31 março, 2008

If I Had Eyes - Jack Johnson (clica aqui)

If I had eyes in the back of my head
I would have told you that
You looked good
As I walked away

Poeta cerebral em crise


Quando um poema o toca
sente frio
já tirou leite das pedras
como ordenhar o vazio?
(Fernando Abreu)

Africanices


Enquanto caminho à beira mar, numa manhã perfeita de Primavera mas com um mar agitado com alguns surfistas a curtirem as ondas vou pensando que nesta altura do ano, o calor em Angola era insuportável a ponto de termos férias no mês de Março que era também o mês das calemas (nome dado à forte ondulação que levava com que as ondas galgassem as praias e invadissem a estrada da ilha de Luanda)
E embrulhada neste calor e nestes pensamentos sou levada a pensar no Zimbabwe e nas suas pretensas eleições democráticas, aliás como em quase todos os países africanos. Um presidente que diz mesmo antes das eleições que não cederá o poder quaisquer que sejam os resultados, para que faz eleições? Para se dizer que é democrático? O senhor Mugabe está velho, caduco e nem sabe ao certo se tem só 84 anos. Mesmo assim está indisponível para ceder o poder. Há-de querer continuar a encher os bolsos até morrer. Há-de querer continuar a livrar-se dos que lhe fazem frente. Há-de acabar com o pouco que ainda resta de um país onde as pessoas preferem dormir ao relento num país vizinho a permanecerem num país onde passam fome e vivem apavorados com a hipótese de serem presos por qualquer coisa que fizeram e não agradou ao senhor Mugabe.
Mais uma africanice. Não lhe chamem é democracia.

30 março, 2008

The Logical Song - Supertramp (clica aqui)

Oh won't you sign up your name
We'd like to feel you're
Acceptable, respectable, oh presentable, a vegetable

Gestos, neuras e sonhos


As faces neuróticas do tempo
vomitam gestos absurdos.

Gritos fabricam alucinações.
A imagem é bisonha.

Viajam homens
espatifados de sonhos.

(Tadeu Terra)

Um país civilizado


O caso do telemóvel, da aluna e da professora da escola do Porto anda em todos os telejornais há tanto tempo que até parece que voltamos ao caso Casa Pia ou Maddie. Só não falam durante tanto tempo mas a verdade é que todos os dias se diz alguma coisa. Desde a ministra à oposição todos têm que dizer alguma coisa. A verdade é que esta professora que deve estar à beira da reforma não se quis chatear e não apresentou queixa contra a aluna e os colegas da mesma que não moveram um dedo para ajudar a senhora. Tudo miudagem com altos valores morais e padrões de educação altíssimos.
Não fosse o parvo do miúdo resolver gravar a cena para a pespegar na NET e até hoje meia dúzia de pessoas teriam conhecimento do que se passou. Agora a professora sente-se incomodada e com a sua privacidade invadida e com razão. A aluna agressora vai mudar de escola e o que filmou a cena também. Tudo o resto fica na mesma. Os alunos que nada fizeram a não ser "divertirem-se" à custa da cena lamentável hão-de provavelmente assistir a cenas semelhantes e ficar a observar sem nada fazer. Não é pois de admirar que quando se vê alguém ser agredido no meio da rua, cada um siga o seu caminho como se nada fosse. A maior parte das vezes é assim que acontece. E se aparece alguém a tentar ajudar e dá um bom par de estalos ao agressor ainda é vaiado porque está a acabar com o espectáculo.
Cenas pouco edificantes de um país que se pretende civilizado.

29 março, 2008

Encostar na tua - Ana Carolina (clica aqui)

Eu quero te roubar pra mim
Eu que não sei pedir nada
Meu caminho é meio perdido
Mas que perder seja o melhor destino
Agora não vou mais mudar
Minha procura por si só
Já era o que eu queria achar
Quando você chama meu nome
Eu que também não sei onde estou
Pra mim que tudo era saudade
Agora seja lá o que for
Eu só quero saber em qual rua
Minha vida vai encostar na tua

horizontes


Lucia me ensina ventos
Luiza mostrou azuis
Luana noites
Lucimar
me deixou a ver navios
(Eduardo Hoffmann)

Sem paragem para balanço.


