30 abril, 2007

ALBERTO JOÃO JARDIM


Soma e segue.!..
As últimas sondagens dão-lhe uma vantagem de 6%!
Caso se confirme esta vitória, e se os votos forem superiores aos que obteve nas últimas eleições, acho que será uma derrota política para Sócrates.
Claro que eu sei que Sócrates, amparado, protegido, pela santa maioria absoluta, se está nas tintas. Mas que dá que pensar, dá. Ou devia dar.
O que eu acho é que, na Madeira, o homem, a despeito de tudo o que, no continente, dizem dele ( e com alguma razão ), o homem... é amado pelo povo. E que o povo madeirense, não sendo parvo ( ou é diferente do povo do Continente?! )... ainda não viu, durante estes anos todos, uma oposição melhor que o Alberto João Jardim...
Isto, quanto à oposição da Madeira.
Quanto à oposição do Continente...Basta ter ouvido o líder do Bloco de Esquerda falar hoje sobre a miséria da Madeira, que se deve à política do Alberto João Jardim, para ter vontade de lhe dizer: tu, Louçã, conheceste a Madeira há uns 30 anos? Conheceste?
Assim não vamos lá.
Mas acho que muitos deviam lá ir. Ver.
Que o homem é autoritário? Sim, é. Que o homem é arrogante? Sim, é.
Mas o Sr engenheiro, não é?
Eduardo Aleixo

Grace Kelly - Mika

I could be brown
I could be blue
I could be violet sky
I could be hurtful
I could be purple
I could be anything you like

O Sobrevivente


Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)


(Carlos Drummond de Andrade)

29 abril, 2007

PEDANTISMO



Perguntaram-me se a crítica alguma vez me orientou.

Respondi:

Até hoje creio que cumpri apenas o dever de todos os artistas verdadeiros: desorientei-a...

( José Gomes Ferreira, em " Imitação dos Dias " )

Nota: adoro este escritor. Na página inicial do livro, de que retirei este texto e o que vem a seguir, leio o que escrevi, com a data de Junho de 1968:

" Feira do Livro. José Gomes Ferreira ouvindo, ar docemente irónico, humildemente alheio ao que um senhor gaguejante dizia sobre ele.Tive vontade de pergfuntar-lhe se não estava chateado daquilo..."

Era assim, com aquele ar aparentemente ausente, que ele via o mundo, penetrantemente, das estrelas ao pó dos caminhos, digo eu...Não achas, Zé Gomes?

MADRIGAL


O Amor é este milagre de fazer com que a intimidade de suor cheire a estrelas...
( José Gomes Ferreira, em " Imitação dos Dias "

Pedro Guerra y Chico Cesar: A primera vista

Chico Cesar canta " Eu quero apenas" de Roberto Carlos

Eu quero apenas um vento forte, levar meu barco no rumo norte
E no caminho o que eu pescar quero dividir quando lá chegar
Eu quero crer na paz do futuro, eu quero ter um quintal sem muro
Quero meu filho pisando firme, cantando alto, sorrindo livre
Eu quero ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar

Ah! Os Relógios


Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...

(Mário Quintana )

Agora falo eu, a mulher do funcionário público.


Morri há 10 anos mas agora quero contar-vos como foi a minha vida. Porque foi uma vida bem bonita. E quando me lembro dos tempos em que estava viva, tenho saudades. Sobretudo do meu filho e do meu neto. Que o meu marido está comigo há muito tempo. Veio ter comigo uns meses depois. Que eu não sabia viver sem ele e também não era capaz de morrer sem ele.
Sempre gostei muito da família. Tive uma infância feliz e era muito amiga da minha irmã. Quando chegou a idade de namorar, como andávamos sempre juntas, começámos a namorar dois amigos, ao mesmo tempo.
O meu Carlos era feinho. Quer dizer: é o que dizem porque para mim ele era o homem mais bonito do mundo. Mas eu bem via nos olhos dos outros o que pensavam dele. Mas tinha muitos amigos porque era muito boa pessoa.
Namorámos durante 6 anos, porque ele era funcionário público e ganhava muito pouco. Mas éramos felizes na mesma, porque eu era uma boa dona de casa, aproveitava tudo, nada se perdia e até aprendi umas coisas de contabilidade para ajudar o meu marido que fazia umas “escritas” para fora para nos governarmos melhor.
Depois fiquei grávida e nasceu um belo rapazinho. O meu marido continuava a ter olhos só para mim e eu passei a ter olhos para ele e para o meu filho.
Não se passou nada durante toda a minha vida que mereça a pena contar. Mas foi uma vida boa, tranquila, de muito trabalho (e nunca conseguimos ter nada de nosso) mas sossegada. O meu marido ia aonde eu ia e vice-versa. O filho cresceu sem nos dar grandes alegrias mas também sem nos dar preocupações. Era um rapazinho “certinho”: pelo menos era o que eu pensava. Porque desde que aqui estou soube de umas coisas e comecei a perceber que se calhar a minha nora não era tão embirrenta como eu achava; se calhar ele tinha alguma culpa por ela ser daquela maneira, mal disposta, pouco sorridente, infeliz… quando eu morri eles já estavam divorciados.
A minha neta não gostava de mim e eu também não gostava dela. Mas o menino era muito bom rapaz (como o meu filho) … que afinal parece que não era assim tão bom. Mas aos meus olhos de mãe é claro que ele era perfeito. Até porque abortei de todas as vezes que fiquei grávida depois dele ter nascido que o que o meu marido ganhava mal dava para vivermos com algum conforto quanto mais para ter mais meninos… E mesmo assim o meu Carlinhos teve que andar sempre no ensino público, fez a Escola Industrial (que o liceu era para os meninos ricos que podiam ir mais longe…)
Mas hoje apeteceu-me dizer que estou aqui muito bem com o meu Carlos que está cada vez mais enamorado de mim. As pessoas sorriem quando nos vêem: eu baixinha e gordinha e ele alto e magro, com uma grande corcunda (acho que a corcunda se acentuou ao longo dos anos, à força de querer estar à minha altura). Eu continuo a cozinhar os pratos de que ele gosta tanto e vamos dando uma vista de olhos pelo mundo dos vivos… E percebendo que afinal nem tudo é como a gente pensava: é que à distância às vezes vê-se melhor!

