29 outubro, 2020

 


J

Já não me importo


Já não me importo
Até com o que amo ou creio amar.
Sou um navio que chegou a um porto
E cujo movimento é ali estar.

Nada me resta
Do que quis ou achei.
Cheguei da festa
Como fui para lá ou ainda irei

Indiferente
A quem sou ou suponho que mal sou,

Fito a gente
Que me rodeia e sempre rodeou,

Com um olhar
Que, sem o poder ver,
Sei que é sem ar
De olhar a valer.

E só me não cansa
O que a brisa me traz
De súbita mudança
No que nada me faz.

Fernando Pessoa
gente estranha

hoje alguém pôs em palavras o que toda a vida senti. disse-me. és uma pessoa estranha. desde criança que me sinto estranha. não sei explicar porquê. nem como. faço sempre um esforço imenso para perceber porque as outras pessoas me são tão estranhas. porque agem sempre com segundas intenções. porque estudam cada passo. cada acção a tomar. porque perderam a espontaneidade. porque têm que parecer sempre tão certinhas. porque não se dão a oportunidade de errar. porque não dão todas as gargalhadas que apetecem. porque escondem o choro. porque se dão ao trabalho de policiar os outros. porque exigem dos outros o que não exigem de si mesmas. porque arranjam desculpas esfarrapadas para justificar as suas acções ou a falta delas. em resumo. as pessoas são estranhas!

11 outubro, 2020

Simone - Comecar De Novo

 começar de novo

adquiri o hábito de me apresentar mostrando o meu lado lunar. uma maneira de mostrar o que não se pode esperar de mim. a maior parte das pesoas gosta de mostrar que é uma pessoa perfeita. ninguém que se apresente tem defeitos. pelo menos grandes defeitos. pelo contrário eu gosto de mostar de caras o manual de instruções da minha pessoa. assim ninguém que não siga o manual poderá mais tarde queixar-se de ter sido enganado. por isso mesmo comecei a retirar da minha rede social "amigos" que são pessoas de quem não gosto. demorei três anos a fechar um ciclo que nem devia ter começado. mas é preciso tempo para decifrar alguém que vem sem manual de instruções. depois de o conseguir é preciso fazer o luto. tudo o que tenho feito nos últimos vinte anos são lutos. há pessoas por quem estarei sempre de luto. pessoas que me foram (são) muito queridas. as que não merecem a minha amizade (gosto mais da palavra amor mas há quem confunda tudo) vão para o baú do esquecimento.



11 fevereiro, 2020

adeus joão

sabia que gostava de ti mas nunca imaginei que me doesse tanto saber que não voltarei a ver-te. arrependo-me tardiamente de não ter estado mais presente enquanto podia. a vida é assim... nestes momentos percebemos o quanto é inútil correr contra o tempo. perdemos sempre. não te reconheci a última vez que te vi. brincaste comigo por não te reconhecer sequer pela voz. vozeirão disseste-me. e de repente percebi que estava diante do marido da minha amiga de infância. aquela miúda que usava a minha janela para te ver. em mais de 40 anos vi-te muito pouco. a vida afastou-me e eu nada fiz para a contrariar. as lágrimas que neste momento correm pelo meu rosto não te trazem de volta à vida. mas vou guardar-te para sempre no meu coração. não sei se para sempre é muito ou muito pouco tempo. será apenas o tempo que ainda tiver para me lembrar de ti. hoje escrevo só para ti. adeus.