é verdade, já deram por isso com certeza, não sou muito dada a balanços. geralmente os balanços requerem a suspensão da actividade e eu não sou dada a suspensões menos ainda a paragens. não gosto mesmo de ficar a olhar para o nada à espera que algo me caia no colo ou um cometa pouse nos meus ombros, assim muito devagarinho e mude o rumo da minha vida. acontece que o ano não se tem vindo a desenrolar da melhor maneira, tive alguns desastres, pequenas tragédias domésticas, tive que me esforçar em dobro para não ficar metida na cama, mas a verdade é que parece que o mês de Março não me correu mal. particularmente a última semana. acho que foi o gesto simples de uma velha senhora no metro que me vendo atrapalhada para pôr a mochila às costas me deu uma ajudinha que foi um gesto tão simpático, daqueles a que já nos desabituámos. acho que ele ficou espantada por ter agradecido tanto, afinal há-de ter pensado o caso não era para tanto, mas para mim foi, desde que vim de Londres o ano passado não tinha um gesto assim de uma desconhecida. outro dia um sujeito deu-me passagem para entrar no metro à frente dele, mas logo a seguir correu para apanhar um lugar sentado e quando viu que eu tinha ficado de pé quis dar-me o lugar mas a asneira estava feita, naturalmente não aceitei, mas pensei para comigo como é que é possível pensar que um sujeito é um cavalheiro num segundo e no segundo seguinte pensar que é um cavalo? é claro que não é um cavalo. afinal acabou por me oferecer o seu lugar embora tenha tido uma atitude esquisita ao dar-me passagem para depois correr à minha frente, por uma coisa tão simples quanto um lugar sentado no metro... enfim. a velha senhora teve um pequeno gesto que me sensibilizou e chego ao fim de uma semana de trabalho, satisfeita com o que ela me ofereceu, apesar da aflição da Adélia (só para a morte é que não há remédio, minha linda) e da Ercília que hoje apareceu no emprego debulhada em lágrimas quando devia estar a gozar um merecido fim de semana, ainda por cima por uma coisa que não fez... mas ainda que tivesse feito, acontece a qualquer um Ercília. vê se curtes a tua família e o teu gato e deixa de choradeiras mulher. logo tu que és tão bonita, hás-de ficar cheia de pés de galinha em dois tempos se continuas a chorar desabaladamente por coisas que não merecem a importância que lhes dás. tudo na vida é relativo. não dramatizemos. vais ver que um dia destes alguém desconhecido terá para contigo o gesto que te porá na cara esse sorriso que a todos encanta.
e agora, bom fim de semana, também para mim...

28 março, 2008

Gente humilde - Chico Buarque (clica aqui)

São casas simples
Com cadeiras na calçada
E na fachada
Escrito em cima que é um lar
Pela varanda
Flores tristes e baldias
Como a alegria
Que não tem onde encostar
E aí me dá uma tristeza
No meu peito
Feito um despeito
De eu não ter como lutar
E eu que não creio
Peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar

Pessoa e Quintana


Lendo Pessoa e Quintana
é interessante o que a gente sente
vendo o mundo através da arte deles
e formando a poesia da gente
às vezes longas às vezes diferente
mas Pessoa e Quintana não se lê, sente
nos faz pensar na vida, nas pessoas, mesmo as ausentes
as palavras caem dos livros como estrela cadente
saindo da folha para iluminar o céu da vida da gente!

(Ubiratan Fernandes Miranda)

Gente generosa de verdade.


Da Adélia já tenho falado por aqui, no meu tempo. Porque ela faz parte do meu tempo, faz parte do meu dia a dia e da minha vida. Sem Adélia a minha vida seria muito mais monótona. Porque ela não é uma mulher: é uma força da natureza. A Adélia já foi taxada de cromo de Portugal mas ri-se disso. E ri bem. Com uma alegria que nos deixa encantados. A minha querida Adélia que diz absurdos que põem toda a gente a rir, com a maior convicção deste mundo, hoje apareceu-me a chorar.
Chora como ri. Com sentimento. Fiquei aflita quando a vi naquele pranto, quis falar com ela, mas não estava capaz de falar e disse-me que falaríamos mais tarde.
Deixei passar um bom bocado, sempre imaginando se algum dos velhotes dela teria morrido ou estaria muito mal, ou se o marido ou o filho que ela adora teriam sofrido algum acidente... mas depressa percebi que não sou adivinha e só saberia o que se passa quando ela me contasse.
Por isso fui ter com ela e então contou-me o drama de uma irmã mais nova, mulher de 38 anos, que tem uma filha de sete, está divorciada há 3 anos, tem um salário de € 600,00 e um encargo mensal só com o pagamento da casa ao Banco na ordem dos € 400,00.
A família vai ajudando, mas enfim, nenhum deles vive muito bem, é gente humilde, os velhotes com reformas mínimas e contas de farmácia máximas, enfim, o dia a dia da maioria das famílias portuguesas.
A irmã da Adélia foi ao Banco e disse que não tinha condições de pagar uma mensalidade daquele tamanho, enfim explicou que quando o compromisso foi assumido a sua vida era uma, agora tudo mudou e o Banco respondeu, se a senhora deixar de pagar fica sem a casa, vai para a rua...
Acontece que esta mulher tem problemas psíquicos hereditários que a levam a auto mutilar-se. Diz que não sente dor. Diz que se vai suicidar. E a Adélia tem medo. Tem medo porque conhece a irmã. Tem medo porque ontem a irmã foi levada para o hospital com os pulsos cortados.
São as pequenas (para nós) grandes tragédias dos que nos rodeiam e de que muitas vezes nem desconfiamos.
Só resolvi contar aqui esta estória, para recordar ao nosso PM, que se diz tão generoso, que casos como o desta mulher existem por aí ao virar de cada esquina, de cada rua deste país. Para ver se ele pode fazer algo para melhorar a vida de gente que sobrevive desta maneira. Para que pense na filha de 7 anos desta mulher que pode ficar órfã e traumatizada para o resto da vida, embora não abandonada porque a família é gente humilde, mas gente boa. Gente generosa de verdade. Que dá até o que não tem para se ajudar.

27 março, 2008

Fita Amarela - Orquestra Imperial (clica aqui)

Não tenho herdeiros, não possuo um só vintém
Eu vivi devendo a todos mas não paguei a ninguém
Meus inimigos que hoje falam mal de mim
Vão dizer que nunca viram uma pessoa tão boa assim.



