14 novembro, 2010

já podes vir

não venhas ainda que estou acordada. ouço a chuva lá fora e o gato não sai da janela mesmo quando lhe digo que hás-de vir mais tarde quando ele estiver deitado na minha almofada. sai da janela enfim e estende-se aos meus pés enquanto eu te peço que esperes um pouco porque há muita chuva e muito vento. chego a temer que as vidraças se quebrem sabendo que há anos espero que isso aconteça e afinal não. afinal só o meu receio que te esqueças que ainda estou aqui. não venhas já que a mãe não gosta que andes à chuva. mesmo sabendo que gostas tanto de o fazer como eu sabes é inverno e mais difícil que disparate então não é que me esqueci que não te molhas quase como eu sem guarda chuva e ela nem aí para mim mas que importa se sei que virás depois de adormecer passar-me a mão na cabeça e deixar-me um beijo na testa e eu farei de conta que não fizeste nada como quando era pequena e tu partias em viagem de madrugada e eu fazia de conta que não sentia a tua carícia fazia de conta que não sentia o teu beijo e esperava que saísses do quarto escondia a cabeça debaixo da almofada e chorava como se o mundo fosse acabar porque ficava apenas um vazio e um nó na garganta qualquer coisa que me afligia e eu queria dizer amo-te por favor fica desta vez não vás eu preciso tanto tanto de ti e afinal apenas as lágrimas e os soluços sufocados pela almofada e começava a escrever-te cartas diariamente e nunca as enviava porque não sabia como e não queria partilhar o meu segredo com mais ninguém aquilo era algo entre nós. apenas. agora já podes vir pai.

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