28 abril, 2007

Mariposa de Noviembre - Luis Pastor



Homenagem à chilena Violeta Parra
(No dia em que fariam anos se estivessem vivos António de Oliveira Salazar e Saddam Hussein)


A carta


Me mandaram uma carta
Pelo correio cedo
Nessa carta me dizem
Que caiu preso meu irmão
E sem compaixão com grilhões
Pelas ruas o arrastaram.
Sim...

A carta disse o motivo
Que há cometido Roberto:
Haver apoiado a greve
Que já se havia resolvido
Se acaso isso é um motivo
Preso vou também sargento.
Sim...

Eu que me encontro tão longe,
Esperando uma notícia,
Me vem a dizer na carta
Que em minha pátria não há justiça.
Os famintos pedem pão,
Os molesta a polícia.
Haverá se visto insolência,
Ignorância e traição.
De apresentar o trabuco
E matar a sangue frio.
Há quem defesa não tem
Com as duas mãos vazias.
Sim...

A carta que me mandaram
Me pede contestação:
Eu peço que se divulgue
Por toda população
Que o leão é um sanguinário
Em toda geração
Sim...

Por sorte tenho guitarra
E também tenho minha voz,
Também tenho sete irmãos
Fora do que se algemou,
Todos revolucionários
Com o favor de meu Deus.
Sim...


(Violeta Parra)

Agora falo eu, a ex-mulher do capitão de Abril


(Lisboa, 15 de Maio de 1984)
Aguentei durante 10 anos um casamento de fachada… ainda é um casamento de fachada. O meu marido (ex?) não quer que se saiba que não vivemos juntos. Se eu disser deixa de me pagar pensão.
Sempre achei que ele tinha panca. Só casei com ele porque era capitão, campeão de esgrima e engenheiro civil.
As coisas nunca andaram bem entre nós, mas depois que a priminha dele desapareceu (primeiro tornou-se anarca e ele encontrou-a a vender “A Merda” no Rossio). Fez questão de lhe contar que toda a família já sabia e que alguns acharam que lhe havia de passar, outros deixaram mesmo de lhe falar… ele tentou conversar com ela. Disse-me que tinha medo que ela se metesse em coisas perigosas… um dia ela desapareceu sem deixar rastro. Durante anos andou por esse mundo fora de mochila às costas sem que ninguém soubesse dela. Usava um passaporte falso, nunca dormia no mesmo sítio. Nem mesmo o Carlos com os conhecimentos todos que tinha a conseguiu localizar: foi entristecendo, entristecendo e eu cada vez mais farta, claro!
Ele foi promovido a major e eu promovi-o a “corno” com mais do que um colega dele, daqueles que nos frequentavam a casa. Fartei-me de ser mal amada e procurei consolo noutros braços… Agora vivo com o Luís e o Carlos paga-me para eu me manter calada. Quero lá saber, desde que continue a poder ir ao cabeleireiro todas as semanas e a vestir-me nas melhores lojas de Lisboa. Uma vez por ano ou duas vou a Londres aos saldos, que a pensãozita que ele me paga não dá para mais… mas pelo menos durmo as horas que quero e não tenho que estar agarrada a um PBX o dia inteiro, ouvindo as conversas de cada um para não morrer de tédio… O Luís dá-me de comer e cama e o meu marido paga os extras… Escusam de ficar tão chocados! É o que não falta para aí são estórias como a minha! É uma questão de se ser inteligente: viver não custa, o que custa é saber viver! O Carlos paga-me e eu nem sequer tenho que aparecer com ele em lado nenhum (que isso o Luís não admitia!). Ele lá vai arranjando umas desculpas e depois ainda faz questão de ficar com a miúda. É claro que para isso teve que me aumentar a pensão, que eu fiz logo questão de dizer que não passava sem a minha filha… mas a verdade é que ela é uma chata igual ao pai e é um martírio sempre que tenho que fazer o papel de mãezinha presente!
Agora deixou a tropa. Mantém o gabinete com o colega, trabalha 14 horas por dia, mal tem tempo para se coçar, mas lá vai dando conta do recado com a filha, que o adora e está sempre com as unhas de fora quando se trata de defender o paizinho! A gente trá-las na barriga 9 meses para isto! Mas pronto, nada é perfeito nesta vida… A verdade é que me estou nas tintas para os dois. Só me chateia que a priminha tenha reaparecido, mulher feita… tonta como sempre: com umas ideias sobre ecologia e ambiente, acho que se licenciou numa dessas coisas e faz uns trabalhos para o gabinete do Carlos. É claro que ele anda todo contente, mas ela é que parece que não lhe dá trela. Segundo a minha filha, disse-lhe que gostava muito dele como amigo, mas que não estava para aturar homem dentro de casa… que ele passa umas noites lá em casa com ela, mas não deixa a escova de dentes que ela não deixa.
Não percebo o que é que certas mulheres pretendem da vida! Esta podia ter uma bela vida com um tipo a esfolar-se por ela e está-se nas tintas. Deve ser daquelas gajas que dizem que o trabalho enobrece! Deixem-me rir: o que enobrece é o “money” e o resto são tretas para impressionar o mundo!
E agora vou à esteticista que o Luís traz para jantar logo, um amigo muito giro… convém sempre apresentar-me como deve ser: a gente sabe lá o que nos reserva o futuro?!

CANÇÃO COM LÁGRIMAS E SOL



( Para Adriano Correia de Oliveira )

Eu canto para ti um mês de giestas

Um mês de morte e crescimento ó meu amigo

Como um cristal partindo-se plangente

No fundo da memória perturbada.

Eu canto para ti um mês onde começa a mágoa

E um coração poisado sobre a tua ausência

Eu canto um mês com lágrimas e sol: o grave mês

Em que os mortos amados batem à porta do poema.

Porque tu me disseste: quem me dera em Lisboa

Quem me dera em Maio. Depois morreste

Com Lisboa tão longe ó meu irmão de Maio

Que nunca mais acenderás no meu o teu cigarro.

Eu canto para ti à tua espera

Teu nome escrito com ternura sobre as águas

E o teu retrato em cada rua onde não passas

Trazendo no sorriso a flor do mês de Maio.

Porque tu me disseste: quem me dera em Maio

Porque te vi morrer eu canto para ti

Lisboa e o sol. Lisboa viúva ( com lágrimas com lágrimas )

Lisboa à tua espera ó meu irmão tão breve.