Campo de flores


Deus me deu um amor no tempo de madureza,
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus-ou foi talvez o Diabo-deu-me este amor maduro,
e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e outros acrescento aos que amor já criou.
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.

Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
imensa e contraída como letra no muro
e só hoje presente.
Deus me deu um amor porque o mereci.

De tantos que já tive ou tiveram em mim,
o sumo se espremeu para fazer vinho
ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.
E o tempo que levou uma rosa indecisa a tirar sua cor dessas chamas extintas
era o tempo mais justo. Era tempo de terra.

Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis.
Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
para arrecadar as alfaias de muitos
amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,
e ao vê-los amorosos e transidos em torno,
o sagrado terror converto em jubilação.

Seu grão de angústia amor já me oferece
na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e o mistério que além faz os seres preciososà visão extasiada.

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
há que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.

Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
e estou vivo na luz que baixa e me confunde.

(Carlos Drummond de Andrade)

O que tenho para te dar...


Eu sei. Tens razão meu amor. Eu devia ser mais indulgente comigo. Seria mais indulgente contigo. Seria mais indulgente com todos. Mas não posso. Não é que eu não queira, meu amor. É que não sou capaz.
O lenço transformado em rosa vermelha que me deste há-de ficar para sempre como a lembrança de alguma coisa muito boa que aconteceu na minha vida quando eu achava que já não havia nada para acontecer. E fica também como uma certeza. Afinal tudo pode ainda acontecer.
Menos isso que me pedes. A gente não muda assim num estalar de dedos, meu amor. Quem me ama aceita-me. Como tu. Pede-me indulgência e aceita que eu diga não. Aceita que eu seja tão realista, tão pés no chão, apesar da imaginação sempre a fervilhar, apesar de inventar constantemente formas de te fazer rir e de te deixar sem saber se sou mesmo louca ou estou apenas a fazer o meu papel. O papel que escolhi para mim. Colou-se-me à pele de tal modo que nem eu já sei quem sou de verdade.
Mas sei que me fizeste muito bem. E muito mal, também. Sei que te fiz muito bem. E muito mal. E que se me tornasse indulgente seria ainda pior para ti. Porque não suportaria sentir que me abandonei para te ter. Não te quero, meu amor. Quero-me. Sei que não consegues perceber isto hoje, neste momento, mas um dia destes, quando estiveres menos magoado, vais perceber e aceitar que tenho razão. E vais procurar outra mulher a quem possas oferecer rosas vermelhas sem ter que lhe pedir em troca indulgência.
Na verdade não te posso dar o que não tenho. E o que tenho para te dar, meu amor, é nada!

26 março, 2008

Desafinado - João Gilberto & Tom Jobim (clica aqui)

O que você não sabe nem sequer pressente
É que os desafinados também têm um coração
Fotografei você na minha Rolley-Flex
Revelou-se a sua enorme ingratidão

Só não poderá falar assim do meu amor
Este é o maior que você pode encontrar
Você com a sua música esqueceu o principal
Que no peito dos desafinados
No fundo do peito bate calado
Que no peito dos desafinados também bate um coração

Poesia mínima



Pintou estrelas no muro
e teve o céu
ao alcance das mãos.
(Helena Kolody)

Estamos todos de parabéns.


José decidiu baixar o IVA a 21% para 20%. Que bom. Que contentes que ficamos todos. Para falar verdade preferia que ele baixasse o de 5 para 4,5%, mas já sei que vozes de burro não chegam ao céu e puseram-no lá e agora todos o aturamos.
Estamos todos muito contentes com a Administração Pública. Serve cada vez pior, mas que importância tem isso, se se gasta muito menos? E o José ganha em todas as frentes. A função pública tem sido o bode expiatório de todos os governos. Não há aumentos para ninguém, porque os que há são "comidos" na realidade, pelo IRS o que faz com que o vencimento seja melhor (poucachinho, poucachinho, como dizia a minha avó), mas se veja menos ao fim do mês... Mas estamos todos tão contentes. Sobretudo aqueles que como eu já desistiram de usar as lapiseiras que nos dão para trabalhar porque não prestam, os que levam sacos para o lixo, porque se reduziu de tal maneira que não existem, os que levam toalhetes para limpar as mãos porque os que nos são dados não chegam nem para 15 dias, os que levam papel higiénico de casa se não quiserem sair do serviço para ir à casa de banho do café mais próximo e até os completamente tansos como eu, que fazem chamadas dos seus telemóveis para os utentes porque não podem fazer chamadas e têm pena da miséria em que as pessoas vivem... e estes são apenas alguns exemplos. Eu sei, todos sabemos que existiam abusos. Existem ainda e em todo o lado, mas será justo que paguemos do nosso bolso bens que nos são essenciais para trabalhar? Cada vez trabalhamos mais e pior, porque cada vez somos menos e mias velhos...
Mas estamos todos de parabéns. Afinal o IVA a 20% desceu 1% e as contas da Administração Pública melhoraram bastante. E a continuar assim ainda vão melhorar mais. Quando perceberem que se não nos derem ferramentas de trabalho as levamos de casa, aí é que vai ser mesmo a poupança do século. Cá para mim que não percebo nada de finanças, brevemente chegaremos aos -2,6%. Quando estivermos todos a pagar para trabalhar.

