Cresci a ver entrarem mulheres em casa da minha vizinha que era "parteira". Eu era muito miúda e não percebia muito bem, porque é que as mulheres lá iam... sobretudo não percebia porque é que elas entravam com tão bom aspecto e saíam desfiguradas, com as pernas tremendo, pálidas, transpirando...
Durante a minha pré adolescência o mistério desvendou-se: a mulher não era "parteira" como se intitulava, mas "abortadeira". Tinha trabalhado aqui na metrópole (como se dizia nessa altura), como empregada de limpeza num hospital. E como de burra não tinha nada, e tinha vários filhos para criar, aprendeu como se fazia, vendo.
Quando foi para Angola, apenas a acompanharam dois filhos: um de cerca de 18 anos e uma bebé que me parece ter nascido já por lá e que fazia as delícias de toda a vizinhança por ser tão bonita e simpática. Metia-se em casa de toda a gente, comia aonde o menu mais lhe agradava e até pedia para lhe darmos banho.
Pois acontece que a nossa vizinha "parteira" vivia de fazer abortos. Tinha no hospital um médico amigo a quem enviava as clientes quando a coisa corria mal e lá se iam governando assim. Só que chegou um dia em que uma das "clientes" foi enviada para o hospital e o médico amigo não estava. A mulher não sobreviveu e não foi possível contar uma estória qualquer ao marido que não fazia a mínima ideia de que a mulher estava grávida. A "parteira" foi presa. A história saiu nas primeiras páginas dos jornais e revistas de Angola. A pequena acabou sendo criada pelo irmão mais velho e da "parteira" nunca mais ouvi falar.
Dramas como este continuam a existir. E é sobre estes dramas que se quer referendar uma lei que despenaliza a prática abortiva até às dez semanas de gestação. E é acerca deste próximo referendo que tenho ouvido "pérolas" como chamarem de assassinas as mulheres que abortam, compararem o aborto com a pena de morte, dizer-se que se mude a pena de prisão para trabalho comunitário... mas estes senhores não têm mesmo vergonha na cara? Até onde pode ir o descaramento desta gente que não vive num mundo real, que ignora os dramas que levam as mulheres a abortar e que até têm o desplante de usarem este argumento para apelarem ao "não". Não há com toda a certeza ninguém que vá votar sim porque é contra a vida. Não é a vida da criança que vai ser referendada. Trata-se apenas de referendar uma lei que despenalize completamente as mulheres que abortem, sem terem que se justificar por isso, até às dez semanas. Trata-se apenas de evitar que qualquer mulher possa sentir a humilhação de ir a tribunal por tal prática. De ver a sua vida devassada porque por uma razão de foro íntimo decidiu não ter aquela criança.
Eu sou contra o aborto. Mas voto SIM pela despenalização das mulheres.
Eu sou a favor da vida. De qualquer vida. E é também por isso que voto SIM.
3 comentários:
Era para escrever também algo sobre este tema, mas não vou fazê-lo. Não vou repetir-te. Subscrevo inteiramente as tua palavras. Vamos votar sim.
EA
eu particularmente nao concordo ctg...mas como diz o povo e bem: cada cabeça sua sentença
penso que a lei actual ja é bastante permissiva..se virmos bem existem ate paises que nao deixam abortar mm se a mulher for vitima de violação...
uma coisa que me confunde nisto tudo é tb o papel do pai da criança...ja que o pai é totalmente marginalizado em todo estes contexto
a meu ver cada nova viva que se gera dentro da mulher é um ser unico e irrepetivel, algo que foi criado por duas pessoas....
penso que a mulher( e o homem tb) devem ser responsaveis e usar e todos anticoncepcionais se nao quiserem engravidar...nao devem usar o aborto como mais uma saida facil....
...pois a meu ver é isso que vai acontecer...vai tornar-se uma saida facil..mais um metodo anticoncepcional...tal como aconteceu com a pilula do dia seguinte
e se virmos bem nao estaremos a eliminar a causa desse grande problema que é a gravidez indesejada...continuaremos a nao apostar na formação e na educação para a saude...porque se opta por escolher o caminho mais facil
mas o que importa é votar e de cnsciencia tranquila
cumprimentos
Eu também voto SIM!
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