Um blog do dia a dia, com muitas estórias, alguma poesia, música, fotografia, crítica, comentários... para desabafar, porque sem um grito ninguém segura o rojão!
30 abril, 2007
ALBERTO JOÃO JARDIM
Grace Kelly - Mika
O Sobrevivente
29 abril, 2007
PEDANTISMO
Perguntaram-me se a crítica alguma vez me orientou.
Respondi:
Até hoje creio que cumpri apenas o dever de todos os artistas verdadeiros: desorientei-a...
( José Gomes Ferreira, em " Imitação dos Dias " )
Nota: adoro este escritor. Na página inicial do livro, de que retirei este texto e o que vem a seguir, leio o que escrevi, com a data de Junho de 1968:
" Feira do Livro. José Gomes Ferreira ouvindo, ar docemente irónico, humildemente alheio ao que um senhor gaguejante dizia sobre ele.Tive vontade de pergfuntar-lhe se não estava chateado daquilo..."
Era assim, com aquele ar aparentemente ausente, que ele via o mundo, penetrantemente, das estrelas ao pó dos caminhos, digo eu...Não achas, Zé Gomes?
MADRIGAL
Chico Cesar canta " Eu quero apenas" de Roberto Carlos
E no caminho o que eu pescar quero dividir quando lá chegar
Eu quero crer na paz do futuro, eu quero ter um quintal sem muro
Quero meu filho pisando firme, cantando alto, sorrindo livre
Eu quero ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar
Ah! Os Relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...
(Mário Quintana )
Agora falo eu, a mulher do funcionário público.
Sempre gostei muito da família. Tive uma infância feliz e era muito amiga da minha irmã. Quando chegou a idade de namorar, como andávamos sempre juntas, começámos a namorar dois amigos, ao mesmo tempo.
O meu Carlos era feinho. Quer dizer: é o que dizem porque para mim ele era o homem mais bonito do mundo. Mas eu bem via nos olhos dos outros o que pensavam dele. Mas tinha muitos amigos porque era muito boa pessoa.
Namorámos durante 6 anos, porque ele era funcionário público e ganhava muito pouco. Mas éramos felizes na mesma, porque eu era uma boa dona de casa, aproveitava tudo, nada se perdia e até aprendi umas coisas de contabilidade para ajudar o meu marido que fazia umas “escritas” para fora para nos governarmos melhor.
Depois fiquei grávida e nasceu um belo rapazinho. O meu marido continuava a ter olhos só para mim e eu passei a ter olhos para ele e para o meu filho.
Não se passou nada durante toda a minha vida que mereça a pena contar. Mas foi uma vida boa, tranquila, de muito trabalho (e nunca conseguimos ter nada de nosso) mas sossegada. O meu marido ia aonde eu ia e vice-versa. O filho cresceu sem nos dar grandes alegrias mas também sem nos dar preocupações. Era um rapazinho “certinho”: pelo menos era o que eu pensava. Porque desde que aqui estou soube de umas coisas e comecei a perceber que se calhar a minha nora não era tão embirrenta como eu achava; se calhar ele tinha alguma culpa por ela ser daquela maneira, mal disposta, pouco sorridente, infeliz… quando eu morri eles já estavam divorciados.
A minha neta não gostava de mim e eu também não gostava dela. Mas o menino era muito bom rapaz (como o meu filho) … que afinal parece que não era assim tão bom. Mas aos meus olhos de mãe é claro que ele era perfeito. Até porque abortei de todas as vezes que fiquei grávida depois dele ter nascido que o que o meu marido ganhava mal dava para vivermos com algum conforto quanto mais para ter mais meninos… E mesmo assim o meu Carlinhos teve que andar sempre no ensino público, fez a Escola Industrial (que o liceu era para os meninos ricos que podiam ir mais longe…)
Mas hoje apeteceu-me dizer que estou aqui muito bem com o meu Carlos que está cada vez mais enamorado de mim. As pessoas sorriem quando nos vêem: eu baixinha e gordinha e ele alto e magro, com uma grande corcunda (acho que a corcunda se acentuou ao longo dos anos, à força de querer estar à minha altura). Eu continuo a cozinhar os pratos de que ele gosta tanto e vamos dando uma vista de olhos pelo mundo dos vivos… E percebendo que afinal nem tudo é como a gente pensava: é que à distância às vezes vê-se melhor!
