10 agosto, 2006

Toma um café comigo?


É um homem. Alto, magro, seco, cabelos e barba crescidos, óculos, um certo porte aristocrático. Aparenta ter entre 75 e 80 anos. Hoje veste um fato completo, negro, camisa branca, sapatos negros bem limpos. Parece saído de um filme dos anos 20 do século passado...
Apresenta-se como um sem abrigo. Nunca o ouvi repetir uma frase de apresentação, embora diga sempre que é um sem abrigo, que não é doente, que não pede nem rouba. Tem sempre alguma pequena utilidade para vender: lapiseiras, lápis, embalagens para o passe... tudo a €1,00. Vai mudando a mercadoria. Também nunca me apercebi de que repetisse os produtos que vende.
Vejo-o no metroplolitano de Lisboa e na linha CP de Cascais. Mas creio que anda também por outros lados.
Hoje mudou o meu dia.
Seriam 8 horas da manhã quando se apresentou como de costume, na carruagem do metro em que eu viajava e começou a oferecer o produto aos possíveis clientes. Estamos em Agosto e a carruagem estava apenas meio ocupada.
Eu ia a ouvir música com fones e a ler a última edição da Reader's Digest. Abri a mala, tirei a carteira e verifiquei que tinha várias moedas de € 1,00 e apenas uma de € 2,00. Comprei uma embalagem para o passe entregando a moeda de € 2,00. Disse-me que não tinha troco. Respondi que não fazia mal, que ficasse com o troco. Essa era a minha intenção desde o início, mas não quis que ele percebesse.
Outra senhora comprou também uma carteira por € 1,00. Apertou-nos a mão a ambas. A senhora saiu ou sentou-se num local onde eu não a via. Voltei a minha atenção para a música e para a leitura.
Ele sentou-se então no banco à minha frente, virado para mim, em vez de passar para as carruagens seguintes como de costume.
Quando cheguei à estação do meu destino, arrumei a revista e os óculos na mala e levantei-me para sair. Ele levantou-se também e comentou que também gostava muito de ler aquela revista, mesmo as mais antigas, porque traziam estórias muito interessantes.
À saída disse-me que ia tomar um cafezinho... e convidou-me para o acompanhar!
Infelizmente eu já tinha tomado café. Teria aceitado o convite deste nobre com a maior alegria.
Quantas mulheres se podem gabar de terem sido convidadas para tomar um café por um sem abrigo?
E foi assim que o meu dia se encheu de luz... e sempre que me sentir triste, hei-de pensar neste velho que tem que calcorrear Lisboa para sobreviver... e ainda assim é capaz de convidar uma senhora para tomar um café! E sei que hei-de sentir sempre o enorme orgulho de ter sido convidada por ele para tomar um café!

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