talvez porque a conversa sobre o autocarro 174 me tenha lembrado as horríveis condições dos estabelecimentos prisionais no Brasil recordei os anos em que trabalhei em frente à cadeia das mónicas quando desta ainda estava activa. durante esses anos passaram por lá as condenadas das FP25. numa bela manhã de sábado uma delas fugiu telha partiu-se ela acabou por correr travessa abaixo com uma perna partida e entrar no carro que lá estava para lhe dar a fuga. até hoje nunca mais se falou do assunto. dizia-se à boca pequena que tinha ido viver para Setúbal mas ao certo nunca ninguém soube. pirou-se e ponto final. outra das pessoas que por lá passou e que era muito acarinhada pelas outras prisioneiras foi a famosa D. Branca. ensinou-as a fazer tapetes de arraiolos e algumas delas conseguiram um pequeno pé de meia vendendo os ditos tapetes por tuta e meia. nos dias de visita pelas duas da tarde a travessa enchia-se de ciganos para a visita e havia sempre "festa". quando não estávamos muito ocupados punhamo-nos à janela a admirar o espectáculo. quanto à D. Branca ia sempre num carro normal ás sessões do tribunal em vez de em carro celular como as outras prisioneiras. talvez porque dali não houvesse qualquer vontade de fugir. ele dizia-se feliz ali dentro. tudo isto soube algum tempo depois das prisioneiras terem sido transferidas para Tires. um dia convenci um dos guardas a deixar-me visitar a prisão. mostrou-me tudo como se de um guia turístico se tratasse. vi as celas o que as mulheres que por ali passaram deixaram escrito nas paredes. as suas angústias e a sua raiva escarrapachadas em paredes sujas que viram correr com certeza muitas lágrimas. depois o guarda mostrou-me a lavandaria a sala onde se faziam os tapetes da D. Branca e outras costuras e por fim levou-me para o jardim do antigo convento. aí existia um fosso com grades por cima que segundo ele tinha servido antes de 25 de Abril como solitária. aquilo fazia lembrar as coisas que se contam do Tarrafal... fiquei impressionada mas contente por ter conhecido por dentro uma prisão de mulheres ainda que já lá não estivesse senão um guarda para cuidar das instalações e não das mulheres que noutros tempos eram guardadas por mulheres naturalmente. não sei porque é que hoje me lembrei disto. acho que foi mesmo por causa do autocarro 174 e porque nunca tinha contado publicamente esta estória até porque o guarda me fez jurar que não contaria a ninguém. passados que são mais de 15 anos nem me lembro do nome do guarda. sei que era um tipo simpático com uma família simpática e um trabalho menos simpático. mas cada um é para o que nasce.
1 comentário:
há uns bons anos, fui nomeado defensor oficioso de algumas detidas em Tires, e por isso fui lá umas três vezes, respirava-se um ambiente característico, típico dos EP's, grades, portas a sete chaves, uniformes, viaturas celulares, olhares indiscretos, tristeza...vê-se tanta coisa que o melhor mesmo é assumir uma certa frieza nestas situações, foi o que aprendi, e também que os que caem têm direito a levantarem-se...Um mundo à parte, complicado!!! Tiveste sorte na visita :-)
Enviar um comentário