28 abril, 2007
Mariposa de Noviembre - Luis Pastor
A carta
Agora falo eu, a ex-mulher do capitão de Abril
Aguentei durante 10 anos um casamento de fachada… ainda é um casamento de fachada. O meu marido (ex?) não quer que se saiba que não vivemos juntos. Se eu disser deixa de me pagar pensão.
Sempre achei que ele tinha panca. Só casei com ele porque era capitão, campeão de esgrima e engenheiro civil.
As coisas nunca andaram bem entre nós, mas depois que a priminha dele desapareceu (primeiro tornou-se anarca e ele encontrou-a a vender “A Merda” no Rossio). Fez questão de lhe contar que toda a família já sabia e que alguns acharam que lhe havia de passar, outros deixaram mesmo de lhe falar… ele tentou conversar com ela. Disse-me que tinha medo que ela se metesse em coisas perigosas… um dia ela desapareceu sem deixar rastro. Durante anos andou por esse mundo fora de mochila às costas sem que ninguém soubesse dela. Usava um passaporte falso, nunca dormia no mesmo sítio. Nem mesmo o Carlos com os conhecimentos todos que tinha a conseguiu localizar: foi entristecendo, entristecendo e eu cada vez mais farta, claro!
Ele foi promovido a major e eu promovi-o a “corno” com mais do que um colega dele, daqueles que nos frequentavam a casa. Fartei-me de ser mal amada e procurei consolo noutros braços… Agora vivo com o Luís e o Carlos paga-me para eu me manter calada. Quero lá saber, desde que continue a poder ir ao cabeleireiro todas as semanas e a vestir-me nas melhores lojas de Lisboa. Uma vez por ano ou duas vou a Londres aos saldos, que a pensãozita que ele me paga não dá para mais… mas pelo menos durmo as horas que quero e não tenho que estar agarrada a um PBX o dia inteiro, ouvindo as conversas de cada um para não morrer de tédio… O Luís dá-me de comer e cama e o meu marido paga os extras… Escusam de ficar tão chocados! É o que não falta para aí são estórias como a minha! É uma questão de se ser inteligente: viver não custa, o que custa é saber viver! O Carlos paga-me e eu nem sequer tenho que aparecer com ele em lado nenhum (que isso o Luís não admitia!). Ele lá vai arranjando umas desculpas e depois ainda faz questão de ficar com a miúda. É claro que para isso teve que me aumentar a pensão, que eu fiz logo questão de dizer que não passava sem a minha filha… mas a verdade é que ela é uma chata igual ao pai e é um martírio sempre que tenho que fazer o papel de mãezinha presente!
Agora deixou a tropa. Mantém o gabinete com o colega, trabalha 14 horas por dia, mal tem tempo para se coçar, mas lá vai dando conta do recado com a filha, que o adora e está sempre com as unhas de fora quando se trata de defender o paizinho! A gente trá-las na barriga 9 meses para isto! Mas pronto, nada é perfeito nesta vida… A verdade é que me estou nas tintas para os dois. Só me chateia que a priminha tenha reaparecido, mulher feita… tonta como sempre: com umas ideias sobre ecologia e ambiente, acho que se licenciou numa dessas coisas e faz uns trabalhos para o gabinete do Carlos. É claro que ele anda todo contente, mas ela é que parece que não lhe dá trela. Segundo a minha filha, disse-lhe que gostava muito dele como amigo, mas que não estava para aturar homem dentro de casa… que ele passa umas noites lá em casa com ela, mas não deixa a escova de dentes que ela não deixa.
Não percebo o que é que certas mulheres pretendem da vida! Esta podia ter uma bela vida com um tipo a esfolar-se por ela e está-se nas tintas. Deve ser daquelas gajas que dizem que o trabalho enobrece! Deixem-me rir: o que enobrece é o “money” e o resto são tretas para impressionar o mundo!
E agora vou à esteticista que o Luís traz para jantar logo, um amigo muito giro… convém sempre apresentar-me como deve ser: a gente sabe lá o que nos reserva o futuro?!
