31 agosto, 2009

cena da vida real

ela chega sempre primeiro. senta-se sempre na mesma carruagem. primeiro escolhia o banco junto ao corredor. minutos mais tarde quando ele chegava beijava-a e ela sentava-se junto à janela. ele tomava o lugar deixado vago e iam conversando de mãos dadas até algés onde ela sempre sai. ele continua viagem. pega sempre no jornal e põe-se a ler. ela não é bonita nem feia. é uma mulher madura com um ar um pouco frágil. talvez por ser demasiado pequena e magra. tem uma cor macilenta de quem nunca apanha sol na praia. ele é de estatura normal muito bronzeado e usa sempre óculos escuros. não é bonito nem feio. diria que me é antipático. sempre foi. usa sempre fato e gravata. um dia reparei que ele não apareceu. ela ficou enervada. olhava o relógio com frequência. quando saiu em algés percebi que estava muito nervosa. depois meteu-se um fim de semana e não os vi. na segunda feira seguinte ela chegou e sentou-se na mesma carruagem mas no banco junto à janela. ele chegou estava o comboio quase de partida. sentou-se ao lado dela disse bom dia e não a beijou nem lhe tocou. abriu o jornal e pôs-se a ler. ela começou a fazer as viagens de óculos escuros e a olhar pela janela. só se levanta quando o comboio para em algés como se esperasse um gesto dele. mas o gesto não vem. hoje a cena repetiu-se mas ela em vez de se pôr a olhar pela janela encostou a cabeça no ombro dele como se estivesse dormindo. impassível ele pegou no jornal e levantou-se para que ela saísse em algés. como se temesse que ela voltasse a tocar-lhe. ela saiu com os óculos escuros na cara e aquele ar de menina abandonada que me deu pena.

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