Manuel Alegre

27 abril, 2007

SOU A MILÉSIMA TERCEIRA POSTAGEM


Cheguei atrasado!
Sou a milésima terceira postagem!
Mesmo que tivesse estado atento...jamais seria a milésima postagem! Porquê?! Porque seria incapaz de a roubar a quem de direito. A Eduarda merece-a.
Parabéns.
Obrigado pelas palavras elogiosas que me dedicas. Elas são, no entanto, exageradas. Gosto de escrever, sim. Sou poeta, sim. Mas tenho noção dos meus limites.
Gosto de te ler, sim. Escreves muito bem.
Gosto do teu blogue.
Do nosso blogue.
Estamos de parabéns.
Qualquer dia havemos de comemorar o êxito do blogue com o nosso amigo, o outro Eduardo É uma questão de ele vir até Lisboa e bebermos um copo todos juntos.
Felicidades para nós e para este projecto em que colaboro com amor, embora não com a constância que desejaria, porque, como bem sabes, ando sempre de um lado para outro.
Gosto de viajar.
De andar, onde há espaço, no meu tempo...
Eduardo Aleixo

OUTRA VIDA - JOÃO AFONSO

Quero ser noutra vida mensageiro de emoções;
porta-voz de ondas, tradutor de ilusões;
ser menos ainda que um pequeno carreiro;
descobrir o mistério do Universo inteiro;
emprestar a vida, descobrir quem sou...

O Poço


Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.

Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?

Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.

Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.

Radiosa me sorris
e minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.

Dá-me amor, sorri-me
e ajuda-me a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.
(Pablo Neruda)

Sou a milésima postagem.


Sou a milésima postagem. Gostava de ser escrita por um dos meus parceiros masculinos, mas o que se pode fazer? Nenhum deles se encontra disponível para me escrever. Portanto não se aceitam reclamações. Isto aqui é como na vida: não se aceitam devoluções!
Quando abri este blogue nunca me passou pela cabeça que ficaria "agarrada". Mas devia ter pensado. Ao fim e ao cabo sou uma "viciada" e tinha deixado de fumar há 3 meses quando abri esta coisa.
Não entrei aqui por querer. Quer dizer: querer eu queria, não sabia era como. E não encontrei literatura que me ajudasse. Felizmente a mania da fotografias trouxe-me aqui.
Depois comecei a ganhar gosto por isto. É mais divertido escrever sabendo que há sempre alguém que nos há-de ler, goste ou não. Porque o universo de utilizadores da NET é tão imenso que é impossível que não haja sempre alguém que vá passando ainda que sem querer, e que sem querer leia o que por aqui se vai postando...
Depois ocorreu-me convidar o Eduardo António para escrever aqui. Porque somos muito amigos, porque temos sensibilidades parecidas, porque não precisamos de falar para nos entendermos. Infelizmente ainda não o consegui convencer a largar um pouco o trabalho e dedicar um pedacinho das 24 horas de um dia (é só meia hora, meu querido!) a esta coisa a que chamei "O Meu Tempo é Quando". Disse que sim mas até agora só fez uma postagem. Eu gostaria que esta fosse uma postagem dele. Não consegui... Talvez quando for a vez da 2000!
Entretanto apareceu por aqui o Eduardo Aleixo. Conhecia-o mal. Conheço-o mal ainda hoje. Já concluí que jamais o conhecerei bem. Mas há uma coisa que eu sei dele: escreve muito bem. Descobri-o através dos comentários que fazia por aqui. E então convidei-o para escrever aqui. Disse que ia pensar e esperei (imenso) que pensasse. Por fim aceitou. A sua colaboração aqui é sem dúvida uma mais valia. É um poeta de mão cheia e é sobretudo uma cabeça completamente diferente da minha. E a diversidade faz parte da vida. Tal como este nosso tempo.
Portanto eu sou a milésima postagem. Espero andar por aqui quando chegar a vez de a bisar. Que estejamos todos de boa saúde e com vontade de continuar este projecto.

26 abril, 2007

Tatuagens - Mafalda Veiga e Jorge Palma

Fazes pinturas de sonhos
Pintas o sol na minha mão
E és mistura de vento e lama
Entre os luares perdidos no chão

Canção do mar


Esta mulher é formosa
como uma flor da montanha,
mas é fria, fria, e é fria
como a margem de neve
onde fria floresce

(Herberto Helder)

Agora falo eu, a mulher do comandante.


Tenho 75 anos e venho de uma família de intelectuais e artistas. Se bem que há 50 anos um fotógrafo não era um artista, mas um trabalhador.
Casei aos 17 anos com um piloto da aviação civil, que conheci sem sair de casa, que os meus pais não me deixavam sair senão acompanhada pelo meu irmão e mesmo assim muito poucas vezes. O Carlos era amigo do meu irmão e o frequentador mais assíduo lá de casa. Os meus pais pensavam que era por ser o melhor amigo do meu irmão, mas a verdade é que estava apaixonado por mim.
Eu nunca tinha tido um namorado e quando ele me disse, todo bonito na sua farda branca de aviador que queria namorar comigo porque se tinha apaixonado por mim e queria casar rapidamente eu apaixonei-me de imediato por ele. Nunca olhei para mais nenhum homem.
Ao princípio as coisas corriam bem. Tínhamos uma boa vivenda de dois andares, vários empregados, cozinheiro, etc., eu só tinha que vigiar para que tudo corresse sobre rodas. O meu marido fazia-me todas as vontades. Era olhada com inveja pela maior parte das minhas amigas. Com 5 anos de casada, tinha dois filhos, dois bonitos rapazes, que tinham amigos da sua classe social e tudo corria sobre rodas.
Só que de repente comecei a achar que o meu marido passava muito tempo fora de casa. Comecei a achar que ele não tinha tantos voos quantos dizia e que tinha uma ou mais amantes. Não sei porque comecei a pensar coisas destas. O comportamento dele era o de sempre comigo. Saíamos para ir ao cinema sempre que ele tinha disponibilidade de tempo. Eu estreava roupas novas com muita frequência, ia ao cabeleireiro sempre que me apetecia (e apetecia-me sempre) e ele gostava que assim fosse. Reparava em mim, continuava a dizer que eu era a mulher mais bela do universo... mas eu comecei a pensar que havia outra ou outras. Então começaram as discussões. Um dia, em desespero de causa tomei um frasco de comprimidos. A vida já não fazia sentido. Eu não tinha interesse pelos meus filhos, tudo o que eu sabia é que era muito infeliz porque o meu marido me traía. Só queria morrer.
Quando ele entrou em casa eu estava em coma. Depois de uma lavagem ao estômago e vários dias de internamento numa clínica voltei para casa.
Fiquei novamente grávida e tive mais um rapaz. Pouco tempo depois as minhas suspeitas voltaram com toda a força, tentei novamente o suicídio. Salvaram-me a vida "in extremis", mas fiquei quase cega. Vejo apenas "sombras" desde então.
Foi aí que o Carlos disse que não podia continuar a viver com uma desequilibrada como eu. E divorciá-mo-nos. Ele ficou na casa e alugou um belo apartamento para mim e para os filhos perto da vivenda. Assim os rapazes visitavam-no sempre que queriam.
O mais velho saiu de casa para a Universidade em Coimbra e nunca mais voltou. Entretanto os anos foram passando e nem eu nem o Carlos encontrávamos ninguém que nos interessasse. Então convenci-me de que tinha realmente imaginado tudo, que tinha sido muito infeliz só por ter imaginado coisas e decidimos voltar a refazer o nosso casamento.
Mas foi preciso que o meu filho mais novo se suicidasse por amor aos 20 anos para que eu percebesse o quanto importante é a vida e aprendesse a ser feliz.
É verdade. Não tenho vergonha de confessar. A morte do meu filho ensinou-me a ser feliz.
O meu marido faleceu há 5 anos e eu vivo para o meu filho do meio. Ele também se divorciou e como vivemos perto um do outro, eu cuido da casa dele. Vou lá com a minha empregada 2 vezes por semana para lhe pôr a casa em ordem. Conversamos muito os dois.
Tenho uma neta do meu filho mais velho que é juiz no Porto e que visitamos de vez em quando. É um bocado "esquisita". Muito inteligente mas nunca está satisfeita. Depois de se ter formado em engenharia do ambiente e estar bem empregada já há uns anos, decidiu tirar veterinária, só para tratar do cão... Não é muito normal, mas enfim, é carinhosa comigo, quando estamos juntas. O do meu filho do meio é um belo rapaz. Não gosta muito da escola, mas é bom rapaz. E gosta muito de mim. Pena é que a mãe nem sempre o deixe estar comigo muito tempo: porque eu sou "cegueta".
Mas agora sou feliz. Aprendi a ser feliz.