CANÇÃO COM LÁGRIMAS E SOL
( Para Adriano Correia de Oliveira )
Eu canto para ti um mês de giestas
Um mês de morte e crescimento ó meu amigo
Como um cristal partindo-se plangente
No fundo da memória perturbada.
Eu canto para ti um mês onde começa a mágoa
E um coração poisado sobre a tua ausência
Eu canto um mês com lágrimas e sol: o grave mês
Em que os mortos amados batem à porta do poema.
Porque tu me disseste: quem me dera em Lisboa
Quem me dera em Maio. Depois morreste
Com Lisboa tão longe ó meu irmão de Maio
Que nunca mais acenderás no meu o teu cigarro.
Eu canto para ti à tua espera
Teu nome escrito com ternura sobre as águas
E o teu retrato em cada rua onde não passas
Trazendo no sorriso a flor do mês de Maio.
Porque tu me disseste: quem me dera em Maio
Porque te vi morrer eu canto para ti
Lisboa e o sol. Lisboa viúva ( com lágrimas com lágrimas )
Lisboa à tua espera ó meu irmão tão breve.
Manuel Alegre
27 abril, 2007
SOU A MILÉSIMA TERCEIRA POSTAGEM
OUTRA VIDA - JOÃO AFONSO
O Poço
Sou a milésima postagem.
26 abril, 2007
Tatuagens - Mafalda Veiga e Jorge Palma
Canção do mar
Agora falo eu, a mulher do comandante.
25 abril, 2007
Tanto Mar -Chico Buarque
Está lá a "vidinha" que aceitámos:
A poesia é a vida? pois claro!
Futebol é que é!
O POVO JUNTOU-SE
Gostei da manifestação do 25 de Abril. Havia muita gente. Comprámos 2 cravos, 1 euro cada. As canções do Zeca, do Adriano e do conjunto Aquaviva aqueceram-me o sangue e a memória. Helena Roseta lá ia, valente. O meu amigo João Godinho também. Lembrei-me da mensagem recebida da minha amiga Florina: " Sinto os cravos com menos cor...Tempos melhores para as nossa filhas e sua geração. Fraternidade entre os povos. Um abraço". Também desejo o mesmo para as nossas filhas. Mas quanto à palidez dos cravos...
...Não te esqueças, chaparra, que muita coisa mudou. Lembras-te de quando ias na "camioneta da carreira", de Beja para Mértola e saías em Alcaria Ruiva e ias de Alcaria, atravessando a serra, para os Alvares, o teu "monte", de burro?! Claro que te lembras! Ora hoje, o teu monte, os Alvares, já não fica no cú do mundo, porque, como sabes, é servido por boas estradas...Não é verdaade?
Uma coisa, no entanto, te quero dizer: quando vi na manifestação um cartaz a criticar a política de Sócrates, perdão, do Sr Engenheiro, também achei que é preciso avivar a cor dos cravos, mas cá por dentro de nós, agindo em conformidade, o que antes, sendo possível, teria consequências nefastas e tantas vezes dramáticas. Hoje, sem deixarmos de ser o que fomos e somos, temos outros objectivos: aprofundar a democracia, lutar contra os seus vícios e exercer os nossos direitos de cidadãos...
Eduardo Aleixo
COISAS SIMPLES
Nunca me canso de olhar para as águas do Tejo.
Está uma manhã cinzento-clara.
As águas são prata, ao longe. Calmas. Só perto, junto à muralha, murmuram. Ao de leve. No sítio, onde esperamos pelos peixes.
Os pescadores. As canas. Em fila interminável.
Também eu aqui pesquei muitas vezes.
E namorei, com aquela que é minha mulher hoje.
Lugar sereno, embora na cidade.
Hei-de aqui voltar, pensei. É só trazer as canas, comprar o isco no Cais do Sodré e sentir, de novo, o sortilégio da espera, do silêncio, dos sonhos perpassando pelo coração, enquanto o tempo passa sem darmos por isso.
Coisas que só os amantes da pesca sabem.
E elas, as que amam os pescadores também.
« Bom dia, amigo», digo eu a um pescador.
