31 janeiro, 2007

Faz de conta...


Hoje vamos brincar ao "faz de conta". Faz de conta que eu estou muito bem disposta para falar e que vocês estão cheios de paciência para me escutarem.

Faz de conta que és o Luís Sepúlveda e que eu sou uma amiga tua. Combinámos encontrar-mo-nos no café e tu já estás à minha espera... sento-me peço uma "italiana" e peço-te desculpas porque me atrasei no cabeleireiro. Ficas entusiasmado por eu ter ido ao cabeleireiro. Aliás, notaste logo que eu tinha ido ao cabeleireiro, porque és um tipo observador e não és casado comigo. Pedes-me como uma criança

- Conta-me tudo o que se passou no cabeleireiro!

Fico contente porque notaste que eu fui ao cabeleireiro. Quando chegar a casa o meu marido olhará "através" de mim e é claro que não notará diferença nenhuma no tamanho do cabelo... tu notaste e eu sinto, só por isso, que passei a existir. Há pelo menos alguém neste mundo, para quem existo! Decido então que tu mereces que eu te conte tim-tim-por-tim-tim o que se passou no cabeleireiro.

- Vou sempre ao mesmo cabeleireiro aqui do bairro. Sou cliente da "patroa" que já morou no meu prédio e de quem conheço o marido, os filhos, os netos... Costumamos falar de tudo e de nada. Peço-lhe muitas vezes que esteja atenta quando a minha mãe lá vai (e essa é uma boa cliente, porque vai pelo menos uma vez por semana), por causa das confusões que ela faz com datas e dinheiro, devido à arteriosclerose avançada... ela conta-me sempre as ultimas peripécias passadas com ela e afinamos estratégias para a ajudar sem que ela dê conta.

Hoje quando cheguei, e porque sou a única cliente que ela atende sem marcação prévia, porque sabe que eu sou repentista e não me dou bem com marcações de cabeleireiro, porque tenho que estar "para ali virada" no momento. Então, como te digo, ela tinha saído há dez minutos conforme me informou a empregada, que também conheço há imensos anos, pois que ali está há uma pequena eternidade. Não havia clientes e perguntei-lhe se ela se importava de me atender. Respondeu-me que me atendia, mas que não se responsabilizava, uma vez que a patroa é que conhece bem o meu cabelo. Disse-lhe que não havia drama nenhum. O cabelo cresce rapidamente, por isso nunca me ralo muito quando não fica exactamente como eu quero.

Lá fui tentando explicar como era o "corte". Falei-lhe numa personagem de uma novela para ela saber o que eu queria mas ela disse-me que não via novelas. Deu-me então uma revista e penteados para a mão para eu ver o que queria. Disse-lhe o que queria "mas mais curto".

Ela começou a cortar. Entretanto o telefone tocou e ela foi atender. Olhei para a parede à minha direita e vi uma fotografia do "corte" que eu queria exactamente. Quando ela desligou e voltou, disse-lhe, isto mesmo aqui à nossa frente e eu sem ver.

E ela lá foi cortando e fomos conversando como sempre da minha mãe, porque é lá que eu me informo melhor do que ela se queixa e das mazelas que as pessoas lhe notam. Podes crer, Luís, não existe melhor sítio para se ficar a saber tudo de uma mulher que o cabeleireiro. Entretanto uma senhora de nacionalidade brasileira que estava a ser "tratada" pela manicura, começou a falar de novelas e eu fiquei a saber que ela via tudo quanto é novela brasileira. Ficou desiludida por eu não saber do que ela estava a falar. Mas aconselhou-me vivamente a ver a da TV Record às 20.30. Disse-lhe que a essa hora via as notícias e ela informou-me logo que eu podia bem ver as notícias antes ou depois... pois claro. O que eu não posso é perder aquela novela. Parece que tem muitos funerais, mas depois as pessoas "regressam", o que me deixa um pouco mais sossegada quanto ao meu futuro.

E agora Luís, meu querido Luís Sepúlveda, diz-me do que trata o teu próximo romance.

1 comentário:

Unknown disse...

Gostei muito do teu texto: uma delícia.