09 janeiro, 2007

Porque sou livre de sonhar!


"Deixa-me sonhar. Deixa, deixa-me sonhar... os sonhos são meus, deixa-me sonhar". Foi com esta frase a matraquear-me no cérebro que acordei hoje. Não sei se estava a sonhar. Sei que esta frase é a tradução de uma canção em castelhano que ouvi muito na minha adolescência. Por altura da idade em que esta foto me foi tirada. Antes mesmo, uma vez que esta já faz parte da altura das viagens de mochila às costas, de comboio, à boleia, só ou acompanhada, ou começando só e acabando acompanhada ou vice versa, conforme sopravam os ventos e a vontade de falar ou de estar em silêncio. Mais de estar em silêncio. Se tinha sorte arranjava um(a) parceiro(a) falador e aí ficávamos bem os dois. Eu estava ali no papel que ainda hoje prefiro: o de ouvido.
Quando tirei da mochila o livro que tinha escolhido para começar hoje a ler e que só sabia ser do Luís Sepúlveda, reparei que o livro se chama "O poder dos sonhos". E li o primeiro depoimento exactamente com este nome. Chamo-lhe depoimentos, porque é exactamente do que se trata. Sepúlveda fala de política, do Chile que adora, da Patagónia onde tem um compadre pescador, da vida, de tudo e de nada. Mais ou menos como nós fazemos por aqui. Só que eu não sou o Sepúlveda.
Mas como ele, a emoção toma conta de mim com toda a facilidade. Ele fala do passado, das lutas anti fascistas, dos mil dias do governo Allende e eu penso nos meus anos de militância em que todos os companheiros davam o que tinham e o que não tinham por uma causa em que acreditávamos. Pelo sonho de ver Portugal alfabetizado, livre, saudável, feliz... Foram bons os anos pós revolução. Foram anos de euforia, de entrega a causas, de partilha. Nunca me zanguei com ninguém por causa da política e se há alguém que se possa chamar de radical, esse alguém sou eu. Mas desde os colegas que apoiavam o CDS (já nem sei mesmo se era CDS que se chamava em 74, que coisa, esta mania de mudarem o nome das coisas...), até à UDP, passando pelo PPM, dava-me bem com toda a gente, fazíamos a festa, lançávamos os foguetes, apanhávamos as canas. Depois chateei-me e tornei-me anarca. O sonho crescia, mais do que eu. A utopia tornou-se uma realidade dentro de mim.
Depois a vida acordou-me, vieram os filhos, o trabalho, o costume... e de repente, quando olhei para o espelho, tinham passado 20 anos e eu achei que era tempo de voltar a ser tudo o que fora, o que sempre fui: uma sonhadora! E todas as manhãs sorrio ao espelho ao ver as rugas que aparecem todos os dias. Mas não me incomodam: são a estrada que percorri até aqui. Estou feliz porque tive tempo de chegar a uma idade que me permite ter rugas e cabelos brancos e filhos e netos e amores e amigos e muitas estórias para contar. E ainda não decidi se algum dia morrerei. Enquanto tiver capacidade de sonhar sei que estarei viva, inteira, feliz... Há uns enganos e desenganos pelo meio, umas ilusões desfeitas, algumas perdas dolorosas... mas pedras no sapato, não! Então posso continuar a caminhar... sempre em frente, driblando quem me quer meter na ordem, no meio do rebanho... Porque sou livre de sonhar!

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