25 março, 2008

Mil Perdões - Chico Buarque e Daniella Mercury (clica aqui)

Te perdoo
Por fazeres mil perguntas
Que em vidas que andam juntas
Ninguém faz
Te perdôo
Por pedires perdão
Por me amares demais
............................................
Te perdôo
Quando anseio pelo instante de sair
E rodar exuberante
E me perder de ti
Te perdôo
Por quereres me ver
Aprendendo a mentir

Nos gemidos


Nos gemidos
do teu rio
navego devagar
no encantamento
do teu cio.
(Geraldo Coelho Vaz)

A obssessão do Tibete


Sonho com o Tibete desde miúda. Como muitos jovens da minha geração que gostavam de ler. Eu devorava simplesmente os livros de Lobsang Rampa. E o que me interessava mais não eram as suas teorias sobre o sobrenatural, mas as descrições do Tibete e da vida dos monges budistas. De resto, se algum dia me aproximar de alguma religião será com certeza esta, porque tem a ver com a Terra, com o ser humano, com a tranquilidade de espírito.
Pois como dizia, através dos livros de Rampa, formou-se no meu espírito a imagem de um país cheio de montanhas e silêncio. Um país onde o povo levava a vida com tranquilidade, entregando-se em todos os seus tempos livres à meditação. E sonhava com o Tibete. Para falar verdade ainda sonho.
Estou neste momento a ler a "Viagem ao Tibete" feita por uma estrangeira por volta de 1910, só porque foi proibida de entrar na capital Lhassa e apostou consigo mesma que conseguiria fazê-lo. Nessa altura, oficialmente o Tibete era um país independente, mas a realidade é que já nessa altura era apenas mais um país subjugado pela China.
E agora dói-me ver diariamente as imagens de tibetanos a serem espancados e presos pelas autoridades onde quer que decidam manifestar-se pela liberdade do seu país... (a propósito, afinal o Kosovo é ou não é um país independente? quando é que Portugal decide tomar uma decisão?)
A atitude do Dalai Lama pode ser muito bonita, muito pacífica, mas não há revoluções verdadeiras e pacíficas... basta olhar para a nossa revolução que passados 30 anos deu em nada...
Continuo com muita vontade de visitar o Tibete, numa viagem longa, tranquila e meditativa.

24 março, 2008

S' Wonderful - Diana Krall (clica aqui)

My dear, it's four-leaf clover time
From now on my heart's working overtime.
Oh! 'S wonderful! 'S marvelous!
That you should care for me!

Ser só um emplastro

(foto de Tuta em olhares.com)

Ser só um emplasto
sobre uma pele
Ser só um ungüento
de sugar a maldade
Ser só um casco
sobre o molusco
Deixá-lo ávido e limpo
— corpo para o melhor desejo
(Salomão Sousa )

Coisas de quem não tem mais nada em que pensar...


Tem entre 30 a 40 anos (por aqui se vê como sou inútil quando tento adivinhar a idade de alguém), veste calças de ganga azul, uma camisola preta e um lenço à Arafat preto e branco. O cabelo está cortado por igual à maquina 1 e usa uns óculos escuros demasiado largos para o seu rosto. Vai sentado na mesma carruagem de metro em que sigo, num dia em que não houve hora de ponta nos transportes públicos. Cá para mim muita gente tirou hoje a sua tolerância de ponto, por mim até deviam continuar amanhã e depois e depois ad eternum... é que gosto muito de sentir Lisboa assim, a bater lentamente, como se fosse realmente minha.
O sujeito pega no telemóvel marca um número e começa a falar. Alto. Muito alto. Tão alto que eu, que levo os auscultadores do MP3 nos ouvidos consigo ouvir perfeitamente a conversa. Combina com alguém encontrar-se mais tarde em casa da Patrícia. Que lhe liguem para ele ou para ela... não neste momento não está com ela mas estará dentro de meia hora...
Desliga a chamada e inicia outra. Dá gargalhadas altíssimas como se a sua felicidade dependesse da sonoridade das gargalhadas. Como se esperasse que à sua volta todos começassem a rir à gargalhada. Desisto. "Desligo" do homem com óculos escuros demasiado grandes e demasiado escuros, numa tarde no metro de Lisboa e concentro-me na música que estou a ouvir...
Na estação do Rossio vejo o homem sair. Reparo que tem um modo estranho de caminhar. Meio desengonçado, numa tentativa de bambolear as ancas.
Penso para mim aquele andar não condiz com a sua aparência.

23 março, 2008

Águas de Março - Elis Regina (clica aqui)


É um passo é uma ponte
É um sapo é uma rã
É um belo horizonte
É uma febre terçã...
São as águas de março
Fechando o verão
É a promessa de vida
No teu coração...

Sopro



escrevinhadora
de histórias
imaginadora
de personagens
não posso
contemplar
tua imagem
muito real

(Nazilda Maria )

Vá-se lá saber!


