23 junho, 2007

Fica bem. Adeus.

Como dizer-te que nunca é como imaginámos. Que pensamos que vamos ser capazes de continuar a sorrir, a brincar, a fazer de conta que estamos bem. Como explicar-te que não sou capaz de continuar. Que afinal não sou capaz.
Como dizer que esta agonia se torna insuportavel. Que me apetece acabar com isto agora e já. Só não sei como. Não sei como. Só.
Quando os médicos me disseram o que eu tinha não acreditei. Não era possível. Afinal um pequeno mal estar. Uma incapacidade de digerir as refeições sem ajuda. Uma sensação de enfartamento. Aquelas pequenas coisas de todos os dias. Tu sabes. Todos sabem.
Como contar-te minha querida. A ti que me acompanhaste a vida toda. A ti que me amaste e me infernizaste a vida com esse amor excessivo. Sem medida. Que agora eu já entendo. Que agora eu te perdoo. Que estou disposto a perdoar.
Como contar aos filhos. Como contar aos netos. Como dizer que estou podre até aos ossos. Como continuar a contar estórias se estou podre. O médico disse até aos ossos.
Nada a fazer disse ele. E eu a pensar que aguentava. Eu a pensar que podia esconder a dor. Eu a pensar que podia morrer sossegado apesar de podre.
Mas não posso. Quero morrer já. Assim de repente. Não quero mais tentar parecer que estou bem. Hoje olhei-me ao espelho e os meus olhos não se reconheceram. A alegria desapareceu. O brilho fugiu. Para onde. A alegria O brilho. Para onde.
Por isso desculpa minha querida. Quando chegares a casa estarei bem. Finalmente bem. Não terei que fingir. Não terei que mentir, estou bem. Estarei bem quando chegares meu amor. Acredita que é tudo o que eu preciso. Estar bem.
Fica bem também, meu amor de toda a vida. Como nas cartas que te escrevia há 50 anos, lembras-te?
Adeus.

Sem comentários: