03 março, 2007

Da solidão e outras estórias


As coisas são como são e cada um é como cada qual (e não digo o resto, fica ao vosso critério). A verdade é que o meu coração é como eu: rebelde. Não obedece e pronto. Lá o enganam por umas horitas com umas panaceias, mas pronto, quando eu penso, agora vou descansar, aqui me desata ele a saltar e já percebi que não há nada a fazer senão aguentar, pelo menos por enquanto. Vou fazer de conta que não o conheço e pronto... pode ser que, assim ele se canse de me cansar... e vá cansar a mulher do lado.
Nas urgências do hospital S. Francisco Xavier, que é a urgência que melhor conheço por via da minha residência, não existe qualquer recato. Se um médico quer saber porque é que um doente está em depressão por exemplo, o doente acaba por lhe contar tudo e quem estiver minimamente atento ouve a estória toda, sem que o doente tenha sequer um biombo para cobrir minimamente a sua identidade... Hoje ouvi a estória de uma bela mulher, de fio a pavio. Ela coitada estava tão mal que acho que nem percebeu como eu estava atenta à sua estória de solidão. Era uma bela mulher, classe média alta, o típico da linha de Cascais. Com uma estória de vida muito curta, porque sempre viveu com os pais até há cerca de um ano (estamos a falar de uma mulher acabada de entrar nos 40) e que às tantas se envolveu com alguém, veio da Guarda para Lisboa, a relação deu o que tinha a dar, no meio do desespero da solidão surge mais uma relação sentimental falhada e ela, que sempre foi super protegida pelos pais, não aprendeu a viver (tudo isto são palavras dela) está completamente submersa num mar de solidão.
Não é a primeira vez que apanho estórias de solidão na urgência do hospital. Antigamente julgava que isso era um problema das pessoas da terceira idade, mas hoje sei que não é. As pessoas não aprendem a viver com a solidão, mas também não aprendem a viver com os outros. E acabam nas urgências dos hospitais com depressões do tamanho de prédios tipo torres gémeas...
Embora possam pensar que eu estou também em depressão, se tiverem lido o comentário da Fátima na minha crónica anterior, quero aqui afirmar que não estou. Já tive uma depressão e sei, por isso, quais os sintomas. O que eu tenho é uma tristeza infinita dentro de mim e uma vontade de partir para bem longe deste mundo aonde me querem encarcerar como encarceram crianças em idade escolar... Quem está em depressão não tem vontade de viver. Eu não só tenho vontade de viver como de fugir para bem longe... para o calor da minha mãe áfrica. Então estarei em paz comigo, com o mundo e com a vida.
Parabéns Fátima pelo teu neto emprestado. Mas hoje isso não me deixa feliz. Porque ele será mais um menino encarcerado neste mundo europeu, onde o que conta é vencer, ser campeão, nem que para isso tenha que ser infeliz a vida toda. Nem que para isso tenha que abdicar da infância, da adolescência, da juventude... e depois admiramo-nos de que o consumo da cocaína esteja a aumentar em todos extractos sociais e etários?
Para terminar quero aqui deixar os meus parabéns a Naide Gomes pela sua participação brilhante no europeu de atletismo. A melhor marca mundial não é para qualquer uma, mulher... desta, deixaste nuestra hermana a ver navios... parabéns e que a tua vitória sirva para te libertar e não para te encarcerar... é preciso ter cuidado, campeã, para não seres devorada neste mundo dos vencedores aclamados hoje e esquecidos amanhã.

1 comentário:

Anónimo disse...

Os atletas continuam a desmentir a estratégia dos dirigentes de transformar o Sporting Clube de Portugal num clube apenas de futebol e insistem em conquistar títulos internacionais no atletismo – modalidade que, curiosamente, não tem infra-estruturas no clube, depois de demolido o velho Estádio de Alvalade. Neste sábado foi Naide Gomes, a conquistar para Portugal mais um título europeu do salto em comprimento em pista coberta, ao vencer o concurso dos Campeonatos da Europa de atletismo, em Birmingham (Inglaterra), com 6,89 metros, um novo recorde nacional.