia, Jaime Silva deve achar-se mais importante com a sua licenciatura em economia do que o pescador que arrisca a vida todos os dias em alto mar para ganhar o pão para a boca. Jaime Silva é com certeza um dos que acham que há cidadãos de primeira e de segunda (os cidadões, claro!).
Todos os dias podemos assistir ao triste espectáculo dado pelos ministros deste governo.
E José o que faz? Nada como sempre. Jaime continuará a dizer disparates. A ser contestado por agricultores e pescadores; e como ninguém se dá o trabalho de lhe dar nem que seja um puxão de orelhas, continuará a tratar mal os cidadãos deste país que lhe pagam o ordenado.
Eu bem sei que não adianta. Mas ouve José. Ouve-me pelo menos desta vez: demite o Jaime, já que ele não se demite como devia!

07 julho, 2007

Tracy Chapman crossroad (clica aqui)

All you folks think you run my life
Say I should be willing to compromise
I say all you demons go back to hell
I'll save my soul save myself

Arre, que tanto é muito pouco!


ARRE, que tanto é muito pouco!
Arre, que tanta besta é muito pouca gente!
Arre, que o Portugal que se vê é só isto!
Deixem ver o Portugal que não deixam ver!
Deixem que se veja, que esse é que é Portugal!
Ponto.

Agora começa o Manifesto:
Arre!
Arre!
Oiçam bem:
ARRRRRE!

(Álvaro de Campos )

A minha opinião.

"Mesmo por pretextos fúteis, a alegria é o que nos torna os dias úteis". Assim o meu dia foi de uma utilidade que nem vos passa pela cabeça. Um dia bem aproveitado, com um bocadinho de tudo, desde a devoção à obrigação. Todo com muita alegria. Afinal hoje 07-07-07, não é um dia repetível. Como todos os outros que já passaram. Mas talvez os números me tenham dado a sensação de que é necessário tornar todos os dias úteis, vivendo cada segundo com alegria. Essa mesmo alegria que muitas vezes me vem faltando quando me ponho a pensar nos que governam este país.
Acontece que não ouço notícias há três dias. Acontece que sou feliz quando não ouço notícias. Acontece que o melhor que tenho a fazer é ver apenas programas que não contenham informação (bem sei que não tarda nada estou a ver o Eixo do Mal e apesar da disposição com que é feito, acabarei por tomar conhecimento de coisas de que não vou gostar...mas a este não consigo escapar). Vícios.
Mas de rádio só ouço estações com música e se por acaso começam a dar notícias, "desligo-me" entro em "stand-by" e espero que passe. Rapidamente.
Um dia que começou com praia, e se prolongou até ao CCB e à famosa colecção Berardo. Que achei que não vale tanto barulho. Afinal tem apenas uma Paula Rego, dois Picasso e dois Miró. É claro que tem Fernando Lemos e outros que valem a pena. Mas só quem não conhece os museus de arte contemporânea por essa Europa fora, pode sentir-se tão orgulhoso... Mas é claro que o meu personagem predilecto actual tem que ter muito dinheiro para ter conseguido uma colecção destas... Mas para mim continua a ser um pavão a querer aparecer à força em tudo quanto é telejornal. O hábito não faz o monge assim como o dinheiro não faz de Joe um homem culto.
É a minha opinião.

06 julho, 2007

Vapor de Cachoeira - Maria Bethânia (clica aqui)

O vapor de Cachoeira
Não navega mais no mar
Bota o remo, toca o buso
Nós queremos navegar

Ultimatum - Álvaro de Campos por Maria Bethânia (clica aqui)

Sufoco de ter só isto à minha volta!
Deixem-me respirar!
Abram todas as janelas!
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo!