25 abril, 2007

Tanto Mar -Chico Buarque

Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente nalgum canto do jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar

Está lá a "vidinha" que aceitámos:


Está lá a “vidinha” que aceitámos:
A poesia é a vida? pois claro!
Conforme a vida que se tem o verso vem
- e se a vida é vidinha, já não há poesia
que resista. O mais é literatura,
libertinura, pegas no paleio;
o mais é isto: o tolo de um poeta
a beber, dia a dia, a bica preta,
convencido de si, do seu recheio...
A poesia é a vida? Pois claro!
Embora custe caro, muito caro,
e a morte se meta de permeio


(Alexandre O'Neill)

Futebol é que é!


Hoje não me apetece escrever. Não me apetece vestir a pele de ninguém. Não me apetece discutir se o 25 de Abril existe ou não. O que sei é que o espírito se perdeu e não é porque há um dia no ano para lembrar que ele voltará. Não são manifestações que farão a diferença. Pode ser muito bonito. Mas convenhamos que €1 por um cravo é uma fortuna, num país onde o ordenado mínimo não chega aos € 400,00, mas onde quem ganha € 500,01 por mês é considerado "taxável" para tudo e para nada. Bonito seria que os cravos fossem oferecidos pelo governo. Aí sim, haveria igualdade.
Já sei que sou uma tonta das utopias, mas na minha cabeça é assim que as coisas funcionam. Há democracia em Portugal? As pessoas têm consciência do que é viver numa democracia? Então porque é que apenas metade votaram num referendo tão importante quanto o do aborto? Então porque é que a maioria não abdica de vez em quando de um dia de trabalho para se manifestar quando há uma greve, em vez de ficarem a reclamar de tudo e de nada o resto do tempo e depois ainda criticarem quem faz greve (se é à sexta é porque é à sexta, mas se é à quarta é porque não dá jeito?). Eu não sei viver no meio disto. Não me conformo com esta mentalidade. Não abdico: as palavras são muito bonitas, mas são os actos que nos distinguem, não o blá-blá-blá do costume.
Estou farta de ser gozada por governos sucessivos que me insultam porque trabalho bem. Que me insultam porque trabalho quando estou doente. Mas que não me perdoam os dias de greve! Não me perdoam a rebeldia, nem o riso, nem o gozo... querem uma mulher séria com modos decentes... pois não terão! "A gente ganha pouco, mas só o que a gente se ri..." E não fosse esse riso, não nos chegariam os salários para pagar a psiquiatras as curas das depressões!
Ai queriam?! Pois tomem lá... e não digam que vão daqui...
Que eu passei o dia na província e a única festa que lá havia (e olhem que é a terra mais vermelha de Portugal), era a do Benfica lá da terra. Com música e tudo pois então! Eles quiseram lá saber do 25 de Abril. Futebol é que é!

O POVO JUNTOU-SE


Gostei da manifestação do 25 de Abril. Havia muita gente. Comprámos 2 cravos, 1 euro cada. As canções do Zeca, do Adriano e do conjunto Aquaviva aqueceram-me o sangue e a memória. Helena Roseta lá ia, valente. O meu amigo João Godinho também. Lembrei-me da mensagem recebida da minha amiga Florina: " Sinto os cravos com menos cor...Tempos melhores para as nossa filhas e sua geração. Fraternidade entre os povos. Um abraço". Também desejo o mesmo para as nossas filhas. Mas quanto à palidez dos cravos...
...Não te esqueças, chaparra, que muita coisa mudou. Lembras-te de quando ias na "camioneta da carreira", de Beja para Mértola e saías em Alcaria Ruiva e ias de Alcaria, atravessando a serra, para os Alvares, o teu "monte", de burro?! Claro que te lembras! Ora hoje, o teu monte, os Alvares, já não fica no cú do mundo, porque, como sabes, é servido por boas estradas...Não é verdaade?
Uma coisa, no entanto, te quero dizer: quando vi na manifestação um cartaz a criticar a política de Sócrates, perdão, do Sr Engenheiro, também achei que é preciso avivar a cor dos cravos, mas cá por dentro de nós, agindo em conformidade, o que antes, sendo possível, teria consequências nefastas e tantas vezes dramáticas. Hoje, sem deixarmos de ser o que fomos e somos, temos outros objectivos: aprofundar a democracia, lutar contra os seus vícios e exercer os nossos direitos de cidadãos...

