18 maio, 2009

Se os poetas fossem menos patetas


Se os poetas fossem menos patetas 
E se fossem menos preguiçosos 
Faziam toda a gente feliz 
Para poderem tratar em paz 
Dos seus sofrimentos literários 
Construíam casas amarelas 
Com grandes jardins à frente 
E árvores cheias de zaves 
De mirliflautas e lizores 
De melfiarufos e toutiverdes 
De plumuchos e picapães 
E pequenos corvos vermelhos 
Que soubessem ler a sina 
Havia grandes repuxos 
Com luzes por dentro 
Havia duzentos peixes 
Desde o crusco ao ramussão 
Da libela ao papamula 
Da orfia ao rara curul 
E da alvela ao canissão 
Havia um ar novo 
Perfumado do odor das folhas 
Comia-se quando se quisesse 
E trabalhava-se sem pressa 
A construir escadarias 
De formas antes nunca vistas 
Com madeiras raiadas de lilás 
Lisas como ela sob os dedos 

Mas os poetas são uns patetas 
Escrevem para começar 
Em vez de se porem a trabalhar 
E isso traz-lhes um remorso 
Que conservam até à morte 
Encantados de ter sofrido tanto 
Dedicam-lhes grandes discursos 
E são esquecidos num dia 
Mas se trabalhassem mais 
Só seriam esquecidos em dois 

(Boris Vian)

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