Domingo de Páscoa. A mim não me diz nada. É apenas uma oportunidade para reunir parte da família que vem de férias a Portugal e receber outros que vivem fora de Lisboa. É apenas a oportunidade de ter um fim de semana alargado, ou seja, ter mais tempo para fazer o que gosto.
Hoje por exemplo, levantei-me bastante tarde para o que é meu costume (passava das 9 um bom bocado), mas eu estava tranquila, porque tinha um dia pela frente sem grandes sobressaltos, tirando o facto de fazer um almoço de família, mas como isso nunca foi coisa que me prendesse em casa, fui como de costume caminhar junto ao mar. Apesar do sol havia pouca gente o que quer dizer que muita gente foi mesmo fazer umas mini-férias. Também tenho aproveitado às vezes para as fazer, mas realmente este ano não me apetece. Apetece-me estar em casa, ver o mar da janela, recuperar fotos antigas e colocá-las na parede em vez de quadros. Apetece-me mudar o meu ambiente de vez em quando
Mas enquanto caminhava ocorreu-me que nunca percebi porque é que a Páscoa que representa segundo o pouco que sei, a morte e ressurreição de Jesus Cristo, há-de ser uma festa móvel. Sei que tem que haver uma razão para isso. Amanhã vou tentar informar-me junto de uma católica, porque me faz confusão o nascimento de Jesus ser celebrado sempre no mesmo dia do ano, embora se saiba já que a data não podia nunca ser 25 de Dezembro, e a morte ser celebrada em dias diferentes.
Ouvi hoje numa reportagem, dizer que cada vez mais adultos criados como eu sem qualquer religião, se convertem ao catolicismo e vi alguns exemplos de gente muito feliz com isso. Verdadeiramente felizes. Como o homem que hoje passou por mim, com um braço amputado e sem prótese, mas com um ar muito feliz. Pensei que, se calhar para ele é um alívio ter um dia em que não precisa de carregar a prótese. Ainda bem. Por mim continuo a não acreditar noutra coisa que não seja o ser humano... Se calhar por causa de gente como este homem, vá-se lá saber!

22 março, 2008

1973 - James Blunt (clica aqui)

I will call you up everyday Saturday night
And we both stayed out 'til the morning light
And we sang, "Here we go again"
And though time goes by
I will always be
In a club with you
In 1973
Singing "Here we go again"

Fotografia


Fotografei você sob todos os ângulos
Fotografei o mar, o pôr do sol, a lua...
Fotografei nós dois
fotografei o adeus triste e silencioso
de não dizer adeus...
(Teresa Mello)

Está chato...


Eu sei. Sou radical. Nada a favor e nada contra. Cada um é como é. Se me aceitas tudo bem se não tudo bem na mesma.. Eu aceito as pessoas que vivem aceitando as coisas que a vida lhes dá, sejam boas ou más. Aceito as pessoas que se conformam com o "destino". Estava escrito... Está escrito. Eu sei. Mas nem por isso me curvo perante o que me aparece. Não sei viver de outra forma. É tudo ou nada, percebo que seja difícil perceber alguém para quem a vida é um poço da morte. Onde só é possível viver com muita adrenalina ou sem nenhuma.
Mas é assim que sou, portanto... é como já disse. É difícil viver sem uma causa. É difícil hoje em dia arranjar uma causa pela qual viver. Os tempos de luta vão longe, olhamos para trás e não mudámos nada no essencial. As mentalidades de quem lutou e gritou por valores de igualdade e fraternidade tornaram-se mais burguesas do que a daqueles contra quem lutaram. O consumismo destruiu o pouco que havia de bom na nossa sociedade e agora pouco há a fazer.
Ontem fiquei feliz por conversar com uma jovem mulher, professora de francês e com uma filha de 6 anos. Não lhe dá prendas senão nos aniversários e no Natal... e mesmo assim com conta peso e medida. Foi criada assim, e consegue a aprovação do marido, com quem a Mariana não pode contar com um sim depois de a mãe ter dito não. Não se contradizem um ao outro. A palavra de um é a palavra de outro.
Acredito que a Mariana será uma menina bem formada, que provavelmente vai educar os filhos da mesma maneira. Não lutará com uma professora, seja pelo que for, muito menos por um telemóvel... disso tenho a certeza.
Mas os valores mudaram a vida já não é o que era. E está um bocado chato demais viver assim, sem uma causa, sem um porquê a que dar resposta.

21 março, 2008

Gracias a la vida - Joan Baez canta Violeta Parra (clica aqui)

Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me dió dos luceros que cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco
Y en alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre que yo amo
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado el oído, que en todo su ancho
Traba noche y dia grillos y canarios
Martirios, turbinas, ladridos, chubascos
Y la voz tan tierna de mi bien amado

Sem ti



E de súbito desaba o silêncio.
É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.
Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas.
(Eugénio de Andrade)

Dois anos de vida.

("Meu tempo é quando" - foto de Cristiano Soares em Olhares.com)
Faz hoje dois anos que nasci. Aqui, sem saber bem como, à toa, como tudo o que acontece de bom na vida da minha mãe. Comecei a gatinhar sem saber em que direcção... Depois, pouco a pouco, fui equilibrando o corpo, comecei a andar agarrado ao que me aparecia pela frente. Sempre com espaço. Muito espaço como a minha mãe gosta. Andar sem chocar com ninguém. Com calma, passo a passo.
Comecei finalmente a andar. Tornei-me num projecto. E passados dois anos e daqui a pouco 2000 postagens, estou hoje por aqui, sem me ralar muito com a quantidade de gente que passa por aqui, mas com a preocupação de deitar para fora seja o que for que incomode. Por aqui tem passado muita gente. De todos os lugares do mundo. Quase ninguém deixa pistas mas não faz mal. O meu papel é escrever o que sai dos dedos da minha mãe, a poesia que ela quer divulgar, bem como a música e fotos. Um lugar bonito para passear é tudo o que pretendemos deste espaço. Alertar para algumas situações menos desejáveis no país e no mundo, ou simplesmente contar estórias, umas de verdade outras nem por isso, mas que diferença faz, se na vida tudo são estórias...
Nasci há dois anos. Aqui. Por acaso. No dia mundial da poesia. Pablo Neruda foi o primeiro a entrar por aqui adentro. Hoje conscientemente publicamos Eugénio de Andrade. Porque é o contemporâneo português favorito de quem continua a viver no tempo é quando e a andar onde há espaço.
A todos os que por aqui passaram, aos que colaboraram e aos que comentaram ou simplesmente lêem, o nosso muito obrigada.

