Todas as tardes, pelas 5. O homem do saxofone chega e instala-se à porta do selfriedge's. Não consegui descobrir se vem de metro ou de autocarro. A verdade é que tem vindo todas as tardes. O homem negro do sax.
A minha intenção ao voltar todos os dias às 5 é fotografá-lo. Mas onde vou buscar coragem para lhe pedir que me deixe fotografá-lo... Com o sax. Ao saxofone.
Um belo instrumento. Que me arrepia a pele. Que atroa os ares. E eu tento o outro lado da rua de Oxford. Mas de cada vez que ergo a câmara não consigo "puxar o gatilho". Quero prender o homem do sax. Mas não sou capaz. Como se soubesse que se o aprisionar na minha câmara ele nunca mais poderá voltar ao local de trabalho de fim de tarde que escolheu e tocar as suas melodias. Ficará para sempre imóvel no retrato.
E eu não quero imobilizar o homem do sax. Eu quero, preciso que ele volte todas as tardes e toque "para mim" as suas melodias. Preciso destes fins de tarde encantatórios para poder dormir sossegada, sem medo de morrer com dor. Preciso da alegria do sax para saber que vale a pena lutar para viver. Para tentar uma vez ainda, ser feliz.
E então estou presente sem que ele me veja. Passo para cima e para baixo. Olho a banca dos jornais. Finjo interessar-me pelas notícias "in english", eu que não me interesso sequer pelas notícias em português. Eu que acho que a maior parte das vezes ler, ouvir, ver notícias é uma perda de tempo. Eu que não gosto do cheiro dos jornais. Nem das mãos sujas do negro que larga as folhas e se cola aos meus dedos. Talvez as letras não gostem daquele papel vulgar em que as imprimem. E querem fugir. Pousam-me nos dedos, tentam alcançar o meu colo.
Como as notas do sax do músico negro da rua de Oxford.
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