12 outubro, 2006

Soneto científico a fingir


Dar o mote ao amor. Glosar o tema
tantas vezes que assuste o pensamento.
Se for antigo, seja. Mas é belo
e como a arte: nem útil nem moral.
Que me interessa que seja por soneto
em vez de verso ou linha desvastada?
O soneto é antigo? Pois que seja:
também o mundo é e ainda existe.
Só não vejo vantagens pela rima.
Dir-me-ão que é limite: deixa ser.
Se me dobro demais por ser mulher
[esta rimou, mas foi só por acaso]
Se me dobro demais, dizia eu,
não consigo falar-me como devo,
ou seja, na mentira que é o verso,
ou seja, na mentira do que mostro.
E se é soneto coxo, não faz mal.
E se não tem tercetos, paciência:
dar o mote ao amor, glosar o tema,
e depois desviar. Isso é ciência!

(Ana Luisa Amaral)

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