20 março, 2008

Professora - Pedrito do Bié (clica aqui)

Na minha escola segunda feira cada erro vale 5,
sextafeira cada erro vale 9,
imagina tirar 10 erros ou 15
ai,ai,ai,ai,ai,ai,ai,ai,ai,ai, ai professora, chega
professora,

isso é para você aprender, se tu falares na tua casa,
amanhã tu vens com o teu encarregado de educação e vou
explicar que tu não estudas.

O dia passa lentamente



o dia passa lentamente
o dia me ultrapassa
o dia passa na minha frente
são quatro horas da tarde
eu quero que anoiteça bem depressa na minha casa
o dia passa por cima da minha cabeça
o dia me amassa
o dia se afasta
o dia me cansa
eu almoço e janto eu choro eu penso eu deito eu levanto
(Beatriz Azevedo)

Já não há almas gémeas



Não pensei no assunto durante os 18 anos em que estivemos juntos. Era normal, não me interroguei, se bem que às vezes me cansava de fazer os programas de que não gostava e da indisponibilidade do meu companheiro para fazer aqueles de que eu gostava. Durante 18 anos vi filmes de acção que me cansavam e deixei de ver peças de teatro que queria ver mas via teatro de revista de que não gostava. Porque ele gostava.
Quanto aos livros, nunca consegui convencê-lo a ler algo de que eu gostasse embora eu tivesse cedido a ler o que ele lia. Uma vez apenas é certo, porque para mim era literatura absolutamente intragável. O que eu chamo de cordel. Mas ele nem se deu nunca ao trabalho de tentar ler o que quer que fosse que me entusiasmasse. Na maior parte das vezes porque os parágrafos eram demasiado longos, não havia diálogos, etc., etc. Mesmo que os diálogos estivessem lá só que escritos sem parágrafo e sem travessão. Nem começava. Devolvia-me logo o respectivo dizendo que não gostava. Nem se dava ao trabalho de ler o primeiro parágrafo. Eu pelo meu lado antes de rejeitar qualquer autor que ele me propusesse, lia o livro inteiro.
Durante 18 anos os amigos dele eram os meus amigos porque eram bons. Os meus (tirando uma excepção, porque lhe convinha), eram uns chatos dados a intelectuais. Nem valia a pena conhecer.
E passados estes anos todos percebo que durante 18 anos aguentei tudo porque estava apaixonada. Quando a paixão acabou, deixei de tolerar fosse o que fosse do que não gostava. Comecei a dizer não, ao que não me agradava, tal como ele tinha feito durante todo aquele tempo.
Ao fim de 18 anos compreendi que tinha vivido uma paixão mas não tinha tido um companheiro com quem partilhar as coisas que gostava de fazer e as pessoas que amava.
Hoje sei que é muito mais difícil encontrar um companheiro do que uma paixão. Essas dão com força mas passam depressa. Encontrar a alma gémea é que se torna uma tarefa praticamente impossível. Cada vez mais as mulheres percebem isto e como já não estão dependentes dos homens para coisa nenhuma facilmente lhes dão o chuto... é que ele podem enganar nas primeiras semanas, fingindo gostar das mesmas coisas que gostamos para nos seduzir, encantar... mas se não conseguirem despertar a paixão rapidamente nos apercebemos de que eles não são nada daquilo que nós desejamos. E de cavalheiros transformam-se rapidamente em 4x4.
E o contrário é também verdadeiro, claro.

19 março, 2008

Meu querido, meu velho, meu amigo - Roberto Carlos (clica aqui)

Meu querido, meu velho, meu amigo
Eu já lhe falei de tudo,
Mas tudo isso é pouco
Diante do que sinto...
Olhando seus cabelos tão bonitos,
Beijo suas mãos e digo
Meu querido, meu velho, meu amigo

Amigo Velho


É meu parceiro, companheiro meu amigo.
Aquele velho que ali está sentado
Contando caso e histórias da sua vida
Suas derrotas e vitórias do passado

Quase sem forças para caminhar sozinho
Estendo-lhe a mão, pois estarei sempre a seu lado.
Até o dia que esta vida nos separe
Amigo Velho, meu querido Pai Amado.

Por muitas vezes eu não tive paciência
Causando-lhe certamente grande dor
Não escutar e não seguir os seus conselhos
Que com certeza foram dados por amor

Peço perdão, mas a vida me ensinou.
Que conselho de Pai é por amor
A tua dor, hoje eu estou sentindo.
Porque meus filhos, também não dão valor.

(Jorge Amado)

Para a dor não há desculpas.