Esquecida da vida

"Quando eu morrer voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar".
A filha de D. Canô veio mais uma vez fazer um concerto ao coliseu dos recreios de Lisboa. Para cantar o mar, os seres do mar, os homens e as mulheres do mar. Mas também dos rios, dos lagos. Para falar do Amazonas e da Amazónia. Para dizer poesia como só ela sabe. Para pôr um povo triste, de pé a dançar ao som do samba, como se toda a vida tivesse vivido com o samba. Mas também para falar de Alfama virada para o Tejo e dos marinheiros portugueses. E das descobertas. E dos descobrimentos.
Um concerto inesquecível. Tal como o vinho do Porto, Betânia só melhora. Porque a sua voz continua magnífica e inigualável. E ela tem muitos anos de estrada. Hoje é uma profissional de alto gabarito. De mau génio diz-se. Mas a verdade é que ficando sem som, chamou o técnico e quando recuperou o som, pegou na canção que interrompera no ponto exacto em que tinha ficado. Com uma classe só possível a quem sabe muito bem o que está a fazer.
Gostei do cenário pela sua simplicidade. Maria não precisa de mais do que umas nuvens por trás, batidas por luzes de diferentes cores.
Gostei do guarda roupa da primeira parte e detestei o da segunda. Mas logo que ela recomeçou a cantar esqueci. Porque ouvindo-a a gente esquece tudo. Esquece até da vida.
Ouvindo Maria Betânia, ela deixa de ser uma mulher feia para ser apenas uma mulher plena que nasceu para cantar e dar cor à vida de todos os que se dão ao trabalho de a escutar. Com a devida atenção.

04 julho, 2007

Sonho Impossível - Maria Bethania (clica aqui)

É minha lei, é minha questão
Virar este mundo, cravar este chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz

Coração polar

Não sei de que cor são os navios
quando naufragam no meio dos teus braços
sei que há um corpo nunca encontrado algures no mar
e que esse corpo vivo é o teu corpo imaterial
a tua promessa nos mastros de todos os veleiros
a ilha perfumada das tuas pernas
o teu ventre de conchas e corais
a gruta onde me esperas
com teus lábios de espuma e de sal
sugemos teus naufrágios
e a grande equação do vento e da viagem
onde o acaso floresce com seus espelhos
seus indícios de rosa e descoberta.
Não sei de que cor é essa linha
onde se cruza a lua e a mastreação
mas sei que em cada rua há uma esquina
uma abertura entre a rotina e a maravilha.
Há uma hora de fogo para o azul
a hora em que te encontro e não te encontro
há um ângulo ao contrário
uma geometria mágica onde tudo pode ser possível
há um mar imaginário aberto em cada página
não me venham dizer que nunca mais
as rotas nascem do desejo
e eu quero o cruzeiro do sul das tuas mãos
quero o teu nome escrito nas marés
nesta cidade onde no sítio mais absurdo
num sentido proibido ou num semáforo
todos os poentes me dizem quem tu és.

(Manuel Alegre)

Como olhar-me no espelho

(Para a filha e para a neta de Zé Pepe. Por razões diferentes. Mas sempre com amizade.)
Não consigo olhar-me ao espelho. Quer dizer, vejo o cabelo, o nariz, a boca. Sobretudo a boca. Mas não me olho. Não olho os meus olhos. Ainda sinto na boca o beijo. O beijo dela. O beijo que me tirou o sossego. O beijo que me troxe a vergonha.
Aprendi o que é certo e errado. De pequenina. Sempre fui bem comportada. Não casei porque nunca tive um namorado que me fizesse ter vontade de casar. Sentia que faltava qualquer coisa na minha vida mas já estava habituada. A gente habitua-se. À tranquilidade com uma facilidade ainda maior. E eu estava assim. Tranquila. Passeava com as minhas amigas, tinha o meu trabalho, sempre me dei bem com as colegas, sou sossegada por natureza, não entro em conflitos, não sou uma guerreira. Aceito. Tenho aceitado sempre o que a vida me dá.
Nunca gostei de gente diferente. E para mim os homossexuais são diferentes. Não são gente normal. Não se pode contar com eles para constituir família, formar um lar. Foi o que sempre pensei.
Mas hoje.
Hoje ela beijou-me. E eu gostei. E é por isso que não consigo mais olhar-me no espelho. Como vou viver daqui por diante. Como é que eu posso amar outra mulher, se sei muito bem que isso está errado. Sempre esteve. Se decido avançar apesar de tudo. Se os meus sentimentos forem mais fortes do que noção do bem e do mal. Como viver com isso? O que digo aos meus pais que sempre me educaram como católica. Como volto a entrar na missa. Como olhar o Jesus crucificado e crucificá-lo por mais este meu pecado.
Mas sobretudo. A partir de hoje. Como olhar-me no espelho.