Eduardo Aleixo

COISAS SIMPLES


Nunca me canso de olhar para as águas do Tejo.
Está uma manhã cinzento-clara.
As águas são prata, ao longe. Calmas. Só perto, junto à muralha, murmuram. Ao de leve. No sítio, onde esperamos pelos peixes.
Os pescadores. As canas. Em fila interminável.
Também eu aqui pesquei muitas vezes.
E namorei, com aquela que é minha mulher hoje.
Lugar sereno, embora na cidade.
Hei-de aqui voltar, pensei. É só trazer as canas, comprar o isco no Cais do Sodré e sentir, de novo, o sortilégio da espera, do silêncio, dos sonhos perpassando pelo coração, enquanto o tempo passa sem darmos por isso.
Coisas que só os amantes da pesca sabem.
E elas, as que amam os pescadores também.
« Bom dia, amigo», digo eu a um pescador.
« Bom dia»
« Desculpe, ouvi dizer que agora é preciso tirar licença de pesca para pescar aqui...»
«Ah, pois é!», responde-me « E se não tivermos licença, temos de pagar multa...»
Ao que chegámos: castigar os pescadores desportivos, que pescam por prazer, e o que pescam é sempre coisa insignificante!
Ao que chegou a cegueira democrática do...déficit!!!

Eduardo Aleixo

25 DE ABRIL


Mesmo que digam: pouco resta do que sonhámos, estão a dar cabo do 25 de Abril!...
A verdade é que tudo resta do Zeca, algo que vence o tempo, a sua voz linda e portentosa, a sua força, a sua mensagem. Tudo fica numa flor. Neste caso, é um cravo. Podia ser uma rosa, la rose, de Gilbert Bécaud. E quando ficam as flores e a música...
Mas não têm razão os que dizem que estão a dar cabo do 25 de Abril. É falta de memória. Ou melhor: é esquecimento de que na altura a consciência e as necessidades eram outras.
Havia miséria. Fome. Ditadura. Polícia Política. Tortura. Emigração. Partido único. As mulheres não tinham os direitos que hoje têm. Não havia o direito à greve. Não havia democracia. Todos sabem.
Estamos contentes? Não.
Mas isso é outra questão.
Hoje não estamos contentes. Mas não é por causa da ditadura. É por causa dos erros da democracia.
Mas temos o direito de protestar.
De exigir.
De intervir.
O que nem todos fazem.
Hoje, os tempos são diferentes.
E é bom sinal que o Zeca esteja vivo.
É bom sinal que as novas gerações gostem do Zeca.
Isto há-de ir, sim. Vai indo. Nunca pára. A gente é que nunca deve parar.
Viva hoje.
Viva o 25 de Abril.

Eduardo Aleixo

25 de Abril sempre.

Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade

Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é que mais ordena.

24 abril, 2007

Venham mais Cinco - Zeca Afonso pela Animatuna

Não me obriguem
A vir para a rua
Gritar
Que é já tempo
D'embalar a trouxa
E zarpar

A diferença que há


A diferença que há entre os estudiosos e os poetas
É que aqueles passam a vida inteira com o nariz num assunto
A ver se conseguem decifrá-lo, e estes
Abrem o livro, lêem três páginas, farejam as restantes
(nem sequer todas) e sabem logo do assunto
o que os outros não conseguiram saber.
Por isso é que os estudiosos têm raiva dos poetas,
capazes de ler tudo sem Ter lido nada
( e eles não leram nada tendo lido tudo).
O mal está em haver poetas que abusam do analfabetismo,

E desacreditam a gaya Scienza

(Jorge de Sena)

Agora falo eu, a mulher do capitão.



O meu marido é capitão. E campeão nacional de esgrima. E engenheiro civil. Deu-me algum trabalho “apanhá-lo”. Não parecia muito disposto a casar. Tive que engravidar “sem querer” porque não se decidia.
Esteve uns meses em comissão em Moçambique. Poucos. Nem deu para matar saudades do meu ex namorado. Bem sei que não é homem para casar mas pelo menos diverte-me.
O meu marido, o Carlos, é um chato. Telefonou-me há pouco para dizer que não vinha jantar, que não sabia quanto tempo ia ficar no quartel, que estavam de prevenção. A nossa filha faz amanhã 1 ano e estou mesmo a ver que ele não há-de cá estar para o aniversário. Um chato.
Não gosta da tropa. É o que ele diz. Mas fez o curso na academia militar e agora não pode sair quando lhe apetece… é o que ele diz.
Eu gosto de ser casada com um homem que é capitão, engenheiro civil e campeão de esgrima. Ainda por cima é um tipo apresentável sem ser bonito por aí além. Chateia-me que ele goste tanto da prima, mais nova que ele 8 anos. A miúda nem sequer é bonita. Tem um corpinho bem feito, é magérrima (mas ele diz que não, que não tem nenhum osso à vista) e parece inteligente. Adora discutir com ele política. Qualquer dia metem-se em apuros, com a mania dos comunismos.
Também me chateia que ele insista em levar a miúda connosco todos os fins-de-semana para a aldeia do Meco. A primeira vez que a miúda foi e nos viu ficar em pêlo, embasbacou mas não se deu por achada. O Carlos perguntou-lhe se nunca tinha visto um homem nu. Ela disse que estava farta de ver homens nus em Angola, no meio do mato. E despiu-se como nós. Nessa noite o Carlos fez amor comigo de uma maneira diferente. Tenho a certeza que estava a pensar nela. A miúda excita-o. Não faz mal enquanto for eu a ganhar com isso.
Agora estou chateada com isto de ele não vir jantar e não saber se amanhã vem ao aniversário da menina. Bem sei que ela não percebe, é muito pequenina, mas para mim é importante. Vem a família dele que não parece gostar muito de mim e eu tenho que fazer os possíveis por os conquistar. Não são ricos mas vivem muito bem, não posso estar de costas voltadas para a família dele, se quero ganhar algum. Sem ele por aqui é mais complicado.
Um chato, o meu marido. A nossa filha faz 1 ano amanhã, 25 de Abril de 1974. E ele provavelmente está a arranjar desculpas para sair com a priminha… não me admirava nada. A miúda é mais descarada do que parece. Uma sonsa é o que é, debaixo daquela capa de menina tímida! Tenho que me “pôr a pau” com ela… e com ele!

