25 agosto, 2006

O Manel de Serpins


Não tenho terra. Quer dizer: não tenho terra para ir como as outras pessoas. Nunca digo "vou à terra" ou "vou à aldeia".
A minha terra é o mundo. Há muitos anos que é assim. Sinto-me um pouco apátrida e nem as emoções dos mundiais e europeus de futebol, me fazem acenar bandeiras. Também não costumo cantar o hino, embora, ao contrário da maioria dos portugueses o saiba. Mas não acho que seja bonito. Acho sobretudo que está completamente desactualizado. Há muito que deixámos de ser heróis do que quer que seja, menos ainda do mar.
Por isso acho bonito ver um aldeão, que se licenciou e continua a ser aldeão. Com tudo o que isso acarreta de bom e mau. Um aldeão em Lisboa, julgando que é um cidadão... mas afinal é apenas um aldeão. Que gosto de ouvir falar quando não pretende ser mais do que um aldeão. Que me ensina muitas coisas enquanto aldeão. Mas que se torna insuportavel quando vira doutor. Em leis ainda por cima!
Isto para dizer que aprecio realmente a cultura e tradições do povo português, embora não conheça muito, uma vez que se trata de uma área tão vasta que o resto da vida, por muito longa que ela fosse, não me chegaria para saber nem a metade... Mas não me consigo identificar com estes emigrantes portugueses que escolheram as cidades grandes para viver.
Ouço as estórias da aldeia e invejo-os. Porque eu não tenho uma aldeia a que voltar. Tudo o que eu teria se quisesse voltar aos lugares da minha infância, seriam matas minadas... e uma bela cidade, a abarrotar de lixo e gente aos milhões, vivendo de expedientes, de mentiras, de sacanagem....E embora tenha mais de mil estórias para contar, os lugares já não existem como eram, há muito tempo... Enquanto que o aldeão de que falo, ainda consegue identificar cada árvore, cada casa, cada caminho da sua infância...
E quando alguém quer falar com ele para o local de trabalho, explica com quem quer falar mais ou menos assim: "Eu queria falar com o Manel". "Mas Manuel de quê?". "Ora menina, aquele pequeno de Serpins!"

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