04 setembro, 2007

Cela forte

Presos no elevador, ela quer saber
por exemplo, o número do meu sapato
quantas vezes já fui à Europa

se gosto de cerveja, vinho ou uísque.

Investigando os bolsos do meu paletó
ela quer saber, por exemplo
se prefiro viver na cidade ou no campo

por que não visito mais minha mãe

onde ocultei os meus antigos demônios.
O interrogatório seria menos triste se
as luzes não nos invadissem com tanta força

se a modernidade não insistisse em abrir

nessas cabines voláteis, janelas voltadas
para a mecânica noite metropolitana.
Desabotoando minha camisa, ela quer

saber quantos dedos eu tenho em cada mão

onde compro meus malditos sapatos
se frequento restaurantes marroquinos.
Certos detalhes bicudos, risonhos e gelados

(pormenores da rotina sexual dos pinguins)

isso é tudo o que ela e a cidade ainda
não arrancaram de mim.
Ela quer saber, ela quer muito saber

por exemplo, sobre a multidão de mãos

orelhas, pernas, pés, braços, beijos
mas, palavra, depois de doze horas neste
porão já não sei mais de quem são.

Pobres pinguins de vida fácil.

(Valério Oliveira)

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