Presos no elevador, ela quer saber
por exemplo, o número do meu sapato
quantas vezes já fui à Europa
se gosto de cerveja, vinho ou uísque.
Investigando os bolsos do meu paletó
ela quer saber, por exemplo
se prefiro viver na cidade ou no campo
por que não visito mais minha mãe
onde ocultei os meus antigos demônios.
O interrogatório seria menos triste se
as luzes não nos invadissem com tanta força
se a modernidade não insistisse em abrir
nessas cabines voláteis, janelas voltadas
para a mecânica noite metropolitana.
Desabotoando minha camisa, ela quer
saber quantos dedos eu tenho em cada mão
onde compro meus malditos sapatos
se frequento restaurantes marroquinos.
Certos detalhes bicudos, risonhos e gelados
(pormenores da rotina sexual dos pinguins)
isso é tudo o que ela e a cidade ainda
não arrancaram de mim.
Ela quer saber, ela quer muito saber
por exemplo, sobre a multidão de mãos
orelhas, pernas, pés, braços, beijos
mas, palavra, depois de doze horas neste
porão já não sei mais de quem são.
Pobres pinguins de vida fácil.
(Valério Oliveira)
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