assim de repente a procuradora percebeu que há pessoas que vivem em bairros sociais a cair aos bocados. indignou-se. percebeu que há pessoas que passam horas em transportes. indignou-se, percebeu que há pessoas que vivem de limpar a porcaria que todos fazemos. indignou-se. a procuradora é uma et. e vive no país das maravilhas. posso dizer à senhora procuradora que durante mais de 30 anos me levantei de madrugada para estar em lisboa a trabalhar às 8 horas da manhã. em casa deixava três crianças que precisavam de cuidados. entrava em casa doze horas depois. para trás ficava um dia de transportes e de trabalho. havia que fazer o jantar dar banho às crianças ajud´-las com os tpc... posso ainda dizer à senhora procuradora que este país está cheio de mulheres com estórias semelhantes. algumas vivem em bairros sociais e outras vivem como eu e a senhora na linha de cascais. neste país e em muitos outros as pessoas vivem assim. há que ganhar o pão nosso de cada dia. é claro que muitos dos nossos emigrantes sobrevivem. e também é claro que os nossos imigrantes sobrevivem. não sei em que mundo vive a senhora procuradora que viveu do jornalismo (ainda vive?) e vem agora indignar-se com as pobres vidas dos emigrantes em portugal. como pensa a senhora procuradora que vivem as pessoas que lhe limpam a casa? e tantas outras que que trabalham para o bem comum? sabe que mais senhora procuradora? a mim o que me indigna é a sua indignação. faça algo de útil com ela e depois venha contar o que fez.
Um blog do dia a dia, com muitas estórias, alguma poesia, música, fotografia, crítica, comentários... para desabafar, porque sem um grito ninguém segura o rojão!
28 janeiro, 2019
16 janeiro, 2019
estou tão aflita
às vezes sinto muito medo. os ladrões entram em casa e eu fico sem saber o que fazer. telefono à minha mãe (ou será a minha filha?) e digo-lhe que venha depressa salvar-me dos homens maus. e ela vem o mais depressa que pode. no outro dia matou-os todos num instante. fiquei tão admirada... já não me lembrava que ela sabia atirar. ainda bem que ela aprendeu. fico sempre mais descansada quando ela chega e os faz desaparecer. no outro dia fiquei muito triste. vi na televisão que ela morreu. ela e toda a gente que conheço. fiquei muito aflita. mas o pior é que estou farta de procurar pelo véu preto e não o encontro. terão sido os ladrões? e agora como é que eu vou ao velório de toda esta gente? como vou ao velório dela sem o meu véu preto? estou tão aflita.
15 janeiro, 2019
eram duas adolescentes nos anos 40. anos difíceis. anos de guerra. um dia decidiram que queriam ser enfermeiras. combinaram não contar nada aos pais. iam apresentar-se no hospital e pedir emprego. enfermagem parecia-lhes um verdadeiro paraíso. já se viam de farda e quepe. bem arranjadas graças a uma mãe que do quase nada fazia imenso dirigiram-se ao hospital de são josé em lisboa. à entrada o porteiro peguntou-lhes o que queriam. muito decididas lá explicaram que queriam ser enfermeiras. o homem sorriu e disse-lhes que duas meninas tão novas e tão bonitas deviam era voltar para casa porque enfermagem não era decididamente profissão que lhes servisse. as duas ainda tentaram argumentar. tratava-se de um sonho. queriam poder ajudar pessoas. o porteiro lá conseguiu que se fossem embora e que pensassem em casar e ter filhos que isso é que era serem felizes. e foi assim que ambas regressaram a casa sem contarem aos pais o que tinham ido fazer. acabaram os seus cursos comerciais e empregaram-se como secretárias. uma teve como patrão um importante advogado da praça lisboeta que lhe permitiu conviver com homens como aquilino ribeiro. parou de trabalhar quando casou. dedicou-se à família para o resto da vida e só muito tarde se arrependeu de ter deixado de trabalhar. a outra empregou-se num escritório de despachante oficial. acabou casada com o patrão que deixou a primeira mulher para viver com ela o resto da vida. esta nunca deixou de trabalhar. mais tarde foi funcionária do ministério dos negócios estrangeiros. às tantas pediu uma licença sem vencimento e foi para londres trabalhar. por lá viveu 30 anos. regressou a portugal depois da revolução dos cravos e aos negócios estrangeiros onde trabalhou até aos 70 anos. aos 90 ainda sonha com trabalho no seu delírio.
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