17 maio, 2009

Não me sinto mudar


Não me sinto mudar. Ontem eu era o mesmo. 
O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos 
cada dia mais raros são os meus cepticismos, 
nunca fui vítima sequer de um pequeno orgasmo 

mental que derrubasse a canção dos meus dias 
que rompesse as minhas dúvidas que apagasse o meu nome. 
Não mudei. É um pouco mais de melancolia, 
um pouco de tédio que me deram os homens. 

Não mudei. Não mudo. O meu pai está muito velho. 

As roseiras florescem, as mulheres partem 
cada dia há mais meninas para cada conselho 
para cada cansaço para cada bondade. 

Por isso continuo o mesmo. Nas sepulturas antigas 
os vermes raivosos desfazem a dor, 
todos os homens pedem de mais para amanhã 
eu não peço nada nem um pouco de mundo. 

Mas num dia amargo, num dia distante 
sentirei a raiva de não estender as mãos 
de não erguer as asas da renovação. 

Será talvez um pouco mais de melancolia 
mas na certeza da crise tardia 
farei uma primavera para o meu coração. 

(Pablo Neruda)

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