03 julho, 2007

When We Dance - Sting (clica aqui)

I'm still in love with you
[I'm gonna find a place to live
Give you all I've got to give]
When we dance, angels will run and hide their wings
When we dance, angels will run and hide their wings

O quotidiano "não"


Estamos todos bem servidos
de solidão.
De manhã a recolhemos
do saco, em lugar de pão.

Pão é claro que temos
(não sou exageradão)
mas esta imagem do saco
contendo um pequeno «não»

não figura nesta prosa
assim do pé para a mão,
pois o saco utilizado,
que pode ser o do pão,

recebe modestamente
a corriqueira fracção
desse alimento que é
tão distribuído, tão

a domicílio como
o leite ou o pão.
Mas esse leitor aí
(bem real!) já diz que não,

que nunca viu no tal saco
o tal «não».
Ao que o poeta responde,
sem maior desilusão:

- Para dizer a verdade,
eu também não...
Mas estava confiante
na sua imaginação

(ou na minha...) e que sentia
como eu a solidão
e quanto ela é objecto
da carinhosa atenção

de quem hoje nos fornece
o quotidiano «não»,
por todos os meios, desde
a fingida distracção,

até ao entre-parêntesis
de qualquer reclusão...


(Alexandre O´Neill)

Mesmo pequenino!

Às vezes aproveito o tempo que gasto nos comboios e no metro para observar as pessoas. Quase sempre aparece alguém mais interessante, alguém que chama a minha atenção, às vezes por muito, outras por muito pouco. Hoje a única pessoa que me chamou a atenção era uma mulher entre os 40 e os 50 anos, cabelo com madeixas alouradas, brincos de argolas (pechisbeque dourado) com argolas por dentro e uma blusa que do sítio onde eu estava me parecia de lantejoulas, mas depois quando ela se levantou, percebi que apenas o decote era de pedraria... achei um bocadinho despropositado, mas isto cada um anda como quer, que assim é que é bonito e se não fosse esta variedade que graça teria? De que falaria eu hoje? Provavelmente de mim, mais uma vez, das poucas qualidades e muitos defeitos, mas qualquer dia hão-de pensar que o meu umbigo é do tamanho do mundo.
Por isso voltemos ao comboio onde observei atentamente todos os rostos que viajavam voltados para mim. Em nenhum deles vislumbrei aquele sorriso idiota dos apaixonados que, cada vez mais raramente é certo, às vezes vejo.
Vi gente cansada, a dormitar, ao telemóvel sem qualquer expressão especial, a olhar pela janela com ar de quem vai a pensar nas contas por pagar e não a apreciar a paisagem que, diga-se de passagem é bem bonita.
Este é o país que temos. Estes são os cidadãos (e cidadões, também) deste país. Mas, aqui entre nós, quem é que em seu perfeito juízo se pode sentir feliz, sabendo que pode ser espiado e delatado por qualquer coisa que, por mais ínfima que nos pareça, nos pode trazer uma carga de trabalhos, para já não falar na possibilidade, sempre presente, de podermos vir a fazer parte do número de desempregados deste nosso país, tão pequenino. Pequenino mesmo, claro!

02 julho, 2007

Cry Me A River - Diana Krall (clica aqui)

Now you say you love me
Well, just to prove that you do
Come on and cry me a river
Cry me a river
I cried a river over you

À beira de água



Estive sempre sentado nesta pedra
escutando, por assim dizer, o silêncio.
Ou no lago cair um fiozinho de água.
O lago é o tanque daquela idade
em que não tinha o coração
magoado. (Porque o amor, perdoa dizê-lo,
dói tanto! Todo o amor. Até o nosso,
tão feito de privação.) Estou onde
sempre estive: à beira de ser água.
Envelhecendo no rumor da bica
por onde corre apenas o silêncio.

(Eugénio de Andrade)

