12 abril, 2007

Até amanhã camarada.


Teria 13 anos quando comecei a usar com regularidade a palavra camarada. Aprendi-a nos primeiros livros que li de Gorki. Toda a gente achava piada ao facto de me dirigir a alguns amigos por camarada. Os adultos achavam graça e apoiavam o uso da palavra. Faltavam uns 3 ou 4 anos para o 25 de Abril de 1974.
Após o 25 de Abril não podia pronunciar a palavra sem que a minha mãe se zangasse. Parecia que quando pronunciava a palavra camarada a ofendia pessoalmente. É claro que isto não a ajudou em nada. Quanto mais ela se irritava mais vezes eu usava a palavra, chegando ao extremo de lhe proppor que fosse mais camarada comigo...
Hoje a deputada Odete Santos despediu-se da Assembleia da República aonde esteve por 26 anos. Pena é que não esteja já como deputada, nas comemorações do próximo 25 de Abril. Odete Santos fez um discurso emocionado que acabou com a frase "até amanhã, camaradas", como o título do livro do camarada Manuel Tiago.
Odete Santos era uma "figura" no Parlamento. Era uma daquelas peças de mobiliário a que nos acostumamos, de que aprendemos a gostar, mesmo quando ela "fura" todas as regras, ou talvez (com certeza) por isso mesmo!
A sua irreverência e inquietude, o seu inconformismo e espontaneidade farão muita falta ao nosso cada vez mais enfadonho Parlamento. Sabia bem, num país em que o trabalhador se habituou a dizer"sim" ao patrão, o funcionário ao director, o governante ao PM que só diz "sim" a si mesmo, ouvir alguém dizer "não" à injustiça, à exploração, ao desemprego, ao aborto... a todas as nobres e justas causas a que se entregou (aprove-se ou não), há que reconhecer a sua coragem e lealdade (que é outra coisa caída em desuso, que as pessoas não percebem para que serve)...
A mim pelo menos far-me-á falta. Sobretudo o lado "naíf", que não entendia muitas vezes uma piada como tal...
Pode ser que agora tenha mais tempo para se dedicar ao teatro e nos dê a honra de assistir a mais umas peças... porque nunca é tarde para começar de novo, como nunca é tarde para continuar a lutar noutras barricadas, mas sempre por causas justas... justíssimas!
Então, até amanhã camarada, Odete.

1 comentário:

Unknown disse...

Concordo contigo. É um valor que se perde.Que fica a fazer falta.´Tinha...alma.Isto é: tem alma.