14 junho, 2006

As Últimas Vontades


As últimas vontades


Deixa ficar a flor,
a morte na gaveta,
o tempo no degrau.
Conheces o degrau:
o sétimo degrau
depois do patamar;
o que range ao passares;
o que foi esconderijo
do maço de cigarros
fumado às escondidas...
Deixa ficar a flor.
E nem murmures.
Deixa
o tempo no degrau,
a morte na gaveta.
Conheces a gaveta:
a primeira da esquerda,
que se mantém fechada.
Quem atirou a chave
pela janela fora?
Na batalha do ódio,
destruam-se,
fechados,
sem tréguas,
os retratos!

Deixa ficar a flor.
A flor? Não a conheces.
Bem sei.
Nem eu. Ninguém.
Deixa ficar a flor.
Não digas nada.
Ouve. Não ouves o degrau?
Quem sobe agora a escada?
Como vem devagar!
Tão devagar que sobe...
Não digas nada.
Ouve: é com certeza alguém,
alguém que traz a chave.
Deixa ficar a flor.

(David Mourão Ferreira)

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