Tenho 75 anos e venho de uma família de intelectuais e artistas. Se bem que há 50 anos um fotógrafo não era um artista, mas um trabalhador.
Casei aos 17 anos com um piloto da aviação civil, que conheci sem sair de casa, que os meus pais não me deixavam sair senão acompanhada pelo meu irmão e mesmo assim muito poucas vezes. O Carlos era amigo do meu irmão e o frequentador mais assíduo lá de casa. Os meus pais pensavam que era por ser o melhor amigo do meu irmão, mas a verdade é que estava apaixonado por mim.
Eu nunca tinha tido um namorado e quando ele me disse, todo bonito na sua farda branca de aviador que queria namorar comigo porque se tinha apaixonado por mim e queria casar rapidamente eu apaixonei-me de imediato por ele. Nunca olhei para mais nenhum homem.
Ao princípio as coisas corriam bem. Tínhamos uma boa vivenda de dois andares, vários empregados, cozinheiro, etc., eu só tinha que vigiar para que tudo corresse sobre rodas. O meu marido fazia-me todas as vontades. Era olhada com inveja pela maior parte das minhas amigas. Com 5 anos de casada, tinha dois filhos, dois bonitos rapazes, que tinham amigos da sua classe social e tudo corria sobre rodas.
Só que de repente comecei a achar que o meu marido passava muito tempo fora de casa. Comecei a achar que ele não tinha tantos voos quantos dizia e que tinha uma ou mais amantes. Não sei porque comecei a pensar coisas destas. O comportamento dele era o de sempre comigo. Saíamos para ir ao cinema sempre que ele tinha disponibilidade de tempo. Eu estreava roupas novas com muita frequência, ia ao cabeleireiro sempre que me apetecia (e apetecia-me sempre) e ele gostava que assim fosse. Reparava em mim, continuava a dizer que eu era a mulher mais bela do universo... mas eu comecei a pensar que havia outra ou outras. Então começaram as discussões. Um dia, em desespero de causa tomei um frasco de comprimidos. A vida já não fazia sentido. Eu não tinha interesse pelos meus filhos, tudo o que eu sabia é que era muito infeliz porque o meu marido me traía. Só queria morrer.
Quando ele entrou em casa eu estava em coma. Depois de uma lavagem ao estômago e vários dias de internamento numa clínica voltei para casa.
Fiquei novamente grávida e tive mais um rapaz. Pouco tempo depois as minhas suspeitas voltaram com toda a força, tentei novamente o suicídio. Salvaram-me a vida "in extremis", mas fiquei quase cega. Vejo apenas "sombras" desde então.
Foi aí que o Carlos disse que não podia continuar a viver com uma desequilibrada como eu. E divorciá-mo-nos. Ele ficou na casa e alugou um belo apartamento para mim e para os filhos perto da vivenda. Assim os rapazes visitavam-no sempre que queriam.
O mais velho saiu de casa para a Universidade em Coimbra e nunca mais voltou. Entretanto os anos foram passando e nem eu nem o Carlos encontrávamos ninguém que nos interessasse. Então convenci-me de que tinha realmente imaginado tudo, que tinha sido muito infeliz só por ter imaginado coisas e decidimos voltar a refazer o nosso casamento.
Mas foi preciso que o meu filho mais novo se suicidasse por amor aos 20 anos para que eu percebesse o quanto importante é a vida e aprendesse a ser feliz.
É verdade. Não tenho vergonha de confessar. A morte do meu filho ensinou-me a ser feliz.
O meu marido faleceu há 5 anos e eu vivo para o meu filho do meio. Ele também se divorciou e como vivemos perto um do outro, eu cuido da casa dele. Vou lá com a minha empregada 2 vezes por semana para lhe pôr a casa em ordem. Conversamos muito os dois.
Tenho uma neta do meu filho mais velho que é juiz no Porto e que visitamos de vez em quando. É um bocado "esquisita". Muito inteligente mas nunca está satisfeita. Depois de se ter formado em engenharia do ambiente e estar bem empregada já há uns anos, decidiu tirar veterinária, só para tratar do cão... Não é muito normal, mas enfim, é carinhosa comigo, quando estamos juntas. O do meu filho do meio é um belo rapaz. Não gosta muito da escola, mas é bom rapaz. E gosta muito de mim. Pena é que a mãe nem sempre o deixe estar comigo muito tempo: porque eu sou "cegueta".
Mas agora sou feliz. Aprendi a ser feliz.
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