16 abril, 2008

Até ficar afónica... a minha querida dona Conceição!


A dona Conceição nasceu numa pequena aldeia para os lados de Castelo Branco. A Catraia Pequena. A dona Conceição saiu da Catraia há muitos anos, veio para Lisboa, seguiu o marido para África, voltou, o marido reformou-se e ela fazia limpezas... foi assim que conheci a dona Conceição. Fazia limpezas no meu serviço. A bem dizer o que ela fazia mesmo de verdade era "dar à língua" como ela mesmo diz.
Não precisava de trabalhar, como ela mesmo dizia, mas precisava de dar à língua. Por isso às vezes quando eu chegava ao serviço tinha que lhe chamar à atenção, assim como quem não quer a coisa para o que estava por limpar. Ela ria, dava-me razão e lá limpava um bocadinho enquanto desenferrujava a língua.
A dona Conceição mal sabe ler e escrever mas sabe falar... e gosta de falar. Como gosta!
Tinha um terreno ali para o Lumiar onde cultivava umas hortaliças e tinha alguns animais. De vez em quando levava-me legumes e ovos. Acho que era para compensar as horas que eu lhe dava a atenção que ela requeria.
A dona Conceição desistiu de trabalhar há 3 anos e hoje foi visitar-me. Disse-me que se arrependimento matasse já estava morta há muito tempo. Que o marido a mete lá na Catraia onde quase não há habitantes e onde ela não tem com quem desenferrujar a língua. Mostrou-me as mãos. Mãos de quem trabalha a terra, de quem pega na enxada, de quem é obrigada a fazer algo que detesta porque está casada com um homem que gosta da terra. Da terra que ela não gosta. Ela que tem uma casa no Algarve e de que não se goza porque o marido a quer perto dele, ali mesmo na Catraia.
Gostei de ver a dona Conceição. Que chorou quando me abraçou, que me perguntou pelo neto, porque ainda não sabia que já tenho dois...
Tenho pena da dona Conceição. Agora podia estar sossegada a dar à língua em vez de estar a cavar a terra com o marido... é que ela coitada nasceu no sítio errado. A mulher devia era ter nascido em Lisboa, num bairro bem popular, onde ela pudesse desenferrujar a língua o dia todo, todos os dias, até ficar afónica.

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