12 julho, 2007

E depois ainda te queixas.

Flor reformou-se há una anos, quando ainda não se falava na dificuldade que viria a ter quem se quisesse reformar com o tempo de serviço completo mas antes dos 60 anos. De vez em quando visita-nos e gosto muito de a ver. É uma algarvia de raça que não deixou o sotaque em mais de 40 anos de Lisboa. Para além disso, todos lembramos as brincadeiras que eu gostava de ter com ela e que continuo a ter quando ela aparece.
Flor quando estava ao serviço, tinha férias e fazia fins de semana prolongados. Ia muitas vezes para o Algarve aonde o marido, amante do mar, tem um barco. Passeava imenso. Até se queixava às vezes do desassossego em que o marido a deixava com o gosto que tinha pelo mar.
Nunca conseguiu convencê-lo a fazer férias diferentes, porque ele só gosta mesmo de mar e do seu barco e ninguém o arranca do Algarve para se ir enfiar num hotel sem o mar por perto.
Hoje, reformada, Flor queixa-se de que não tem férias nem fins de semana. O marido que se reformou antes dela, voltou a trabalhar para ajudar o filho que resolveu instalar um atelier de arquitectura por conta própria. Flor queixa-se dos impostos que o filho tem que pagar e da indisponibilidade da empregada para trabalhar depois das 6 da tarde quando é mais necessária no atelier. Foi contratada porque tem mais de 40 anos, é solteira e não tem filhos. Isto levou o patrão a pensar que ela não teria vida própria e não se importaria de trabalhar para além do horário para que é paga.
É claro que Flor não se apercebe de que está apenas a queixar-se das dificuldades do filho em manter um negócio, que estando relacionado com a construção civil em Lisboa, vai mal. Provavelmente se a empregada do filho fosse filha dela e ele um mero patrão, viria dizer que o patrão quer que ela trabalhe para além do horário de trabalho, era o que faltava!
É claro que neste cantinho português é cada vez mais difícil viver. O desemprego é uma chaga, as leis do trabalho não parecem servir a empregados nem patrões. Depois dos 30 anos só consegue trabalho quem tiver uma cunha ou então vai sobrevivendo de "ganchos".
Mas seria bom que cada um de nós se pusesse no lugar do outro, para perceber que afinal todos estamos a ser prejudicados. Mas quem votou foi o povo... que voltará a votar nos mesmos, cada vez duvido menos disso.
Abençoado povinho que me infernizas a vida e depois ainda te queixas.

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