Zeca Afonso - Memórias de um artista cidadão

ANTES DE 25 DE ABRIL DE 1974


AINDA É NOITE

Tarde cinzenta
De horas impassíveis...

Que relógio está parado
No país adormecido?

À beira-Tejo
Eis o que sonho:
Chegam bandos de homens justos.

Com eles vou
Irmanados
Gritando
O sol nascer...

Ainda é noite!

Eduardo Aleixo

( Lx, Fevereiro de 1974 )

23 abril, 2007

CALA OS OLHOS, VAGABUNDO


Cala os olhos, vagabundo.

Não me digas
que há estradas no mundo
sem urtigas.

Não me contes
que nascem astros nos vales
para além dos horizontes.

Não me fales
de haver poentes
com as cores ardentes
das penas dum galo.

Não me tentes,
vagabundo.

Não quero ver o mundo.
Prefiro imaginá-lo.

José Gomes Ferreira

A Morte Saiu à Rua - Zeca Afonso

A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome pra qualquer fim
Uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue dum peito aberto sai

Índios da Meia Praia - Dulce Pontes canta Zeca Afonso

Oito mil horas contadas laboraram a preceito
Até que veio o primeiro documento autenticado
Eram mulheres e crianças, cada um com seu tijolo
Isto aqui era uma orquestra, quem diz o contrário é tolo

Libertação


Fui à praia e vi nos limos
a nossa vida enredada:
ó meu amor, se fugimos,
ninguém saberá de nada.

Na esquina de cada rua,
uma sombra nos espreita,
e nos olhares se insinua,
de repente uma suspeita.

Fui ao campo, e vi os ramos
decepados e torcidos:
ó meu amor, se ficamos,
pobres dos nossos sentidos.

Hão-de transformar o mar
deste amor numa lagoa:
e de lodo hão-de a cercar,
porque o mundo não perdoa.

Em tudo vejo fronteiras,
fronteiras ao nosso amor.
Longe daqui, onde queiras,
a vida será maior.

Nem as esperanças do céu
me conseguem demover
Este amor é teu e meu:
só na terra o queremos ter.

(David Mourão Ferreira)

Gaivotas em terra...


É bom chegar a uma da mais famosas praias do país, pelas 9.30 da manhã e ter à minha espera, apenas um bando de gaivotas. Mais um dos meus privilégios. Costumo dizer que se tenho deve ser porque mereço. A verdade é que não encontro outra explicação para o facto de tantas coisas boas acontecerem na minha vida. Ou, às tantas, sou eu que dou valor a todas as coisas boa e más e lhes aumento a importância. Às tantas ninguém ligaria o que eu ligo a estes pormenores.
De facto o que me interessam são sobretudo pormenores. Se acabo de conhecer alguém e me perguntam "não o achaste muito gordo?", provavelmente responderei "isso não reparei: mas tem um belo sorriso!", ou qualquer coisa do género.
Às vezes dizem-me que se passam comigo coisas que não se passam com mais ninguém. Eu acho que passo pelas mesmas coisas só que "vivo" todas as coisas com muita intensidade.

Fiquei pois bem contente por ter o Eduardo Aleixo de volta (já que não me parece tão fácil fazer reaparecer o Eduardo António; acho que tenho que te ir visitar pá e pôr-te a escrever à força), neste dia mundial do livro.
Como já perceberam com certeza não gosto de dias mundiais. Mas o livro merece, (um dia mundial, claro) e o texto "Livros" com que o Eduardo nos brindou hoje é muito bom, para além de falar de três escritores que para mim, são hoje (em português técnico) incontornáveis: António Lobo Antunes, Rodrigo Guedes de Carvalho e Luís Sepúlveda. É claro que este último se foi embora de casa do Aleixo sem saber o que ele pensou dos livros relidos, mas acho que realmente ele se preocupa muito mais com as pequenas coisas da vida que fazem com que a vida valha a pena. E para mim Sepúlveda é sobretudo o homem que se fez escritor e que escreve como fala. Por isso ele é de uma clareza de cristal. Porque é um homem limpo, e por muito que na terra dele se use chamar "negritos" às pessoas de quem se gosta, ele pode ser branco ou negro, mas nunca um homem de cor.

Bem vindo pois Eduardo e pode ser que agora eu arranje um tempinho para pôr o outro Eduardo a escrever... porque se me encontrar nas minhas andanças sem acesso à NET, o que é bem provável, (se bem que eu não me importe de fazer 200 ou 300 km para não abandonar este espaço), acho que te vai fazer falta uma companhia... ou melhor: que a companhia do Eduardo António já tarda demais e nos faz falta a todos (os que escrevemos e os que lêem este blog)

Madrigal para a Inventada


Vou inventar uma flor
Para pôr
No teu cabelo.

Uma flor com asas de lume
Donde, em vez de perfume,
Saiam sons de violoncelo.

E eu possa dizer à Terra:
« Sim. Bendito seja o teu ventre entre as mulheres.
Mas basta de malmequeres.».

José Gomes Ferreira

LIVROS

À minha frente, os livros acabados de reler, de Luís Sepúlveda, " Patagónia Express" e "Diário de um Killer Sentimental". Também sobre a mesa o livro, " Mulher em Branco", de Rodrigo Guedes de Carvalho. Começando pelo último - emprestado pela Eduarda - : mas que bela surpresa! Li-o de um fôlego, com o seguinte pensamento a intrometer-se intermitentemente na leitura: "quem pode imaginar, olhando para o rosto de alguém, que esse alguém pode escrever assim tão bem?!" Obedecendo a metodologia do autor ao " modelo" oficinal de António Lobo Antunes ( o que é, julgo, indiscutível), não os comparo, no entanto! Rodrigo é diferente ( somos afinal todos diferentes…). Acho que se não conhecesse Lobo Antunes e não tivesse tido o problema ( já resolvido ) de " aprender a lê-lo", mesmo assim… leria o Rodrigo com facilidade. É mais simples. É mais do meu gosto.