« Bom dia»
« Desculpe, ouvi dizer que agora é preciso tirar licença de pesca para pescar aqui...»
«Ah, pois é!», responde-me « E se não tivermos licença, temos de pagar multa...»
Ao que chegámos: castigar os pescadores desportivos, que pescam por prazer, e o que pescam é sempre coisa insignificante!
Ao que chegou a cegueira democrática do...déficit!!!
Eduardo Aleixo
25 DE ABRIL
Mesmo que digam: pouco resta do que sonhámos, estão a dar cabo do 25 de Abril!...
A verdade é que tudo resta do Zeca, algo que vence o tempo, a sua voz linda e portentosa, a sua força, a sua mensagem. Tudo fica numa flor. Neste caso, é um cravo. Podia ser uma rosa, la rose, de Gilbert Bécaud. E quando ficam as flores e a música...
Mas não têm razão os que dizem que estão a dar cabo do 25 de Abril. É falta de memória. Ou melhor: é esquecimento de que na altura a consciência e as necessidades eram outras.
Havia miséria. Fome. Ditadura. Polícia Política. Tortura. Emigração. Partido único. As mulheres não tinham os direitos que hoje têm. Não havia o direito à greve. Não havia democracia. Todos sabem.
Estamos contentes? Não.
Mas isso é outra questão.
Hoje não estamos contentes. Mas não é por causa da ditadura. É por causa dos erros da democracia.
Mas temos o direito de protestar.
De exigir.
De intervir.
O que nem todos fazem.
Hoje, os tempos são diferentes.
E é bom sinal que o Zeca esteja vivo.
É bom sinal que as novas gerações gostem do Zeca.
Isto há-de ir, sim. Vai indo. Nunca pára. A gente é que nunca deve parar.
Viva hoje.
Viva o 25 de Abril.
Eduardo Aleixo
25 de Abril sempre.
24 abril, 2007
A diferença que há
Agora falo eu, a mulher do capitão.
Esteve uns meses em comissão em Moçambique. Poucos. Nem deu para matar saudades do meu ex namorado. Bem sei que não é homem para casar mas pelo menos diverte-me.
O meu marido, o Carlos, é um chato. Telefonou-me há pouco para dizer que não vinha jantar, que não sabia quanto tempo ia ficar no quartel, que estavam de prevenção. A nossa filha faz amanhã 1 ano e estou mesmo a ver que ele não há-de cá estar para o aniversário. Um chato.
Não gosta da tropa. É o que ele diz. Mas fez o curso na academia militar e agora não pode sair quando lhe apetece… é o que ele diz.
Eu gosto de ser casada com um homem que é capitão, engenheiro civil e campeão de esgrima. Ainda por cima é um tipo apresentável sem ser bonito por aí além. Chateia-me que ele goste tanto da prima, mais nova que ele 8 anos. A miúda nem sequer é bonita. Tem um corpinho bem feito, é magérrima (mas ele diz que não, que não tem nenhum osso à vista) e parece inteligente. Adora discutir com ele política. Qualquer dia metem-se em apuros, com a mania dos comunismos.
Também me chateia que ele insista em levar a miúda connosco todos os fins-de-semana para a aldeia do Meco. A primeira vez que a miúda foi e nos viu ficar em pêlo, embasbacou mas não se deu por achada. O Carlos perguntou-lhe se nunca tinha visto um homem nu. Ela disse que estava farta de ver homens nus em Angola, no meio do mato. E despiu-se como nós. Nessa noite o Carlos fez amor comigo de uma maneira diferente. Tenho a certeza que estava a pensar nela. A miúda excita-o. Não faz mal enquanto for eu a ganhar com isso.
Agora estou chateada com isto de ele não vir jantar e não saber se amanhã vem ao aniversário da menina. Bem sei que ela não percebe, é muito pequenina, mas para mim é importante. Vem a família dele que não parece gostar muito de mim e eu tenho que fazer os possíveis por os conquistar. Não são ricos mas vivem muito bem, não posso estar de costas voltadas para a família dele, se quero ganhar algum. Sem ele por aqui é mais complicado.