Acabo de ouvir a notícia. Dois jornais ingleses pediram desculpa ao casal McCann por terem escrito artigos que induziam os leitores a pensar que teriam culpa no desaparecimento (ou morte) da filha Madeleine.
De que serve agora pedir desculpa? Isso não apagará com certeza os maus momentos que os pais da menina passaram, sobretudo se essas acusações forem realmente falsas.
Quando toda a gente falava de Madeleine, por aqui evitei o mais que pude dizer o que quer que fosse. É que por cá, todos somos médicos, polícias e treinadores de futebol. Todos sabemos muito de tudo e somos facilmente apanhados nas malhas de certa imprensa que tenta vender seja a que custo for.
O que penso sobre o desaparecimento desta menina não tem a menor importância. Tenho compaixão por todas as crianças desaparecidas e pelos seus pais, familiares e amigos. Em Portugal, impressiona-me sobretudo o caso de Rui Pedro. E a coragem da mãe, sempre combativa, nunca disposta a desistir. Uma mulher que acredita que o seu filho está vivo algures em qualquer parte do mundo.
A menina espanhola, que esteve desaparecida durante cerca de um mês, apareceu morta. Pode parecer falta de compaixão da minha parte, mas acho que é pior não se saber o que aconteceu a um filho a ter a certeza que ele morreu.
Porque assim os familiares podem fazer o seu luto. Enquanto uma criança está desaparecida a esperança de ser encontrada com vida (como a rapariga holandesa que esteve sequestrada durante 10 anos e conseguiu fugir), não morre. Não acredito que um coração de mãe possa adivinhar que o seu filho está vivo. Acreditamos porque é isso que nos dá forças. Porque é nisso que queremos acreditar.
Por isso mais uma vez, dedico esta pequena prosa a todos os meninos desaparecidos, sequestrados, mortos e às famílias que jamais desistem de os encontrar.
E que de uma vez por todas os jornalistas (pretensos), deixem de escrever o que quer que seja que os obrigue a pedir desculpas mais tarde. Porque o estrago foi feito. Não há desculpas que reparem a dor.

18 março, 2008

Quereres - Chico Buarque & Caetano Veloso (clica aqui)

Onde queres revólver sou coqueiro, onde queres dinheiro sou paixão
Onde queres descanso sou desejo, e onde sou só desejo queres não
E onde não queres nada, nada falta, e onde voas bem alta eu sou o chão
E onde pisas no chão minha alma salta, e ganha liberdade na amplidão

O quereres e o estares sempre a fim do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal, bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal, e eu querendo querer-te sem ter fim
E querendo te aprender o total do querer que há e do que não há em mim

Carta a F.


És tu quem me conduz, és tu quem me alumia,
Para mim não desponta a aurora, não é dia,
Se não vejo os dois sóis azuis do teu olhar.
Deixei-te há pouco mais dum mês, ? mês secular
E nessa noite imensa, ah, digo-te a verdade,
Iluminou-me sempre o luar da saudade.
E nesses montes nus por onde eu tenho andado,
Trágicos vagalhões dum mar petrificado,
Sempre adiante de mim dentre a aridez selvagem,
Vi como um lírio branco erguer-se a tua imagem.
Nunca te abandonei!
Nunca me abandonaste!
És o sol e eu a sombra.
És a flor e eu a haste.
Na hora em que parti meu coração deixei-o
Na urna virginal desse divino seio,
E o teu sinto-o eu aqui a bater de mansinho
Dentro em meu peito, como uma rola em seu ninho!

(Guerra Junqueiro)

Guerra Junqueiro e os ditados populares


Tenho uma amiga cuja mãe gostava de citar ditados populares, sendo que o preferido era "quem tudo quer tudo perde", que como todos os outros que citava quando vinham a propósito, rematava com "já dizia o Guerra Junqueiro".
Não tive a felicidade de conhecer esta velha senhora mas ela é muito falada entre nós.
O ditados populares são muito interessantes e tenho andado a pensar naquele "mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo". E se o mentiroso for coxo, suponho eu (não o Guerra Junqueiro) ainda mais depressa se há-de apanhar.
Conheço um intelectual que é incapaz de interpretar um ditado popular, sequer de pronunciar as palavras como deve ser. Assim, de "não tens dinheiro para mandar cantar um cego" ele diz "não tens dinheiro para mandar catar um cego... (provavelmente não é do tempo em que se dava dinheiro aos cegos para cantarem... a falar verdade eu também não, só que toda a vida escutei com muita atenção as estórias dos mais velhos, em particular do meu pai e da minha avó materna, que eram dos melhores contadores de estórias que já conheci.
Esta crónica tinha uma visada em princípio, mas achei por bem falar disto só por alto, porque há gente que não merece sequer um olhar... e para essa gente a indiferença é mesmo o melhor remédio.
E para terminar em beleza "quem não te conhecer que te compre!" (será que esta também é do Guerra Junqueiro?)

17 março, 2008

O que me importa - Marisa Monte (clica aqui)

O que me importa
Ver você sofrer assim
Se quando eu lhe quis
Você nem mesmo soube dar
Amor!...

A boneca


Deixando a bola e a peteca,
Com que inda há pouco brincavam,
Por causa de uma boneca,
Duas meninas brigavam.

