Um jovem senhor, professor de línguas e informática num liceu senegalês de uma pequena cidade do sul daquele país, com quem costumo trocar emails, criou o seu próprio blog (ver link neste artigo) e teve a gentileza de me enviar o endereço e pedir que postasse os meus comentários. Assim fiz.
Em troca, recebi pela primeira vez deste jovem, um comentário, ao que ontem escrevi.
Conforme podem ler (se quiserem fazer o favor de se darem ao trabalho), este jovem queixa-se de que eu escrevo coisas muito extensas e que uma vez que ele tem muita falta de tempo, tem dificuldade em ler diariamente o que escrevo e responder. Já lhe respondi pessoalmente por email.
Este jovem faz parte da "geração resumo". Pensava eu que era uma geração apenas existente em Portugal, mas enganei-me.
Esta geração não lê obras literárias: lê resumos. Quanto mais curtos melhores. Se forem resumos de resumos, melhor ainda!
Apercebi-me deste fenómeno um dia destes, ao assistir na TV a uma reportagem sobre os exames de Português. Não ouvi um único jovem dizer que tinha lido a obra "O Memorial do Convento"! Um só! Não sei se José Saramago assistiu à reportagem, mas deixa lá Saramago... ainda que toda a gente desate a ler a tua obra (que mereceu um Nobel, não é para qualquer um!), em resumos resumidos, eu continuarei a comprar e a ler os teus romances, de fio a pavio, gozando cada palavra, cada sílaba desta língua que tu sabes usar tão bem. E bem sabes, isto não é como o teatro. Basta saber que há uma pessoa que nos lê. Vale a pena escrever, nem que seja para uma pessoa apenas... mais tarde ou mais cedo, a coisa vai passando de boca em boca, e passam a ser dois e três e por aí adiante. Portanto continua a escrever que eu estou aqui para te ler. E mais alguns que nunca se habituarão a ler obras resumidas.
Alguns como eu que amam as palavras. Que acham que vale a pena ler, escrever, falar, comentar... pois para alguma coisa hão-de servir os sentidos com que nascemos.
Como é possível fazer da literatura o que se fez com a culinária: "fast food"?
A obesidade tornou-se uma doença do domínio da saúde pública. O governo toma as suas medidas (parece-me que afinal já não quer pagar as bandas gástricas, mas não quero agora ir por aí), porque os obesos acabam por dar nas vistas, de tão grandes... Mas enfim, a mal ou a bem parece que a coisa tem remédio, basta a pessoa consciencializar-se e querer tratar-se...
E com a leitura de resumos o que se fará? O que se fez para já, parece-me que foi um teste de Português com respostas de escolha múltipla. Provavelmente foi a maneira encontrada para que não se perceba que os alunos que terminam o secundário em Portugal, não sabem Português, como também não sabem Matemática. Como é que alguém incapaz de interpretar o que quer que seja, consegue perceber o enunciado de um problema de Matemática?!
Será que conseguiremos ao menos fazer destes jovens uma geração de peritos (especialistas no que quer que seja...)? Não acredito. Mas mesmo que isso seja possível o nosso Mundo ficará cada vez mais desinteressante...
A solução será talvez a criação de clubes. E assim poderá ser criado por exemplo, o clube da Medicina, que organizará o respectivo campeonato de medicina geral, oftalmologia, dermatologia, otorrinolaringologia e por aí fora... E assim por diante para o Direito, a Geografia, a Sociologia, etc, etc. É que daqui a nada cada um só saberá falar de um tema, aquele para o qual foi instruído: estou a criar um cenário robótico, bem sei, mas é para aí que a imaginação me leva, que hei-de fazer?
O que me parece é que pelo caminho que isto leva, não conseguirei sócios suficientes para um clube de leitura... "Balha-me" Deus!!!!
E ainda há pouco o Engenheiro Sócrates falava de formação profissional em diferentes áreas, de modo a que as pessoas possam mudar de emprego várias vezes ao longo da vida... Acha que é assim que vai conseguir? Bem sei que o Engenheiro é o senhor, mas vá por mim: esse não é o caminho! Nem só de Engenharia e Matemática vive o Homem!
1 comentário:
eu que fui criada numa família de analfabetos, por que será que gosto tanto de ler? será que herdei os genes da minha família biológica, em que alguns de muitos, gostam e gozam do prazer da leitura? mas como é possível não se gostar de uma língua tão rica e tão bela? o poder das palavras é imenso!E o que se aprende lendo?
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