19 junho, 2007

Esta paz de não ter de quem cuidar.

Olho-me no espelho e percebo que há muitos anos não me vejo. Isto é, passo a escova pelos cabelos enbranquecidos, escovo os dentes, lavo a cara todas as manhãs, mas em nenhum destes gestos me dou o vagar de me olhar.
Penso no que deixei passar. Foi um casamento, o tempo todo preocupada com as calças, com a camisa, com a gravata do marido, depois com os filhos, estarão bem para ir para a escola, depois com os netos, uma repetição de tudo o que passou...
Invade-me um cansaço e olho o espelho. E não reconheço já aquela mulher. Tenho quase 80 anos e o que fiz da minha vida? Para além de ter vivido para o marido, para os filhos, para os netos, agora tenho bisnetos que não me ligam nenhuma, querem lá saber da velha que já não diz coisa com coisa... O marido morreu há anos deixando um vazio enorme. O vazio da falta da roupa dele para cuidar, das refeições como ele gostava que preparasse. A falta de o ouvir resmungar contra tudo o que eu fazia. A falta de o ouvir reclamar de mim. A falta de saber que agora não tenho um homem que tem outras mulheres... a falta sobretudo de saber que ele está ali.
Os filhos foram à vida, também já não são novos ainda que os veja sempre de bibe e calções curtos. É verdade. Às vezes até os vejo de chupeta... ou seriam os netos e é a minha cabeça que já não dá para mais.
Não tive tempo sequer para sentir a falta dos meus pais quando morreram, tanta gente à minha volta para cuidar. Não tive tempo para sentir saudades...
Mas hoje. Hoje olho-me no espelho e tenho saudades da minha infancia, do meu pai, da minha mãe, dos meus irmãos e primos e primas e amigos e vizinhos... que foi feito de toda esta gente? Olho-me no espelho e pergunto-me o que foi feito de mim? E porque agora esta paz de ninguém em meu redor me sabe tão bem? Porque só agora descobri esta paz.

1 comentário:

Bartolomeu disse...

Cada um de nós, cumpre, mais ou menos consciente o papel que lhe cabe nesta vida.
O teu, foi seres mulher, mãe, avó. Estás a cumprim um papel diferente, nesta altura, mas é aqule que te e´stá destinado cumprir e cumprirás tantos mais, quanto aqueles que ainda tiveres para cumprir.
Disse alguém, um dia, todos somos hospedes e viajantes deste mundo.
Tenhamos então a inteligência para cumprir essa viagem honestamente para conosco e com os restantes passageiros.
Ah e tentemos ser felizes e oferecer um pouco da nossa felicidade.
Um beijo Maria Eduarda.