Escrevo sobre a mesa, dentro do telheiro aberto para o terreno onde estão as minhas árvores. Como o telheiro é aberto, tive de tapar todos os buracos junto ao tecto e aos beirais para impedir que a passarada, ao fazer os seus ninhos, me cague a mesa e o chão, transformando o espaço interior numa pocilga! Não me acusa a consciência: se querem fazer os ninhos, pois que os façam, mas lá fora: o "loureiro" afaga - como nos anos anteriores - um ninho de melros, já com criação. A "japoneira" esconde - como nos anos anteriores - um ninho, de não sei que pássaro, com quatro ovinhos ( um posto todos os dias em que por cá permaneci ).E dentro de um vaso, suspenso do beiral avançado, que faz protecção às fachada principal da casa, as " carriças", passarinhos canoros, de bico comprido, furaram a terra do vaso, construíram um túnel, e dele já voejam, encantados, filhos pequeninos… Luís Sepúlveda está em cima da mesa ( salvo seja), chateado:

« Que me interessam os ninhos se estou à espera de que fales dos meus livros, que acabaste de ler e que mencionaste, carago?»

« Quero dizer-te, em primeiro lugar, amigo, que, tal como tu, as minhas flores preferidas são as sardinheiras…»

Por esta resposta ele não esperava!Claro que lhe poderia ter dito também:

« Nem imaginas como te invejo!. Como, tendo tantas afinidades contigo, gostaria que a minha vida tivesse sido como a tua…»

Sepúlveda, lendo-me o pensamento, quis interromper-me, estendendo-me os braços, para passar-me a mão pelo pêlo, mas eu não deixei: « Sabes, gostei muito daquela frase do teu avô andaluz:

- Uma pessoa é … de onde melhor se sente…», atirei-lhe.

Ele ficou impressionado. Disse-me:

« Por que não foste à Patagónia, como me prometeste, em Barcelona? »

« Não me foi possível », respondi-lhe « A vida, quando cheguei de Barcelona, teve chatices, crispações …Mas sabes, para compensar a minha não ida à Patagónia, pus-me a reler o teu Patagónia Express. A verdade, Luís, é que me senti sempre tão bem no meio da tua gente, das paisagens que descreves tão fotograficamente, não só as exteriores, da Patagónia , da Amazónia, dos confins daquele continente de sonho, mas também as de dentro, dos sentimentos e da alma, com a fluência das palavras rápidas e claras, que fazes deslizar, como as águas claras de um rio…

Depois, sabes, ao ler-te, sobre os tempos trágicos do Chile de Allende, quando os nossos olhos e os nossos corações e as nossas bocas tinham o brilho intenso, o pulsar quente e as palavras convictas, como se o sonho parisse inevitavelmente a vida e a vida fosse como o sonho quente das palavras…»

« Estás a invocar magistralmente esses tempos, sim…», interrompeu Sepúlveda.

Prossegui: « Além do mais… identifico-me com a tua maneira de escrever e de ser e admiro a cultura dos povos que descreves.

Talvez seja um exagero dizer-te que seria assim que eu descreveria ( ou melhor, que eu gostaria de descrever ) , se tivesse seguido o mesmo destino que tu, a maneira de ser irónica e sábia do meu povo, rude, brejeira e tosca, mas doce, sincera, e sem malabarismos. Deixa-me também dizer-te que gosto do modo directo e belo como falas do amor, da morte, do mar e das estrelas…»

O meu amigo sorriu, encantado. Olhou para mim, depois para o relógio, deu um salto da mesa, bebeu o resto das cerveja, acariciou-me o rosto, e despediu-se:

« Fico então à espera que me envies uma crónica sobre o teu povo, de que tenho ouvido falar tanto. Se ele for como tu, é um povo do carago!…»

«És muito simpático,… Obrigado! »

«Temos de brindar ao Alentejo e ao amor, como fizemos em Barcelona, lembras-te? »

« Se me lembro! »

«Até admira, estavas tão bêbedo!..»

«E tu não estavas, meu sacana?!»

Mas ele já se tinha pisgado, dengoso, a rir, por entre as árvores…

A VOZ DO VENTO


Gosto do silêncio das noites
Após a guerra dos dias
Mas sinto sempre a grande solidão do mundo
Estampada no rosto do vento
Que sabe
A inutilidade
De todos os caminhos...

Eduardo Aleixo

22 abril, 2007

Paciência - João Pedro Pais e Mafalda Veiga

Será que é tempo que me falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (tão rara)
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para(a vida não para não...a vida não para)

Realidade


Por causa de um livro
vieste ao meu encontro.
Era Verão, não sabias de nada
nem isso interessava. Palavras
amavam-se fora de ti,
no atropelo das emoções.
Lá chegaria a primeira vez,
o enconctro apressado num lugar
público. Desfeito o erro
ao toque da pele, não sei
se havia medo, a paixão queria-me
no lugar exacto do teu coração.
Palavras enrolam-se na sombra
da vida a dor do sentimento.
Atingido o espírito, o tempo
da infância, a realidade. Em ti
a solidão que o prazer
não mata. Quero a beleza
dos versos revelada.
Alguns anos passaram sobre
a nossa história que não acabou.
A tarde envelhece e escrevo isto
sem saber porquê.
(Isabel de Sá)

Muros de vergonha...


Pensava eu (e muita gente como eu) que a era dos muros da vergonha tinha acabado. Enganei-me, mais uma vez. Os militares norte americanos estão a construir um muro de 5 km em Bagdad para separarem sunitas e xiitas. A desculpa são os constantes ataques de uns aos outros.
Na verdade, pelo que ouvi, nem os sunitas nem os xiitas estão de acordo com o dito muro que, só servirá para lhes complicar ainda mais o dia a dia, numa cidade que há muito se tornou uma fonte de problemas para os seus cidadãos, que chegam a ter saudades do ditador Saddam, porque nessa altura pelo menos tinham um dia a dia normalizado.
A única pergunta que faço é "quem é que pára os americanos, quem é que lhes diz de uma vez por todas que não são os donos do mundo?"; que se dediquem a tratar do seu país que está exposto a todos os ataques, incluindo os dos cidadãos americanos, como o funcionário da NASA que matou a tiro um colega dentro do próprio edifício. Se não fosse uma tragédia, até dava vontade de rir...
O senhor Bush, que ficou sem palavras quando soube dos ataques do 11 de Setembro, continua pelos vistos, a ter apenas palavras para o que se passa fora do seu país. Talvez fosse bom começar a pensar (se bem que eu tenha alguma dificuldade em conseguir imaginar esta criatura a pensar) em começar por limpar primeiro a sua casa, em vez de se entreter a mandar erguer mais um muro de vergonha que ninguém deseja, senão ele mesmo. Ou se calhar continuo enganada... a verdade é que depois de ter ouvido a notícia há uns dias, ainda não ouvi quaisquer comentários sobre a mesma...

