durante anos a tua imagem perseguiu-me por onde quer que andasse. vezes sem conta saí do comboio a correr convencida que eras tu que passavas lá fora. todas as noites adormecia pensando em ti. e todos os dias te escrevia. cartas que nunca enviei. cartas que se perderam nas voltas e reviravoltas que a minha vida deu. quem anda pela vida como vagabundo acaba por lhe vestir a pele. e como um vagabundo também eu fui perdendo pelo caminho coisas. mas as coisas nunca me incomodaram. afinal são apenas coisas. "servem só para tropeçar". mas quantas pessoas perdi ao longo dos anos? quantas pessoas perco todos os dias? quantas pessoas ainda terei que perder até que me perca de mim definitivamente? porque este exercício diário de me perder no meio de gente de livros de música de palavras acabará por dar resultados. só é lobo quem lhe veste a pele. e eu visto. todos os dias. carinhosamente. cuidadosamente. todos os dias. e de repente descubro-te o rasto. sei exactamente onde moras. sei que estás só. sei que estás perto de mim. perigosamente perto. e quando me dizem pois agora é a altura certa de apareceres eu desvio-me. de todos os caminhos que me podem levar a ti. afasto-me. não quero ver o que restou de ti passado tanto tempo. sobretudo não quero que vejas o que restou de mim. quero conservar-te assim tal qual como no dia em que me despedi de ti algures num aeroporto sem viagem de regresso. foste ao meu encontro. e foi assim. levei-te comigo sabendo que nunca te teria. e hoje que sei que afinal os impossíveis acontecem só quero afastar-me de ti. quem dera que não te tivesse descoberto o rasto. quem dera não saber onde moras. quem dera que nunca me encontres. meu amor.
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