03 dezembro, 2006

O céu está cinzento pai, e eu tenho tantas saudades tuas... vesti a tua camisola castanha de gola alta e já estou melhor.
Ando há dias para te dizer que recuperei a capacidade de chorar. Agora choro normalmente como toda a gente, como chorava antes de teres partido, para essa viagem que não termina nunca. E tenho saudades pai: do modo como me acariciavas o cabelo, da maneira como me ouvias, como me dizias que estava errada e eu continuava errando, pois tu sabias que eu só fazia o que me apetecia tal como tu... mas tu estavas aqui, ouvias-me depois das asneiras e hoje até tenho saudades daquele teu "bem te avisei" que odiava.
Que saudades das nossas conversas sobre livros, pai! Que saudades das tuas estórias de rapaz... estou a lembrar-me daquela da mãe do Sousa que era "bruxa" em Alcântara e que usava uma mesa de pé de galo... e da maneira como tu dizias que a mesa subiu as escadas atrás de vocês, por terem ido importunar uma sessão espirita que a senhora estava a fazer. Tu contavas tantas estórias pai... e eu acreditava. Acreditava porque te amava mais do que tudo... e depois nasceram os meus filhos e amo-os da mesma maneira, mas é em ti que continuo a acreditar quando me contas as tuas estórias inverosímeis... devias ter escrito essas estórias pai... porque agora não sei contar todas as meus netos...
Fazes-me tanta falta pai! Queria ver-te com o Pedro ao colo, encantado com o teu bisneto... queria que tivesses conhecido o Pablo... queria que lhes contasses as estórias que me contaste e todas as outras que não tiveste tempo de inventar, mas que nem por isso deixaram de ser menos verdadeiras... Tanta coisa que tenho ainda para te dizer! Mas amanhã tenho uma série de pequenas coisas para resolver (daquelas que tu costumavas resolver para mim, lembras-te?) e depois vou fazer uma pequena viagem pelo Alentejo interior, aquele que sempre me quiseste mostrar e que eu nunca tive tempo para te acompanhar... ah, se fosse hoje pai, eu deixaria tudo e partiria contigo, sem nada marcado, à toa, como os ciganos que nunca dexámos de ser. Mas já comecei a fazer pequenas incursões... esta vai ser um bocadinho maior, porque me apetece fugir da cidade, fugir desta mentira em que o Natal se tornou, encontrar-me de novo, chorar todas as lágrimas que ainda me faltam chorar (tenho um débito pai que nem te passa pela cabeça...), partir à procura de alguma coisa ou de coisa nenhuma; de alguém ou de ninguém, conforme estiver escrito no caminho que as estrelas me destinaram, quando eu nasci... só porque tu quiseste que eu nascesse!
Obrigada pai! Dorme bem. Amo-te!

2 comentários:

Unknown disse...

Todas as tuas palavras são um poema de amor.Palavras que o teu pai ouviu, eu acredito nisso.

Eduardo Aleixo

Anónimo disse...

Que linda homenagem! Foi muito bom para mim ler estas palavras, eu que também já não tenho o meu e que sinto tanta falta dele! Durante os primeiros nove anos da minha vida, ele foi a única ligação que tinha à minha família biológica; depois cresci e tornámo-nos grandes amigos, falávamos de tudo,partilhávamos o gosto pela leitura,cinema, política..., às vezes pedia-me opinião sobre alguns problemas familiares, achava que eu via a nossa família com algum distanciamento e por isso ouvia-me sempre com muita atenção.