( Ao Eduardo Graça, Vítor Ramalho e Valter Guerreiro )
Contigo, a partir de ti, poesia passou a ser " dita ".
Até tu apareceres, ela, a poesia, era " recitada", por Vilaret.
A tua intenção foi aproximar a poesia das pessoas, libertando-a da pose e da liturgia. Foi dizer que a poesia era coisa simples, como a vida, feita com palavras simples, as mesmas que as pessoas simples usavam no seu dia-a-dia.
O teu propósito foi afastar a poesia dos salões, onde vivia afastada, num palco de " belle époque ", da plateia, onde as pessoas pagavam para ver e ouvir uma coisa que estava " no outro lado", e que era do mundo " estranho " dos poetas!
A partir da tua mensagem muita gente ficou a saber - pelo menos a pensar - que as pessoas podiam dizer poesia, com as ferramentas que todos usam, e que não custam dinheiro: as palavras.
Lembro-te, amigo, não só como divulgador de poesia, mas como grande actor que foste. A tua mímica era portentosa.Os teus olhos eram dois faróis enormes. As tuas mãos e o teu corpo falavam.A tua voz era aquilo que querias que ela fosse, mas sempre clara, limpa, forte, bem colocada, irónica, se escárnio, de doçura...Eras autêntico, no palco da vida. Respiravas nele como se fosses o próprio ar que respiravas.
Lembro-te de um outro Março. De 1974. Estávamos no Quartel, no Campo Grande. Estávamos de prevenção rigorosa. Tinha "soado" que um golpe estava em preparação. Que vinha das Caldas. O capitão do Quartel nada nos dizia. Estávamos preocupados. Tu. Eu. O Víctor Ramalho. O Eduardo Graça. O Valter Guerreiro. Perguntávamos: que dizemos aos soldados, se tivermos de sair e juntarmo-nos aos que vêm das Caldas? Mas que tropas são essas, são do MFA, ou dos Reaccionários? Tínhamos de tomar uma decisão. Não sairíamos do Quartel para nos juntarmos a forças anti-MFA. Foram momentos difíceis. Acabámos por saber a verdade através da BBC. Naquelas noites loucas de quartel, o teu talento, a tua criatividade, a tua maluca e sábia irresponsabilidade, foram um bálsamo. Saltaste para cima da mesa do bar. De boina sobre os olhos, dançaste. Dizias impopérios. Já não eras tu. Eras um boneco desarticulado. Até que o capitão surgiu. Viu-te em cima da mesa. Nos a rir, loucamente. Frontalmente para a cara do capitão. Mário Viegas põe-se em sentido. E diz, " Meu capitão, vem aí ela, a Revolução... " Noite louca. Quando o capitão desapareceu, como se tivesse visto um fantasma, pareceu-nos estar a ver uma peça de teatro, das maiores, daquelas que marcam um períiodo da nossa vida e do nosso país... Mário viegas, como foi possível teres chegado a oficial do exército e nunca teres sabido coisas elementares, como " esquerda... volver", " frente... marche", " Olhar... direita", tu... que tinhas um pelotão de 40 homens, de que eras responsável?! Como era possível?! Claro que era. Com aquele talento, tudo era possível!..
Eduardo Aleixo
2 comentários:
Passou o dia do Teatro (27 de Março), e foi propositadamente que não toquei no assunto. Já me enfadam os Dias de tudo e de nada. O Teatro é um bem essencial em qualquer sociedade: devia ser ensinado nos bancos de escola. Mário Viegas era um talento impossível de explicar. Um génio. E como todos os génios capaz de tudo e de qualquer coisa! Como dizes a poesia é coisa bem simples. De ler e de dizer. Porque para escrever poesia já outro galo cantará!
Stela.
Concordo contigo. Escrever poesia é difícil. Escrever sinples é difícil. Mas quando acontece, a gente fica pasmado, como foi possível " aquilo " sair. Claro que " aquilo" é fruto de muito trabalho, intemporal, doloroso, por vezes. Viva a poesia. Viva a arte. Viva o meu grande amigo,Mário Viegas. Vivam quem gosta de poesia, de teatro, de cantar, de amar, de viver esta linda porra da vida, que é coisa bonita e triste, mas é uma bênção, sendo estupidez não vivê-la. Brindemos à vida. Bebamos em taça de jade e beijemos com espuma de amor.
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