21 abril, 2007

Olha (Chico Buarque e Erasmo Carlos)

Olha, você tem todas as coisas
Que um dia eu sonhei pra mim
A cabeça cheia de problemas
Não me importo eu gosto mesmo assim.

Não posso adiar o amor

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração।

(António Ramos Rosa)

No país mais livre do mundo.

O que leva um jovem de 23 anos a matar mais de trinta colegas de faculdade? Como é possível que um país como os USA que já viram este filem vezes demais, continuem a ter leis permissivas na questão da compra e venda de armas? Porque é que qualquer pessoa pode ter uma ou várias armas nos USA?
Uma arma é sempre algo de muito perigoso. Há ano e meio uma pessoa praticamente da família foi alvejada bem como a mulher, por um vizinho. A estória passou-se numa aldeia no concelho de Torres Novas, logo por azar no dia do meu aniversário. O homem acabou por falecer passados dois dias no Hospital de S. Francisco Xavier em Lisboa, para onde foi transportado de helicóptero. A mulher não sofreu grandes danos, uma vez que a bala a apanhou de "raspão" num braço, sem causar grandes estragos. O que lhe estragou o que lhe resta de vida, foi o modo brutal como viu o marido ser assassinado por um vizinho que, à conta de ser caçador, tinha várias armas em casa, com as respectivas licenças de uso e porte das mesmas.
Alvejou o vizinho como tinha prometido, por causa de um arranjo no passeio que dá acesso às duas vivendas. Disse que o matava e cumpriu. Depois suicidou-se: fez a sua própria justiça, como acontece em grande parte destes casos. Será para fazerem a sua própria justiça ou por cobardia? Eu penso que só por cobardia alguém pega numa arma e atira sobre pessoas indefesas.
No caso dos USA, o jovem que matou dois colegas, fez um vídeo, explicativo do que se estava a passar entretanto e depois matou mais trinta e a si mesmo: é perfeitamente inacreditável. Como é que duas horas após o assassinato de duas pessoas numa faculdade, o assassino consegue manter-se dentro da mesma sem ser detectado e executar uma "segunda volta"?
É este o país mais seguro e livre do mundo?

20 abril, 2007

Essa Mulher - Maria Rita

Essa menina, essa mulher, essa senhora
Em que esbarro toda hora
No espelho casual
É feita de sombra e tanta luz
De tanta lama e tanta cruz
Que acha tudo natural.

Assombros

Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.

Fora, não se dão conta os desatentos.

Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.

Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.

Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro.

(Affonso Romano de Sant'Anna)

Por uma emoção

De repente a sensação de que alguns pares de olhos poisavam em mim. Olho na sua direcção e desviam-se. Tento perceber porque me olhavam e entendo: devo estar com um sorriso meio idiota nos lábios. Estava absorta nos meus pensamentos, pensava em ti e sorria: parvamente como sempre que penso em ti.
Por mais que diga a mim mesma que acabou, não voltarei a reincidir contigo, não deixarei que me faças pior do que já fizeste... por mais que me diga que não vales a pena, que não vales uma das minhas lágrimas muito menos um dos meus sorrisos, sorrio sempre que penso em ti.
Nestas alturas fico tonta: não me apetece viajar sozinha, não me apetece fazer a rota do deserto senão contigo, todos os parceiros de viagem, de aventura, me aparecem como muito pouco apetecíveis. Fico com a sensação que buscam em mim a coragem que lhes falta, que bebem em mim a vontade de aventura, que contam comigo para os piores momentos que se adivinham.
E apetece-me ligar-te e dizer-te que tinhas razão, que não sei viver sem ti, que a tua loucura me faz falta, que a tua coragem me enche de orgulho, que o medo que sinto é uma adrenalina de que preciso para viver... o medo que sinto de voltar para ti a correr mal estales os dedos. è porque aprendi a viver com esse medo que não volto. Porque esse medo dá-me a adrenalina que sentia que estávamos juntos. Substituí-te pelo medo de voltar para ti.
Esta é a verdade. Quantos homens e mulheres poderão dizer isto dos seus parceiros de ontem? Quem conheces mais que seja capaz de te substituir por uma emoção?
Eu sei... mas não me ligues de novo. Senão eu volto para ti.

19 abril, 2007

Le meteque - Georges Moustaki

Avec ma gueule de métèque
De juif errant, de pâtre grec
Et mes cheveux aux quatre vents
Avec mes yeux tout délavés
Qui me donnent un air de rêver
Moi qui ne rêve plus souvent

Ciganos



Lá vêm os saltimbancos, às dezenas
Levantando a poeira das estradas.
Vêm gemendo bizarras cantilenas,
No tumulto das danças agitadas.

Vêm num rancho faminto e libertino,
Almas estranhas, seres erradios,
Que tem na vida um único destino,
O Destino das aves e dos rios.

Ir mundo a mundo é o único programa,
A disciplina única do bando;
O cigano não crê, erra, não ama,
Se sofre, a sua dor chora cantando.

Nunca pararam desde que nasceram.
São da Espanha, da Pérsia ou da Tartária?
Eles mesmos não sabem; esqueceram
A sua antiga pátria originária...

Quando passam, aldeias, vilarinhos
Maldizem suas almas indefesas,
E a alegria que espalham nos caminhos
É talvez um excesso de tristezas...

Quando acampam de noite, é no relento,
Que vão sonhar seu Sonho aventureiro;
Seu teto é o vácuo azul do Firmamento,
Lar? o lar do cigano é o mundo inteiro.

Às vezes, em vigílias ambulantes,
A noite em fora, entre canções dalmatas,
Vão seguindo ao luar, vão delirantes,
Alados no langor das serenatas.

Gemem guzlas e vibram castanholas,
E este rumor de errantes cavatinas
Lembra coisas das terras espanholas,
Nas saudades das terras levantinas.

E, então, seus vultos tredos envolvidos
Em vestes rotas, sórdidas, imundas.
Vão passando por ermos esquecidos,
Como um grupo de sombras vagabundas.

Lá vem os saltimbancos, às dezenas,
Levantando a poeira das estradas,
Vêm gemendo bizarras cantilenas,
No tumulto das danças agitadas.

Povo sem Fé, sem Deus e sem Bandeira!
Todos o temem como horrível gente,
Mas ele na existência aventureira,
Ri-se do medo alheio, indiferente.

E, livres como o Vento e a Luz volante,
Sob a aparência de Infelicidade,
Realizam, na sua vida errante,
O poema da eterna Liberdade.

(Raul Leôni)