02 abril, 2007

O dia da Adélia.


Adélia é uma bela mulher. Nos seus quarenta anos ainda faz virar a cabeça de muito macho latino. Um rosto de traços fortes e perfeitos, um corpo bem feito, umas belas pernas: Adélia não precisa de roupas sofisticadas para dar nas vistas. Na verdade ela não precisa e não usa. É uma típica mulher de um bairro lisboeta. Mal abre a boca percebe-se a sua origem. No entanto até aí, poderia passar perfeitamente por uma daquelas italianas que vemos em qualquer loja de "griffe" em qualquer grande cidade de Itália.
Uma das coisas que faz para ganhar a vida é "andar a dias" como ela diz. Quem olha para ela não diria. Mas quem a ouve delicia-se com cada frase que lhe sai da boca. São pérolas autênticas... Casada e com um filho já homem, Adélia dizia-me um dia destes "quando o meu homem morrer..." e eu interrompendo "arranjas logo outro!". E ela veloz que nem uma seta "nem pensar! Ou fico sozinha ou arranjo outra!". Desatei a rir e ela explicava-me que estava farta de homens, que nunca sabem o que querem, que não sabem fazer nada, que só querem estar de papo para o ar... que vai mesmo arranjar outra, que lhe faça companhia, que a ajude na lide da casa, que lhe dê carinho...
Quando estamos a sós trata-me por tu, mas nunca o faz na frente de terceiros. Diz que é porque eu não tenho o nariz empinado como as outras senhoras que "não têm aonde cair mortas, mas julgam que têm o rei na barriga". Quando estamos a sós, adora contar-me as intimidades que tem com o marido. Gosta de trocar ideias comigo. A sério: temos conversas de "mulheres", daquelas aonde não se permite a entrada de um só homem. Foi por isso que eu me desmanchei a rir com a saída dela para quando ficar viúva... oxalá o marido lhe dure muitos anos que ela fala, mas aquilo é só da boca para fora... ela adora o "inútil" do marido e está a fazer do filho um "inútil" igualzinho ao pai, benza-a deus!
Adélia tem outra característica: chora muito. Chora por tudo e por nada! É uma sentimental. Se eu lhe conto alguma parte mais triste da minha vida, desata a chorar como se a coisa se estivesse a passar agora e diz sempre "pobrezinha, o que tu já passaste, logo tu que estás sempre a rir... quem diria!" E chora feito uma madalena...
Querida Adélia: porque tu também fazes parte das mulheres deste meu país, porque felizmente ainda existem muitas Adélias nesta Lisboa cada vez mais pobre de gente pitoresca como tu... Porque me dás alegria com a tua beleza e o teu sentimentalismo de fotonovela, por isso decidi hoje inventar o teu dia: solenemente declaro o dia 2 de Abril como o dia da Adélia.

Sem comentários: