" Caro leitor, não o conheço, mas quero contar-lhe uma história que me contaram.É uma coisa curta e muito simples, não demora nada. É a história de um homem chamado Gelsomino, que tinha oitenta e poucos anos e vivia numa casa nas montanhas.Um dia Gelsomino estava sentado na mesa da cozinha a tentar escrever um poema sobre os sinais dos céus.Já há muito que se interessava por nuvens e outros fenómenos celestes e tinha uma grande colecção de apontamentos sobre o assunto. O poema que resultaria desse trabalho seria, certamente, longo, denso e sábio como o seu autor. Talvez um grande volume de capa preta, talvez até mais do que um. Gelsomino ainda não tinha começado propriamente a escrever, queria que as palavras lhe saíssem bem ponderadas, com o peso natural das coisas naturais e definitivas, mas os termos " formas pensantes", " negrumes que brilham" e " simples esplendor" espreitavam-lhe já no fundo da cabeça. No momento solene em que se preparava para escrever o primeiro verso na folha, Gelsomino ouviu um ruído e levantou-se.Abriu a porta lentamente.Lá fora um cão preto com um pequeno pássaro na boca olhava-o sem surpresa. Um cão preto, normal, que ele nunca tinha visto por aqueles lados.O homem não disse nada. O cão baixou o focinho e pousou o pássaro morto no degrau da entrada.Depois deu meia volta e foi-se embora pelo caminho de terra sem se virar para trás. Gelsomino ficou parado a olhá-lo até ele desaparecer.Agora sabia que já não podia escrever belas frases sobre nuvens e coisas no céu. Fechou a porta. De pé na sala vazia, pensava como poderia organizar o seu conto breve sobre o homem e o cão."
Jacinto Lucas Pires
( Texto constante do livro: " Cartas a Deus ")
1 comentário:
Jacinto Lucas Pires é um dos mais jovens e promissores escritores do nosso pequeno país. Tenho vários livros dele, mas não este. Mas é sem dúvida um texto ao jeito do Jacinto. Parabéns Eduardo pela escolha e parabéns ao Jacinto pelo seu belo trabalho.
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