sentado ao meu lado o homem vai falando. primeiro não percebo se fala sozinho se está ao telemóvel com mãos livres. não consigo perceber e decido ficar atenta. o homem vai repetindo a gente quer mas não é capaz a gente quer mas não é capaz. saio de casa e digo vou passar pelo bar mas não entro. e entro. e tomo a primeira a segunda e todas as outras até que o empregado decide parar de me servir. completamente zonzo chego ao emprego onde toda a gente sabe porque chego atrasado. olham-me alguns com pena outros com raiva. nos teus olhos vi compreensão e é por isso que falo. percebo então que está mesmo a falar comigo. como se estivesse no analista fala fala fala... só quer ser ouvido. continua a dizer que mantém o emprego porque a empresa é de um amigo de infância. que o vai ameaçando com o olho da rua há muitos anos mas não chega nunca a fazê-lo. é dos poucos amigos que tem continua dizendo. durante o resto do dia não produz nada. finge que trabalha mas vai dizendo para si mesmo quando sair daqui vou direito a casa beijar a minha mulher e as minhas filhas. são tudo o que tenho sabe. tento concentrar-me nesta ideia. não passarei pela porta do bar. agora sinto-me melhor vou comprar flores quando sair daqui para dar à minha mulher. sabe há quanto tempo não lhe dou flores? eu também não. e saio tomo o caminho que me leva ao homem que vende pó. apercebo-me por onde vou mas digo passarei por ele sem sequer lhe falar e entrarei na florista para comprar rosas. rosas vermelhas para a minha mulher. e hei-de comprar também chocolates para as minhas filhas. repito isto pelo caminho para não me perder mas quando passo pelo traficante paro e compro o suficiente para duas linhas de pó. entro em casa e deito-me. esqueço as flores e os chocolates. esqueço que tenho uma mulher que gosta de mim. esqueço que amanhã vou voltar a dizer hoje não e repetir tudo. ontem quando cheguei a casa a minha mulher e as minhas filhas não estavam e eu não me apercebi. de manhã ao acordar ela a minha mulher não estava lá. acha que ela se cansou de esperar que eu cumprisse as promessas de sempre?
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