19 novembro, 2010

no país do faz de conta


nunca digas desta água não beberei é provérbio e verdadeiro. tantas vezes pensei que certos amimais eram amados de modo extremo pelos seus donos e eis-me caminho de lisboa com o mika na box a miar e eu a falar com ele para o acalmar como quem fala com um bebé a explicar que tem que ir à senhora doutora e que faço isto para o bem dele embora compreenda as suas razões e afinal ele deixa de miar e escuta-me de vez em quando mais um miado mas cada vez mais espaçado. em sete rios a polícia afoba-se a rebocar carros mal estacionados faço ideia a cara dos donos quando chegarem e virem que o carro já ali não está hoje é dia grande para motoristas de táxi que quem anda de carro geralmente não sabe usar o metro ali mesmo ao lado e paro para fazer uma pergunta a um polícia e ele diz-me não sei não sou daqui pergunte ao meu colega ali abaixo e eu pergunto e o homem entretido a preparar a grua para levar mais um responde desculpe sou do porto não conheço lisboa e então passa-me pela cabeça vagamente a ideia da cimeira da nato e percebo que o panfleto que um velhote me depositou nas mãos é sobre a cimeira e é do pcp o velhote foi muito simpático e explicou tudo o que eu queria só que eu ainda tive que encontrar um polícia com vontade de me ajudar que foi buscar ao carro o guia da cidade de lisboa e confirmou o que o velho camarada indicara. será que estes dois minutos o impediram de levar mais um carro? não claro que não podem levar a noite toda afinal a polícia de todo o país está a postos é preciso mostrar uma cidade inventada sem carros à superfície muito menos estacionados em cima dos passeios é preciso fazer de conta no país do faz de conta. que é país.

14 novembro, 2010

o melhor do twitter

os chicólatraschicolatras "Qualquer prazer é pouco"

O ron ron do gatinho - Adriana Calcanhoto ( clica aqui)

No passado se dizia
que esse ron-ron tão doce
era causa de alergia
pra quem sofria de tosse.

Tudo bobagem, despeito,
calúnias contra o bichinho:
esse ron-ron em seu peito
não é doença - é carinho


Desnecessária explicação

Que importa a melodia,
se acaso aos outros dou,
com pávida alegria,
o pouco que me sou?

Que importa ao que me sabe
estar só no meu caminho,
se dentro de mim cabe
a glória de ir sozinho?

Que importa a vã ternura
das horas magoadas,
se ao meu redor perdura
o eco das passadas?

Que importa a solidão
e o não saber onde ir,
se tudo, ao coração,
nos fala de partir?

(Daniel Filipe)

já podes vir

não venhas ainda que estou acordada. ouço a chuva lá fora e o gato não sai da janela mesmo quando lhe digo que hás-de vir mais tarde quando ele estiver deitado na minha almofada. sai da janela enfim e estende-se aos meus pés enquanto eu te peço que esperes um pouco porque há muita chuva e muito vento. chego a temer que as vidraças se quebrem sabendo que há anos espero que isso aconteça e afinal não. afinal só o meu receio que te esqueças que ainda estou aqui. não venhas já que a mãe não gosta que andes à chuva. mesmo sabendo que gostas tanto de o fazer como eu sabes é inverno e mais difícil que disparate então não é que me esqueci que não te molhas quase como eu sem guarda chuva e ela nem aí para mim mas que importa se sei que virás depois de adormecer passar-me a mão na cabeça e deixar-me um beijo na testa e eu farei de conta que não fizeste nada como quando era pequena e tu partias em viagem de madrugada e eu fazia de conta que não sentia a tua carícia fazia de conta que não sentia o teu beijo e esperava que saísses do quarto escondia a cabeça debaixo da almofada e chorava como se o mundo fosse acabar porque ficava apenas um vazio e um nó na garganta qualquer coisa que me afligia e eu queria dizer amo-te por favor fica desta vez não vás eu preciso tanto tanto de ti e afinal apenas as lágrimas e os soluços sufocados pela almofada e começava a escrever-te cartas diariamente e nunca as enviava porque não sabia como e não queria partilhar o meu segredo com mais ninguém aquilo era algo entre nós. apenas. agora já podes vir pai.

12 novembro, 2010

o melhor do twitter

os chicólatraschicolatras "Preciso encontrar um homem bom; Que estenda um tapete vermelho e me beije a mão; Que me arranque a roupa no meio da multidão"

Valsa de um homem carente - Jorge Palma (clica aqui)

Se alguma vez me vires fazer
Figuras teatrais
Dignas de um palhaço pobre
Sou eu a dançar a mais nobre
Das danças nupciais
E em minhas plumas cardeais
Em todo o meu esplendor
Sou eu, sou eu nem mais
A suplicar o teu amor

É a dança mais pungente
Mão atrás e outra à frente
Valsa de um homem carente

Serenata

" ... Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.
Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo ... "

