20 maio, 2008

Como um cão


Como um cão curvo-me
e procuro ler nas marcas
que a noite não pôde
recolher o tempo.

Anima-me a superfície fabulária
onde o olhar do dia revolve
o que foi alvoroço vida
ou sinal ténue.

Detenho-me na pegada junto à cama
e a mão precavida incha a memória
nenhuma sensação acende
o que já está perdido.

(Perdidos os meus passos? A minha voz?
é assim tão terrível o amor ao homem?
a justiça foi calcinada em que ritual?)

Pouso então devagarinho
o ouvido na parede húmida
e eis que uma sombra volta-se
num largo aceno de simpatia.

Na paz indizível sopra
a fina aragem desanoitecida a leve impressão
de um cochichar
uma porta entreaberta
onde pulsa uma esperança.

(Ontem já foi passado
e o minuto que vem
já é futuro).

(Heliodoro Batista)

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