Um chato, o meu marido. A nossa filha faz 1 ano amanhã, 25 de Abril de 1974. E ele provavelmente está a arranjar desculpas para sair com a priminha… não me admirava nada. A miúda é mais descarada do que parece. Uma sonsa é o que é, debaixo daquela capa de menina tímida! Tenho que me “pôr a pau” com ela… e com ele!
ANTES DE 25 DE ABRIL DE 1974
23 abril, 2007
CALA OS OLHOS, VAGABUNDO
A Morte Saiu à Rua - Zeca Afonso
Índios da Meia Praia - Dulce Pontes canta Zeca Afonso
Libertação
Gaivotas em terra...
Madrigal para a Inventada
LIVROS
À minha frente, os livros acabados de reler, de Luís Sepúlveda, " Patagónia Express" e "Diário de um Killer Sentimental". Também sobre a mesa o livro, " Mulher em Branco", de Rodrigo Guedes de Carvalho. Começando pelo último - emprestado pela Eduarda - : mas que bela surpresa! Li-o de um fôlego, com o seguinte pensamento a intrometer-se intermitentemente na leitura: "quem pode imaginar, olhando para o rosto de alguém, que esse alguém pode escrever assim tão bem?!" Obedecendo a metodologia do autor ao " modelo" oficinal de António Lobo Antunes ( o que é, julgo, indiscutível), não os comparo, no entanto! Rodrigo é diferente ( somos afinal todos diferentes…). Acho que se não conhecesse Lobo Antunes e não tivesse tido o problema ( já resolvido ) de " aprender a lê-lo", mesmo assim… leria o Rodrigo com facilidade. É mais simples. É mais do meu gosto.
Escrevo sobre a mesa, dentro do telheiro aberto para o terreno onde estão as minhas árvores. Como o telheiro é aberto, tive de tapar todos os buracos junto ao tecto e aos beirais para impedir que a passarada, ao fazer os seus ninhos, me cague a mesa e o chão, transformando o espaço interior numa pocilga! Não me acusa a consciência: se querem fazer os ninhos, pois que os façam, mas lá fora: o "loureiro" afaga - como nos anos anteriores - um ninho de melros, já com criação. A "japoneira" esconde - como nos anos anteriores - um ninho, de não sei que pássaro, com quatro ovinhos ( um posto todos os dias em que por cá permaneci ).E dentro de um vaso, suspenso do beiral avançado, que faz protecção às fachada principal da casa, as " carriças", passarinhos canoros, de bico comprido, furaram a terra do vaso, construíram um túnel, e dele já voejam, encantados, filhos pequeninos… Luís Sepúlveda está em cima da mesa ( salvo seja), chateado:
« Que me interessam os ninhos se estou à espera de que fales dos meus livros, que acabaste de ler e que mencionaste, carago?»
« Quero dizer-te, em primeiro lugar, amigo, que, tal como tu, as minhas flores preferidas são as sardinheiras…»
Por esta resposta ele não esperava!Claro que lhe poderia ter dito também:
« Nem imaginas como te invejo!. Como, tendo tantas afinidades contigo, gostaria que a minha vida tivesse sido como a tua…»
Sepúlveda, lendo-me o pensamento, quis interromper-me, estendendo-me os braços, para passar-me a mão pelo pêlo, mas eu não deixei: « Sabes, gostei muito daquela frase do teu avô andaluz:
- Uma pessoa é … de onde melhor se sente…», atirei-lhe.
Ele ficou impressionado. Disse-me:
« Por que não foste à Patagónia, como me prometeste, em Barcelona? »
« Não me foi possível », respondi-lhe « A vida, quando cheguei de Barcelona, teve chatices, crispações …Mas sabes, para compensar a minha não ida à Patagónia, pus-me a reler o teu Patagónia Express. A verdade, Luís, é que me senti sempre tão bem no meio da tua gente, das paisagens que descreves tão fotograficamente, não só as exteriores, da Patagónia , da Amazónia, dos confins daquele continente de sonho, mas também as de dentro, dos sentimentos e da alma, com a fluência das palavras rápidas e claras, que fazes deslizar, como as águas claras de um rio…
Depois, sabes, ao ler-te, sobre os tempos trágicos do Chile de Allende, quando os nossos olhos e os nossos corações e as nossas bocas tinham o brilho intenso, o pulsar quente e as palavras convictas, como se o sonho parisse inevitavelmente a vida e a vida fosse como o sonho quente das palavras…»
« Estás a invocar magistralmente esses tempos, sim…», interrompeu Sepúlveda.