(Cecília Meireles)

não sei onde nem porquê


dizem que dizia adeus. em lisboa. não sei mais nada. não vi notícias apenas uma imagem da avenida da liberdade cheia de gente dizendo adeus. não sei quem era. só que diz adeus. sim talvez devesse mudar o tempo do verbo. talvez. mas não mudo. alguém que ocupa a sua vida dizendo adeus há-de fazê-lo onde quer que esteja. em lisboa a dizer adeus e eu não sei quem era. apenas que tinha oitenta anos. teria... não sei. se era alto baixo magro gordo careca ou não olhos escuros ou azuis. teria barba ou bigode ou apenas a cara escanhoada. não sei. não conheci o homem que dizia adeus. e percebo de repente que não conheço nada do dia a dia de lisboa. os meus caminhos não passaram nunca que me lembre pelo homem que diz adeus. quero dizer de dia. é lugar onde passo de noite é verdade quando vou a um concerto por ali na zona da liberdade. ou por baixo no canudo que a rasgou. durante o dia. estou vazia. não conheci o homem do adeus. não conheço lisboa. aquela que lembro não tem nada a ver com a cidade em que se tornou. a aldeia grande que era cheia de saloios e pacóvios tornou-se cosmopolita. é o que vejo em imagens agora de madrugada e percebo que esta não é a aldeia grande que conheci. esta é ainda uma grande aldeia. que se atravessa em pouco tempo se não houver trânsito. nada como londres ou madrid aqui ao lado. uma cidade que tem tudo para ser uma bela cidade mas não é mais do que uma grande aldeia vibrante de noite e triste de dia quando as pessoas passam todos os dia pelos mesmos lugares e se conhecem de vista mas ao contrário das aldeias ninguém diz bom dia ou se diz há o espanto do outro lado. e é por isso que hoje me espanto. havia um homem em lisboa que dizia adeus e a quem as pessoas respondiam. continua a dizer adeus. não sei onde nem porquê.

11 novembro, 2010

o melhor do twitter

os chicólatraschicolatras “O que está havendo com as flores do meu quintal? O amor-perfeito, traindo; A sempre-viva, morrendo e a rosa, cheirando mal"

Cotidiano - Chico Buarque

Todo dia eu só penso em poder parar;
Meio-dia eu só penso em dizer não,
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão.

Seis da tarde, como era de se esperar,
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão.

O terceiro fiho


Em busca dos irmãos que tinham ido
Eu parti com pouco ouro e muita bênção
Sob o olhar dos pais aflitos.
Eu encontrei os meus irmãos
Que a ira do Senhor transformou em pedra
Mas ainda não encontrei o velho mendigo
Que ficava na encruzilhada do bom e do mau caminho
E que se parecia com Jesus de Nazaré...

(Vinicius de Moraes)

balha-me deuje zé


tenho estado calada zé logo eu que sempre gostei de dar à língua vejo-me paralisada os dedos inchados o ego murcho a dificuldade de te dizer zé lixaste-me a vida. mas já que comecei hei-de fazer um esforço para que os dedos atinem com as teclas e me deixem dizer gritar sei lá lixaste-me zé. e eu nem fiz nada para isso. lixaste-me zé. andas a lixar-me há muito. e eu a ver. não contente por me teres lixado zé deprimes-me. consegues que me sinta muito muito lixada e lá vou eu contra todos os meus princípios procurar alguém que me ajude. ir ao médico é como ir à bruxa. a gente chega lá e fala. depois da resposta ficamos a saber se acreditamos ou não. sem isto não vamos a lado nenhum. tenho sorte. arranjo uma bruxa em que acredito. passa a ser uma fada. pergunta porque estou a chorar e eu digo foi o zé. não preciso dizer mais nada. ela também está lixada com o zé. sempre que a visito queixa-se do zé. eu faço coro ou vice versa. é a vida. temos que ser uns para os outros. vou ao boticário mais próximo e compro a mezinha que me há-de manter a boiar. faz efeito. o mundo desmorona à minha volta e eu não ligo pevas. a mezinha é boa. melhor que branquinha porque me mantém num mundo azul sem alucinações. é certo que faz com que passe a sentir uma enorme indiferença pelo zé. não me interessa o que diz. está tudo bem e eu sei que não é verdade mas fico aqui sentada a ver imagens na televisão os fatos elegantes o cabelo grisalho bem cortado o sorriso agreste. fico aqui como se nada do que diz me dissesse respeito. a minha fada manda-me a outra bruxa. uma especialista para outro problema. vou a todas. estou por tudo. e depois manda-me a uma terceira que se encarrega de outras mazelas. estas bruxas não são como as que põem anúncio no jornal e garantem resolver todos os problemas de amor e dinheiro e droga e álcool ossos e alma tudo no mesmo saco. estas não. uma cuida da alma outra do corpo outra dos ossos. nenhuma delas tem poções para resolver problemas de amor e dinheiro. pior para mim. para que serviu esta conversa toda? fui ao boticário e piorei de repente. num segundo. bastou ele pedir-me mais de cinquenta euros pela mezinha para a alma. balhame deuje zé. tem dó das almas cansadas de penar.