Dizia a primeira: "É minha!"
— "É minha!" a outra gritava;
E nenhuma se continha,
Nem a boneca largava.

Quem mais sofria (coitada!)
Era a boneca. Já tinha
Toda a roupa estraçalhada,
E amarrotada a carinha.

Tanto puxaram por ela,
Que a pobre rasgou-se ao meio,
Perdendo a estopa amarela
Que lhe formava o recheio.

E, ao fim de tanta fadiga,
Voltando à bola e à peteca,
Ambas, por causa da briga,
Ficaram sem a boneca ...

(Olavo Bilac)

Máquinas amigas e ciumentas


As máquinas são como as pessoas, quer dizer para novas não vão com o uso que lhe damos e nem sequer com a falta de uso. É um facto. Conheço no entanto alguns casos de máquinas que se afeiçoam de tal modo aos donos que não os querem largar nem por nada. É verídico. O meu amigo EGV, por exwemplo tinha (não sei se ainda tem, tenho-me esquecido de lhe perguntar) um Studabaker dos anos 50 que era uma beleza de automóvel. Sempre que ele se sentava ao volante o carro andava como se tivesse acabado de sair do stand. No entanto, quando ele o quis vender, de cada vez que aparecia um comprador, Mr. Studebaker negava-se sequer a pegar quanto mais a andar. Muitas vezes disse ao meu amigo que aquele carro era assim uma espécie de Herbie (lembram-se?) com vontade própria.
Pois o meu teclado aqui do PC, andava assim a modos que avariado. Quer dizer, para eu escrever aqui no Meu Tempo ele não se negava, mas logo a seguir começava a dar-lhe a travadinha e já não me deixava fazer mais nada.
Com muita pena minha tive que ir comprar outro. Mas vou guardar o antigo porque acho que quando ele perceber que o pus de lado há-de querer fazer-se anunciar. Tal como certas pessoas que só dão valor aos outros quando se sentem abandonadas.

16 março, 2008

Angola - Cesária Évora - (clica aqui)

Ess vida sabe qu'nhôs ta vivê
Parodia dia e note manché
Sem maca ma cu sabura
Angola angola
Oi qu'povo sabe
Ami nhos ca ta matá-me
'M bem cu hora pa'me ba nha caminho
Ess convivência dess nhôs vivência
Paciência dum consequência
Resistência dum estravagância

Ronda


Na dança dos dias
meus dedos bailaram...
Na dança dos dias
meus dedos contaram
contaram, bailando
cantigas sombrias...

Na dança dos dias
meus dedos cansaram...

Na dança dos meses
meus olhos choraram
Na dança dos meses
meus olhos secaram
secaram, chorando
por ti, quantas vezes!

Na dança dos meses
meus olhos cansaram...

Na dança do tempo,
quem não se cansou?!

Oh! dança dos dias
oh! dança dos meses
oh! dança do tempo
no tempo voando...

Dizei-me, dizei-me,
até quando? até quando?

(Alda Lara)

Mais um ausente


Enquanto caminho vou pensando nos que passaram pela minha vida e se ausentaram dela para sempre... será? Na verdade a gente não pode ter certezas de nada.
Segismundo era uma figura muito conhecida em Luanda. Pelo menos na cidade alta. Com um corpo franzino e baixo, uns olhos de uma azul impressionante, trabalhava numa oficina de mecânica automóvel e por isso passava o dia com um fato macaco azul cheio de graxa dos carros. Mas ao fim do dia, o Segismundo ia a casa, tomava o seu banho e aparecia todo pimpão para conversar com os amigos numa das esplanadas da cidade.
Alguém sempre lhe pagava uma bebida e enchia-lhe a cabeça de sonhos em relação a miúdas que estavam de beicinho por ele. Então Segismundo inteirava-se de quem era a garina e era vê-lo a passear na avenida, olhando para a varanda a ver quando aparecia a sua amada e assobiando com o ar mias feliz deste mundo.
Mas quando ia passear com a sua mãe, Segismundo nem olhava para o lado. De braço dado com ela sentia-se o orgulho que tinha de ser seu filho.
Aqui há uns anos o Barrábas tentava a arrumar o carro para ir à antiga FIL e apareceu-lhe o Segismundo. Muito envelhecido, ainda assim reconheceu-o e deixou-o um bocado sem saber o que fazer perante uma manifestação de tanta felicidade da parte do arrumador de carros, enquanto os seus colegas passavam pensando com certeza que o rapaz tinha bons amigos.
Pois é Barrábas. Só o Segismundo para se lembrar de tudo apesar de todos acharmos que ele tinha sete alqueires mal medidos.
Gostava de o voltar a ver... ao Segismundo. Mas se ainda for vivo que será feito dele sem a mãe para cuidar dele?

15 março, 2008

Inverno - Adriana Calcanhoto (clica aqui)

Lá mesmo esqueci que o destino
Sempre me quis só
No deserto sem saudade, sem remorso só
Sem amarras, barco embriagado ao mar
Não sei o que em mim
Só quer me lembrar
Que um dia o céu reuniu-se à terra um instante por nós dois
Pouco antes de o ocidente se assombrar

Flerte

Olho no olho
poesia na fala
a boca cala
orgia do ver
pupila exercita
cintila na íris
a conquista
ilusão meretriz
dança de sentidos
subentendidos
paixão por um triz.

(Gabriela Marcondes)