Prossegui: « Além do mais… identifico-me com a tua maneira de escrever e de ser e admiro a cultura dos povos que descreves.
Talvez seja um exagero dizer-te que seria assim que eu descreveria ( ou melhor, que eu gostaria de descrever ) , se tivesse seguido o mesmo destino que tu, a maneira de ser irónica e sábia do meu povo, rude, brejeira e tosca, mas doce, sincera, e sem malabarismos. Deixa-me também dizer-te que gosto do modo directo e belo como falas do amor, da morte, do mar e das estrelas…»
O meu amigo sorriu, encantado. Olhou para mim, depois para o relógio, deu um salto da mesa, bebeu o resto das cerveja, acariciou-me o rosto, e despediu-se:
« Fico então à espera que me envies uma crónica sobre o teu povo, de que tenho ouvido falar tanto. Se ele for como tu, é um povo do carago!…»
«És muito simpático,… Obrigado! »
«Temos de brindar ao Alentejo e ao amor, como fizemos em Barcelona, lembras-te? »
« Se me lembro! »
«Até admira, estavas tão bêbedo!..»
«E tu não estavas, meu sacana?!»
Mas ele já se tinha pisgado, dengoso, a rir, por entre as árvores…
A VOZ DO VENTO
22 abril, 2007
Paciência - João Pedro Pais e Mafalda Veiga
Realidade
Muros de vergonha...
21 abril, 2007
Olha (Chico Buarque e Erasmo Carlos)
Não posso adiar o amor
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração।
(António Ramos Rosa)
No país mais livre do mundo.
20 abril, 2007
Essa Mulher - Maria Rita
Assombros
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.
Fora, não se dão conta os desatentos.
Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.
Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.
Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro.
(Affonso Romano de Sant'Anna)
Por uma emoção
19 abril, 2007
Le meteque - Georges Moustaki
Ciganos
Lá vêm os saltimbancos, às dezenas
Levantando a poeira das estradas.
Vêm gemendo bizarras cantilenas,
No tumulto das danças agitadas.
Vêm num rancho faminto e libertino,
Almas estranhas, seres erradios,
Que tem na vida um único destino,
O Destino das aves e dos rios.
Ir mundo a mundo é o único programa,
A disciplina única do bando;
O cigano não crê, erra, não ama,
Se sofre, a sua dor chora cantando.
Nunca pararam desde que nasceram.
São da Espanha, da Pérsia ou da Tartária?
Eles mesmos não sabem; esqueceram
A sua antiga pátria originária...
Quando passam, aldeias, vilarinhos
Maldizem suas almas indefesas,
E a alegria que espalham nos caminhos
É talvez um excesso de tristezas...
Quando acampam de noite, é no relento,
Que vão sonhar seu Sonho aventureiro;
Seu teto é o vácuo azul do Firmamento,
Lar? o lar do cigano é o mundo inteiro.
Às vezes, em vigílias ambulantes,
A noite em fora, entre canções dalmatas,
Vão seguindo ao luar, vão delirantes,
Alados no langor das serenatas.
Gemem guzlas e vibram castanholas,
E este rumor de errantes cavatinas
Lembra coisas das terras espanholas,
Nas saudades das terras levantinas.
E, então, seus vultos tredos envolvidos
Em vestes rotas, sórdidas, imundas.
Vão passando por ermos esquecidos,
Como um grupo de sombras vagabundas.
Lá vem os saltimbancos, às dezenas,
Levantando a poeira das estradas,
Vêm gemendo bizarras cantilenas,
No tumulto das danças agitadas.
Povo sem Fé, sem Deus e sem Bandeira!
Todos o temem como horrível gente,
Mas ele na existência aventureira,
Ri-se do medo alheio, indiferente.
E, livres como o Vento e a Luz volante,
Sob a aparência de Infelicidade,
Realizam, na sua vida errante,
O poema da eterna Liberdade.
(Raul Leôni)