07 setembro, 2006

Lembras-te?


Não sei precisar em que mês. Suponho que era ainda Verão. Lembro-me que a minha gravidez (a primeira) era já bem visível, mas não me lembro de que estivesse frio... se bem que nas ilhas as quatro estações acontecem no mesmo dia, pelo que às vezes é um pouco difícil precisar... mas devia ser ainda Verão. A minha barriga era notavel, porque eu era tão magra que só se via o barrigão.
Fazíamos as refeições, (eu, o João e quase sempre o meu sogro) almoço e jantar sempre no Nacional. E os Azevedo, lembras-te? Todos enormíssimos em altura... acho que cada um deles rondava os 2 metros. E também o Fritz e a velhota que lhe alugava o quarto, mais o Armando Medeiros (o Armandinho)... mas esse não era cliente diário.
A velhota chegava, beijava-me e dizia-me "que vontade que eu tenho de lhe pegar ao colo!", acariciava-me o rosto, às vezes tipo beliscão como se faz com os bebés. Depois ia sentar-se na mesa dela. Sózinha. Ritual diário, à hora de almoço, porque ela não aparecia ao jantar.
E foi num desses almoços, que tu apareceste com o Luís mais aquela ideia peregrina de comprar terrenos em S. Jorge... Eram tantos hectares, que se juntassemos o Pico e o Faial, se calhar ainda assim não chegaria!
O Luís sempre muito "alto" e tu sempre "na tua". Eras a ama dele. Cuidavas para que nada de mal lhe acontecesse... achavas que devias isso à irmã dele de quem eras muito amigo. Sempre foste assim. Ciente das tuas obrigações. Aquelas que tu mesmo te impões.
E acabámos o almoço à pressa e fomos para o porto... comprar bilhetes para a viagem que o barco iniciava dali a meia hora!
Só arranjámos um camarote de 3ª classe! Três homens e uma mulher grávida, enfurnados num camarote com dois beliches, nos fundos do Ponta Delgada, com aquela humidade bem conhecida de quem já viveu nas ilhas.
Eu feliz. Muito feliz... tudo o que metesse alguma aventura me deixava (deixa) feliz! De Ponta Delgada a Angra de Heroísmo, um mar levado da breca. O navio cheio de "feijões verdes" a vomitar borda fora. O comandante a gozar porque a grávida não enjoava... Uma viagem e tanto.
Chegámos a S. Jorge no dia seguinte pela hora do almoço. Velas não tinha porto e fomos transportados para terra numa chata... e mal pusemos os pés em terra, o encantamento: crescia café espontâneamente à beira do cais de embarque... Lembras-te?
Procurámos alojamento que encontrámos com facilidade. Uma senhora fazia da sua casa, residencial, de quando em vez, quando apareciam uns "cromos" como nós. Alugámos dois quartos.
Depois fomos almoçar... descobrimos um restaurante de um "retornado" de Angola e comemos uma bela moamba.
Sei que demos a volta à ilha e eu encantada... quis logo mudar para lá. Arrastei-vos até ao hospital. Queria ver que condições havia para ter ali o meu primeiro filho. O Director fez questão de me acompanhar na visita à maternidade do hospital. Era indiano e de uma afabilidade extrema. Brincou imenso comigo, com a minha juventude e a minha gravidez. Fui conquistada logo ali. Eu queria mesmo era mudar de vez. Ver o Pico e o Faial encantou-me. Em S. Miguel só em dias de rara luminosidade se via Santa Maria... e mesmo assim estava demasiado longe.
Acho que levaste uma grande parte da noite a dar na cabeça do Luís. Não me lembro se existia realmente algum terreno ou não. Isso para mim não importava. O que contava, o que conta hoje ainda é a aventura!
E foi muito bela, muito boa, porques estávamos entre amigos... E apesar de ter adoecido tão gravemente na viagem de regresso, continuei a achar que tinha valido a pena! Ah, e tu tão danado porque eu não me tinha queixado de dores... E aflito, com medo que eu abortasse. Acho que estavas mais preocupado que o pai da criança! Foste sempre assim: sério e responsável. O meu avesso. Por isso me fazes tanta falta!

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