Entrei em Londres
num café manhoso, pior ainda que um nosso bar
de praia
(isto é só para quem não sabe
fazer uma pequena ideia do que eles por lá
têm), era
mesmo muito manhoso,
não é que fosse mal intencionado, era
manhoso
na nossa gíria, muito cheio de tapumes e de cozinha
suja. Muito
rasca.
Claro que os meus preconceitos todos
de mulher me vieram ao de cima, porque o café
só tinha homens a comer bacon e ovos e tomate
(se fosse em Portugal era sandes de queijo),
mas pensei: Estou em Londres, estou
sozinha, quero lá saber dos homens, os ingleses
até nem se metem como os nossos,
e por aí fora...
E lá entrei no café manhoso, de árvore
de plástico ao canto.
Foi só depois de entrar que vi uma mulher
sentada a ler uma coisa qualquer. E senti-me
mais forte, não sei porquê, mas senti-me mais forte.
Era uma tribo de vinte e três homens e ela sozinha e
depois eu
Lá pedi o café, que não era nada mau
para café manhoso como aquele e o homem
que me serviu disse: There you are, love.
Apeteceu-me responder: I’m not
your bloody love ou
Go to hell ou qualquer coisa assim, mas depois
pensei: Já lhes está tão entranhado
nas culturas e a intenção não era
má, e também
vou-me embora daqui a pouco, tenho avião
quero lá saber
E paguei o café, que não era nada mau,
e fiquei um bocado assim a olhar à
minha volta
a ver a tribo toda a comer ovos e presunto
e depois vi as
horas e pensei que o táxi
estava a chegar e eu tinha que sair.
E quando
me ia levantar, a mulher sorriu
Como quem diz: That’s it
e olhou assim à sua volta para o presunto
e os ovos e os homens todos a
comer
e eu senti-me mais forte, não sei porquê,
mas senti-me mais forte
e pensei que afinal não interessa Londres ou nós,
que em toda a parte
as mesmas coisas são
(Ana Luisa Amaral)
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