09 julho, 2007

Hoje lembrei-me de ti, António.

Eras o mais novo da turma. Tinhas apenas 15 anos, António. E também a barba mais cerrada de todos os rapazes. E havia quem tivesse por volta dos 20 anos. E eu sentia que tu tinhas vergonha por isso. Tinhas vergonha daquela mancha cinzenta na cara logo de manhã.
Não sei quantas paixões já tinham passado na tua vida. Mas eu era a primeira. Porque a diferença entre o primeiro e o último amor, é que do primeiro julgamos sempre que é o último e do último julgamos sempre que é o primeiro.
Fui apresentada quase a meio de uma aula de filosofia pelo professor. Várias vozes ao fundo da sala gritaram "para aqui, para o pé de nós é que ficas bem". Eram vozes de rapazes ao fundo da sala. Segui o chamamento. Não me lembro de te ver entre eles. Mas a verdade é que não sei quem eram eles. Colegas com quem mais tarde acamaradei. Desfeito o medo inicial, o pânico que me toma sempre que conheço gente nova. O pânico que agora disfarço com um à vontade de prima dona, mas que na altura era incapaz de disfarçar.
Nos dias seguintes sentaste-te na carteira à minha esquerda. Olhavas-me de soslaio. Também tu tentando disfarçar a timidez. Como quem não quer a coisa, lá foste perguntando o que querias saber. De onde vinha, onde morava, o que me interessava... E eu ia respondendo, devagarinho. Não gostava, não gosto que me façam perguntas. Mas a verdade é que muitas vezes se não mas fizerem nada sabem de mim.
E tu António eras baixo e entroncado. Um rosto moreno, franco, bonito. Uma barba cerrada numa cara de menino... Ficámos amigos.
Declaraste-me o teu amor por carta, que confessaste mais tarde ter sido escrita em conjunto com o teu pai. Achei piada. A essa abertura na relação que tinhas com o teu pai. Não me lembro de te ouvir falar da tua mãe. Mas do pai falavas sempre.
Eu gostava de ti, sim. Mas não era amor. Eu estava mais interessada em viver o momento, aquela revolução que mudou a minha vida, que muitos acharam que eu tinha razões para não gostar, mas que eu vivia com toda a alegria de que era capaz.
Não sei porquê, mas hoje lembrei-me de ti, António. Não sei se te reconheceria ao ver-te. Provavelmente não. Mas guardo na minha lembrança momentos bons desses ano em que te apaixonaste pela primeira vez: por mim.

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