Querida Lena,
é claro que este não é o meu estilo. Não é habitual começar as minhas cartas com estes nomes afectuosos. Não porque não os sinta como verdadeiros, mas porque a minha maneira de dizer amo-te é diferente, mais subtil, menos acintosa. Mas como me emprestaste hoje "Querida Mathilda", decidi iniciar a minha intervenção de hoje desta maneira.
Hoje foste sobretudo os meus ouvidos. Tens toda a razão quando dizes que é preciso deitar para fora. Só que contigo é tão fácil despejar um saco cheio e sentir-me leve imediatamente... creio que esse é um dos teus talentos. Cada um de nós nasce com um determinado número de talentos. Tu tens bastantes, mas ser "ouvidora" é um dos que tens bem treinado. Quando dou por mim, já saiu tudo. Nem precisas de "atirar o barro à parede". É também por isso que me fazes tão bem. É por isso que eu gosto tanto dos nossos almoços. Gosto de te ouvir contar coisas, gosto de aprender contigo as coisas da vida que realmente importam... a ti posso contar sem medo que me aches louca, o que penso, como todos os pontos e todas as vírgulas. Porque eu sei que tu me entendes. Sabes que não estou louca quando digo que o mais importante na vida é ser feliz. E cada um é que sabe como pode ser feliz.
Por mim, como sabes, preciso de muito pouco: alguns bons amigos com que sempre possa contar, livros, música, umas viagens de vez em quando e aqui estou eu feliz e contente. Ah! e saúde. Sem saúde nada feito como sabes... portanto juntemos este argumento de peso e temos um ramo completo de felicidade aqui para a tua amiga.
Depois há as pequenas maldades que me deixam tão feliz! Eu sei que o jesus castiga, mas não faz mal. Vou contar-te o que se passou logo a seguir a ter-te deixado.
Tinha acabado de pousar a mochila e estava a despir o kispo quando o telefone tocou. Era Mr. B a chamar-me ao seu gabinete, pedindo que levasse o meu carimbo. Como não gosto de dar muita confiança e não abdico do meu papel de rebelde, disse "sim senhor", mas primeiro fui à "casinha", fazer xixi, lavar as mãos e os dentes com a necessária calma a uma boa higiene dentária. Depois arrumei o kispo, a mochila, peguei no carimbo e desci.
Mr. B estava à minha espera à porta do gabinete. Se calhar a pensar que eu sofrera algum acidente de trabalho. Não me perguntou porque me tinha demorado e eu também não dei qualquer satisfação (era o que faltava!). Mas se ele quisesse saber haveria de dizer que tinha ido fazer um xixi e lavar as mãos e os dentes como fazem as meninas bem comportadas depois do almoço.
Muito bem: como já percebeste tratava-se de me dar "a nota". Muita palheta, muitas letras e eu sem óculos. Estás a ver-me de papel bem afastado do nariz a tentar perceber o que lá estava escrito, não é?
Pois decidi ir procurar pela minha nota do ano anterior para comparar. Despejei as gavetas e encontrei alguns "tesourinhos" deprimentes e outros interessantes. Pelo meio fui para a sala grande declamar poesia e no fim não encontrei o que procurava, porque provavelmente não estava lá. Deve estar no gabinete da nossa amiga que é sítio como sabes, onde não entro.
Portanto liguei a Mr. B e pedi para falar com ele. Disse-me que descesse. Pedi-lhe que me dissesse qual tinha sido a minha nota no ano anterior, ele corou, titubeou, não encontrava o papel... por fim lá achou! Deu-me uma explicação completamente ilógica para me ter baixado a nota em 0,3! Eu que superei todos os objectivos, tenho provas, tudo anotado , mas estou-me nas tintas para a nota. Só quis ter a certeza que ele percebeu que eu tenho andado a gozá-lo este tempo todo, que o tenho provocado dia após dia, sempre que surge uma oportunidade por pequena que seja. Só quis ter a certeza que ele é grunho mas que não é parvo de todo... para poder continuar, agora ainda com mais zelo, a tratar de o provocar e gozar... porque o facto é que foi a primeira vez na minha vida que vi a minha nota descer... mas também é verdade que o mereço: tenho-me desenfiado sempre que me apetece, desestabilizo os colegas com as minhas estórias, represento, imito, digo poesia da pior, daquela mesmo intragável sabes como é? E gozo Mr. B!
E porquê? Digo-te as palavras do enfermeiro da "Mãe Preta" :"estou cansado, desmotivado..." E esta é a maneira que me resta de continuar viver brincando... assim como assim, ganho o mesmo e divirto-me mais... a gente pode levar algum tempo a aprender mas chega lá... ai se chega!
3 comentários:
Boa Amiga, assim é que é. Mas por agora deves ter cuidado com o teu coração, pois não quero perder outra Amiga.
Anónima não importa quem sejas. Desconfio. Mas se não te identificas tens as tuas razões e eu respeito. Tudo o que eu puder fazer para não perderes mais uma amiga, farei. Mas ao destino ninguém foge. Com toda a minha ternura para ti, amiga.
São duas grafonolas e como tal perturbadoras.
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