Vidinha complicada

Aqui há dias, Paulo Kellerman assegurava-me, perante a minha descrença, que o amor existe e não se trata apenas de algo inventado, como as religiões, para nos ajudar a sobreviver aos terremotos ou maremotos desta vida. Quando tinha a idade de Paulo também eu acreditava piamente que as coisas eram assim... e talvez sejam. Talvez eu seja apenas uma daquelas mulheres que são de um homem só, por muitos que passem na minha vida... mas não sei.
Na realidade o homem de quem diria que foi o amor da minha vida, não o escolhi. Deixei que me escolhesse. Nada ou muito pouco tínhamos em comum. Não gostávamos dos mesmo filmes, dos mesmos livros, e na música também havia algumas divergências de fundo. No entanto ele era o amor da minha vida e por isso eu levei anos a ver filmes que detestava e a ouvir opiniões que não tinham nada a ver com o que eu pensava. Nem o clube de futebol era o mesmo, vejam bem...
Por isso o que me trouxe unida a esse homem durante tanto tempo? O amor. Só podia ser. Só que, como muito bem diz Carlos Tê não se ama alguém que não ouve a mesma canção... e bastou que a confiança fosse quebrada para que me fosse impossível voltar a pensar em amar aquele homem. Hoje somos bons amigos mas quando estou com ele o coração não bate mais forte, como bateu durante muitos anos.
Depois disso vários homens passaram na minha vida, uns com mais outros com menos importância. Julguei até que me tinha voltado a apaixonar por um deles. Mas era ilusão, uma vez que o retirei da minha vida com uma facilidade assustadora... até para mim. E daí para cá convenci-me de que o amor não existe mesmo e que é realmente uma invenção para podermos ir levando mais facilmente uma vidinha, a maioria das vezes sem um objectivo que valha a pena. E quando os filhos estão criados e os netos nos babam com as suas gracinhas, parece que já não é necessário alguém a mais... ou que ,mais alguém estaria realmente a mais... Porque só com um grande amor se vive feliz com alguém que nos enche de presentes, mas nenhum deles é o que gostaríamos de ganhar. É apenas o que ele gostaria que ganhássemos...
Vidinha complicada, hein?

01 julho, 2007

Tell Me What We Gonna Do Now - Joss Stone (clica aqui)

Ooh, forgive me if I get too shy
But maybe you're the reason why
I'm feeling butterflies
There's something 'bout the look in your eyes
Ooh, it just makes me feel so right

A erva da fortuna



A erva da fortuna cresce como por encanto nas orelhas
dos políticos, o primeiro ministro proclama a amnistia
para os cucos dos relógios, o degelo nas relações inter-
nacionais restabelece o nível das águas nas albufeiras,
o ministro da energia esfrega as mãos de contente.
Embora o boletim meteorológico seja controlado pelo
governoo, nuvens cor de chumbo toldam frequentemente
o horizonte, os pescadores de águas turvas procuram o
alto mar, uma chuva de impostos cai de imprevisto ah
a chuva na primavera, escrevem os poetas.


As andorinhas podem passar livremente a fronteira. Os
polícias oferecem grinaldas aos condutores de veículos
mal estacionados. O cio invade a assembleia. Os depu-
tados bombardeiam-se com pólen. Um nostálgico do
outono argumenta: a primavera de Praga também foi
de lagartas nas estradas.


(Jorge Sousa Braga)

"Are you ready for this?"

"Are you ready for this?". De cada vez que ouço esta expressão sinto-me numa montanha russa. E penso que não, não estou preparada para isto, nunca se está, mas mesmo assim tenho que avançar, esperar com o coração aos pulos a partida, sentir a adrenalina das descidas velozes e aproveitar as subidas para ganha fôlego.
A vida é assim, uma montanha russa que não pára jamais. Tanto estamos lá em cima como descemos a pique, só percebemos que fomos felizes quando tudo acabou, só percebemos que éramos saudáveis quando a saúde nos falta e assim por diante.
A idade faz com que alguns de nós consigam aprender as lições e não repetir erros. Outros são ingénuos até à morte. Como eu digo são os imprescindíveis. Os que acham que tudo pára sem a sua presença.. Mas a realidade é outra, não há imprescindíveis, melhor ou pior toda a gente se safa sem a nossa presença.
E ainda bem. Porque o que seria do mundo se todos fossemos imprescindíveis? Há quantos anos teria acabado? Teria sequer começado? O universo é um mistério e o homem faz parte do mistério. Para mim é mesmo o maior mistério. Sobretudo aqueles que se sentem preparados para tudo. Eu não sinto. Gosto de desafios porque me provocam um friozinho na barriga, porque preciso de adrenalina para viver e porque os desafios são necessários para me testar. Ver até onde sou capaz de chegar.
Agora se me perguntarem "are you ready for this?" eu respondo "não, não estou preparada nunca estarei, por mais que me esforce".
É por isso que a vida é tão saborosa.